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Má governança nacional é risco global nº 1 para empresas no Brasil

Quais sãos os riscos que mais preocupam os líderes empresariais de todo o mundo? A resposta desta ampla pergunta depende em grande medida do lugar onde tais líderes se encontram.

Na Europa assuntos como a crise migratória e o desemprego ocupam o topo das preocupações empresariais. Nos Estados Unidos e Japão, são os riscos cibernéticos que tiram o sono dos executivos de empresas.

Já no Brasil, e em boa parte da América Latina, a principal pedra no sapato empresarial é a velha incapacidade das instituições de governo de fazer as coisas direito.

Essa é a conclusão que se tira do relatório anual de riscos lançado esta semana pelo Fórum Econômico Mundial, a entidade que organiza o Fórum de Davos, evento que reúne líderes empresariais e governamentais no final deste mês na Suíça.

O documento mostra que, em termos globais, temas que estão nas manchetes dos jornais, como a migração involuntária, o possível colapso de países como a Síria, as guerras e o desemprego alimentam as preocupações das empresas no curto prazo.

Com uma perspectiva mais longa, o ranking inclui o aquecimento global, as catástrofes climáticas, crises alimentícia a instabilidade social.

Mas é a possibilidade de crises de acesso à água o risco que, na visão dos líderes empresariais, pode causar os próximos problemas na próxima. E o Brasil é apontado como exemplo de país onde a má gestão dos recursos hídricos causa todo tipo de problema.

Regras turvas

“A governança se encontra no coração da gestão da água”, afirma o documento, baseado em entrevistas com 13 mil líderes empresariais de 140 países. “O Brasil exemplifica os desafios de administrar a água mesmo nos limites de um único país.”

O fórum global observa que, apesar de o Brasil contar com cerca de 12% das reservas mundiais de água doce, boa parte desta riqueza hídrica não chega aos centros urbanos espalhados pelo país.

“São Paulo, que contribui com um terço do PIB brasileiro, tem uma disponibilidade de água por habitante inferior até mesmo à do Nordeste, que é historicamente exposto a secas.”

O documento continua: “Com a energia hidrelétrica constituindo 64% do da produção de eletricidade, há conflitos causados por regras que não são claras a respeito da governança da água nos níveis federal, estadual e local.”

Com exemplos como este, não é de espantar que o tema da incapacidade das instituições de governo seja a principal preocupação das empresas que operam no Brasil, a exemplo de outros países como o Paraguai, Bolívia, Moçambique e Mauritânia.

Problema latino

E não só no Brasil. Os problemas causados pelas instituições de governo ocupam o topo do ranking das preocupações das empresas latino-americanas, segundo o Fórum Econômico Mundial.

Isso é verdade especialmente na América do Sul, “onde a corrupção e a desconfiança sobre o funcionamento das instituições estão agravando cada vez mais as dificuldades de se levar um negócio”, diz o texto.

O fórum, no entanto, também alerta que a má governança de um país não é só culpa dos políticos. “Governança é um fenômeno multifacetado em que as empresas, a sociedade civil e o público geral também têm um papel a desempenhar.”

Para as empresas, diz o texto, a má governança de um país resulta em custos e riscos adicionais que, no longo prazo, podem tornar suas atividades insustentáveis.

Nada menos do que 91% dos entrevistados na região citaram a má governança nacional como um dos principais riscos enfretados pelas empresas. Um choque de preços energéticos (82%), o desemprego ou subemprego (64%), profunda instabilidade social (59%) e as crises fiscais (45%) completam a lista dos cinco maiores riscos.

Outro tema mencionado pelo relatório é a falência de infraestruturas críticas, um problema agravado pelas frouxas perspectivas econômicas dos países latino-americanos.

“Um aumento do investimento em infraestrutura estimularia a economia assim como reforçaria sua resistência aos riscos globais”, pontifica o fórum global.

A nível global, a má governança nacional é citada como o principal risco para os negócios em 14 países, ficando atrás do desemprego, que lidera o ranking em 41 países, e um possível choque energético, dor-de-cabeça número 1 em outros 29.

Clique aqui e veja o relatório completo.




Instabilidade política e corrupção intimidam investidores

A instabilidade política alimentada pela reação da sociedade contra a corrupção constitui o principal risco para investidores no Brasil em 2016, segundo a consultoria britânica Verisk Maplecroft.

Em seu mais recente relatório sobre os cenários de risco global, a empresa britânica afirma ver poucas possibilidades de que a presidente Dilma Rousseff seja afastada em um processo de impeachment, mas também indica que o governo encontrará dificuldades para aprovar medidas no Congresso durante o ano.

O tema da corrupção preocupa não só no Brasil, mas também em outros países latino-americanos como a Venezuela, Argentina, o México e até mesmo o Chile, economia frequentemente apontado como a mais bem gerida da região.

“De nenhuma maneira a corrupção é um novo tema na América Latina”, disse Jimena Blanco, chefe da divisão Américas da consultoria, em entrevista à Risco Seguro Brasil. “Mas se trata de um tema que agora preocupa a sociedade em toda a região. Na medida em que os países enfrentam mais dificuldades para gerar renda, as pessoas ficam preocupadas com a eficiência dos gastos públicos e os efeitos da corrupção sobre a qualidade de vida.”

É neste caso que se encontra o Brasil, na opinião da analista, segundo quem a instabilidade política, intensificada pelas investigações da Operação Lava Jato, preocupa os investidores, que estão adotando uma postura de precaução com relação ao rumo que o país vai tomar.

“Quando há um alto nível de instabilidade política, os investidores se preocupam com possíveis regras do jogo, e como elas podem afetar os seus investimentos”, afirmou Blanco. “Portanto, muita gente vai preferir esperar para ver o que vai acontecer no Brasil nos próximos 12 meses.”

Fusões e aquisições

Assim como outros países da região, o Brasil ainda enfrenta os efeitos da queda dos preços das commodities, que deve continuar neste ano, de acordo com a Verisk Maplecroft.

Ao mesmo tempo, no entanto, a desaceleração da economia brasileira, aliada à queda do real e ao alto endividamento das empresas, pode criar oportunidades de fusão e aquisição para investidores estrangeiros. Em 2015, houve maior volume de aquisições feitas por estrangeiros do que por brasileiros no país.

Devido à incerteza política e econômica, porém, muitos investidores podem se sentir intimidados a colocar dinheiro no país, especialmente pensando em negócios de curto prazo, segundo Blanco.

“Depende do setor de atividade da empresa e do horizonte do investidor”, disse a analista. “Para quem está vendo o curto prazo, até o final do governo Dilma Rousseff, por exemplo, o cenário não é animador. O governo não tem o capital político necessário para aprovar no Congresso as reformas que precisa realizar.”

A análise pode dificultar, por exemplo, a entrada de fundos de private equity, que têm se destacado no mercado de fusões e aquisições nos últimos anos, mas que muitas vezes buscam retorno rápido ao reestruturar empresas com problemas.

Maior é a chance de que investidores com uma visão de longo prazo se interessem por ativos brasileiros, especialmente no caso de investimentos estratégicos que visam a expansão futura de seus negócios na região. Setores como a agricultura, a indústria e energia renovável podem se tornar alvo do interesse de empresas estrangeiras.

“O Brasil vai continuar a ser o mercado-chave para empresas com planos de crescer na América Latina”, disse Blanco. “Mas isso depende do setor de atividade. Ativos em áreas como o petróleo e a mineração, por exemplo, podem não parecem muito atrativos devido a episódios recentes como a Operação Lava Jato e o acidente de Mariana.”

Reputação

Outra preocupação é o dano reputacional que pode ser causada pelo envolvimento do nome de uma empresa em um caso de corrupção.

“Estamos vendo algumas companhias que tiveram seus nomes publicados em veículos de comunicação internacionais com relação a escândalos de corrupção”, disse Blanco. “É lógico que isso não vai trazer nenhum ganho para as marcas em seus mercados natais.”

Por esse motivo, consultorias como a Verisk Maplecroft estão recomendando a seus clientes que sejam especialmente cuidadosos em implantar controles internos eficientes quando estiverem operando no Brasil e outras economias emergentes onde o risco de corrupção é elevado.

“É preciso implementar sistemas que vão garantir que a empresa não se envolva ou seja relacionada com práticas ilegais”, observou Blanco.




Como o risco-família pode acabar com o negócio

Robert Juenemann
Robert Juenemann, do IBGC

Tomando um conceito simplificado, considere risco como toda ameaça à manutenção e desenvolvimento dos negócios de uma empresa. Agora, imagine que um desses riscos envolve relações consanguíneas nas quais muitas vezes estão presentes questões mais ligadas ao universo da psicologia do que ao da boa administração. Multiplique esse potencial pelo número de herdeiros em uma determinada companhia — facilmente pode chegar a mais de 30 — quando os fundadores se vão.

No mundo corporativo, o risco-família é uma sombra que permanentemente ameaça a competitividade ou o valor da empresa e não raramente sua própria sobrevivência. E uma sombra que cresce a cada nascimento ou casório.

Apesar do histórico da área, ainda é considerado tabu em muitas companhias. Mexer com as coisas do chefe (ou de um dos chefes), na maioria das vezes, é tarefa complicada — mesmo que ele só apareça esporadicamente na empresa.

Se por um lado pode ser difícil conciliar dois primos que não se bicam desde os 8 anos ou lidar com o filho do dono que insiste em ter um “cargão” na empresa mesmo tendo largado a escola no segundo grau, por outro, há instrumentos que, se bem usados, ajudam a mitigar o risco e dificultar o aparecimento de problemas nessa área — é a clássica “gestão profissional do negócio”.

Investir nessa linha vale a pena; os benefícios são infinitamente superiores à trabalheira envolvida, dizem os especialistas.

Bomba atômica

“O dano causado pelo risco-família pode ser total”, diz Robert Juenemann, diretor de um escritório especializado em direito empresarial e familiar e também conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Não porque o produto da empresa não era bom, mas porque as relações entre os sócios e familiares acabou levando a uma desagregação.”

Ignorado ou tratado de forma inadequada, este tipo de risco ameaça diretamente a eficiência da administração no dia a dia, e pode também abalar o valor e o patrimônio da organização — por consequência direta, o quinhão a que os próprios herdeiros têm direito. Algo muito próximo de dar um “tiro no próprio pé”.

O problema ganha contornos mais complexos no momento da sucessão, que em casos mais graves pode virar guerra aberta entre parentes, com disputas judiciais que se arrastam por décadas. (Veja casos recentes das Casas Pernambucanas, Odebrecht, Dudalina e Schincariol.)

Conflito de interesses

Nijalma Cyreno
Nijalma Cyreno, do Pellon & Associados

Para Nijalma Cyreno, advogado especialista em direito empresarial do escritório Pellon & Associados,  juntar parentes debaixo do mesmo organograma produz mais problemas do que os que são enfrentados pelas organizações onde não existe primo, irmão, cunhado, tio, pai, mãe, marido ou esposa se encontrando no cafezinho.

“Uma empresa familiar tem mais potencial de gerar riscos do que empresas de gestão profissional”, resume. “Não raro, há abusos entre o melhor interesse da empresa e o da família.”

Segundo ele, esse conflito pode, por exemplo, postergar um investimento necessário em alguma área importante para a empresa, canalizando recursos para interesses familiares. Basta que os familiares na administração não estabeleçam adequadamente as prioridades.

“Esse é um tópico fundamental e fruto de muitos riscos: fiscais, trabalhistas, regulatórios, ambientais… Tem-se uma falta de disciplina sobre a destinação dos lucros e do desempenho dos vários setores da organização.”

Ele lembra que empresas profissionais dispõem de uma série de controles e governança, como comitê de auditoria, de risco, conselho de administração, conselho fiscal etc. Nas empresas familiares, quando esses controles existem, eles são com frequência ineficientes.

“Costumam ser pouco exigidos. A palavra que se impõe é a vontade da família, que nem sempre é do melhor interesse para a empresa.”

Isso resulta em processos decisórios mais morosos e gestão precária, diz Cyreno.

Encarar o problema logo

Mas qual a melhor forma, afinal, de lidar com o risco-família? Como tudo que dá muito trabalho, não há uma receita pronta.

Para Juenemann, o melhor para o negócio é encarar o desafio o mais cedo possível dentro da organização e deixar a relação entre os sócios documentada de forma clara.

Este desafio se traduz, de acordo com os especialistas, em profissionalizar a administração, com a contratação de gestores profissionais e/ou preparação adequada dos familiares que irão trabalhar na empresa. Além disso, é preciso criar os mecanismos que estabeleçam claramente o modelo de participação dos parentes na companhia — o programa de governança.

Há uma infinidade de questões a serem respondidas. Os parentes dos sócios poderão trabalhar na empresa? E os cônjuges? E os segundos cônjuges? Enteado entra?

Como será o processo de inserção dos parentes na administração? Não é melhor estabelecer pré-requisitos obrigatórios para determinados casos? E a remuneração, vai seguir o mercado ou incluirá um extra?

Como será feita a escolha dos administradores? E a sucessão, quando o fundador sair de cena? Como será a divisão de dividendos? O presidente do Conselho de Administração será da família? Não é melhor uma pessoa do mercado?

Definir critérios para lidar com essas situações, entre outras, tende a ser fundamental para a longevidade da organização. “É importante tratar desse assunto quando as coisas estão bem na empresa”, diz Juenemann. “Porque quando as coisas já não estão bem fica muito mais difícil.”

Entenda-se por “estar bem” aquela fase na qual os problemas ainda não geraram cismas muitas vezes complicados de remendar.

Segundo ele, em boa parte dos casos, o primeiro passo para encarar o risco-família é deixar claro para todo mundo que a empresa é familiar. “Pode parecer até ridículo, mas muitas vezes o pessoal não se dá conta disso. Mas há três ou quatro sócios, com as respectivas famílias… É preciso entender e separar o que é da família e o que é do negócio.”

Lucros

Ao contrário do que possa parecer, promover a profissionalização da gestão não significa negar poder à  família que criou o negócio. Segundo Cyreno, é justamente o contrário. “Defender o interesse da empresa vai resultar em mais benefícios para os donos.”

Ele lembra que, à medida que o negócio cresce e se multiplicam os parentes envolvidos, abre-se espaço para situações cada vez mais heterogêneas. “Há os parentes que não querem saber de nada, mas há também aqueles que fazem questão de participar ativamente.”

O melhor dos mundos, diz ele, é quando os parentes interessados se preparam para assumir as funções, com educação formal, e mergulham de fato no dia a dia da companhia, ganhando seu espaço mais por competência e dedicação e menos pelo sobrenome.

De forma geral, no entanto, a gestão deve ser feita, preferencialmente, por alguém do mercado, com capacidade técnica comprovada. “Obviamente tem de ser alguém de confiança da família, mas tem de ter currículo para conduzir os negócios”, afirma. “E tem de se estabelecer os limites até onde a família pode definir os destinos da empresa e até onde as decisões de caráter gerencial podem ser tomadas.”

Mesmo sistema

De acordo com Juenemann, é importante que se estabeleçam critérios claros e “porta de entrada e de saída” para cada assunto da administração familiar, ou seja, formas de tratá-lo quando aparecerem e formas também de solucioná-lo.

Segundo ele, o modelo de governança deverá ser desenvolvido de acordo com as características de cada empresa e família.

“É preciso criar uma convergência sobre aquilo que é comum aos sócios”, diz Juenemann. “E que o programa de governança reflita a cultura da empresa. Não dá pra dizer ‘vai por aqui’; é preciso ver o melhor caminho que pode ser feito naquela companhia.”

Ele conlcui: “Às vezes, uma questão que parece ser muito complicada acaba sendo a melhor solução.”




Sucessão é tema delicado que fundadores têm receio de abordar

Parente é serpente
(Foto: Divulgação)

Apesar de ser um problema com vasto histórico de conhecimento público e um sem-número de profissionais e programas para auxiliar a resolvê-lo, o risco-família ainda é encarado como um tabu por muita gente, dizem os especialistas.

O plano de sucessão, por exemplo, é um assunto delicado de tratar. Muitos fundadores de empresas simplesmente não querem abordar um fato que lhes é sensível: o de que um dia não estarão mais ali para resolver as coisas, seja por aposentadoria ou morte.

Mas há resistência também em outros temas. Muitas questões do dia a dia costumam ser proteladas.

“Os administradores tomam uma série de precauções com outros riscos — financeiro, de crédito, estratégicos etc — e esquecem deste [o risco-família]. Aí de repente aparece um alien, que é tratado como uma surpresa; mas surpresa ele não deve ser”, diz Robert Juenemann, conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Segundo ele, o estímulo para se tentar resolver as questões costuma ir surgindo de acordo com a ocasião. A busca de soluções, portanto, ocorre pela demanda “autoimposta”.  “A maioria das empresas ainda não consegue lidar com este tema de forma sistematizada. Mas é importante não fazer isso de afogadilho”, diz Juenemann.

Natureza humana

Uma pesquisa da PwC feita em 2014 mostrou que apenas 11% das companhias tinham plano de sucessão bem organizado no Brasil.

Seja como for, mesmo programas bem implementados podem não ser suficientes para blindar adequadamente a empresa. “Ser humano vai ser sempre ser humano”, diz Nijalma Cyreno, advogado especializado em direito empresarial do escritório Pellon & Associados, para lembrar todo o manancial de situações que a espécie é capaz de criar.

Há casos de o processo de sucessão ter sido devidamente definido em vida pelo fundador. O problema é que ele não se dava bem com os irmãos, que foram questionar o testamento na Justiça.

Em outros casos, o processo até começou a ser tocado pelo fundador, mas logo ele percebeu se tratar de uma missão impossível de resolver de forma satisfatória entre os herdeiros.

“Ainda assim, é um processo que precisa ser feito em vida [pelo fundador], para que a transição na empresa seja a mais tranquila possível”, diz Cyreno.

Juenemann lembra ainda que, na medida em que a família vai deixando de ser vista pelo mercado como um problema, a empresa se valoriza. “O risco-família tratado de forma adequada faz a empresa passar de uma situação de risco para uma situação de oportunidade, de valorização dos negócios. Mas o processo precisa ser ‘de verdade’”, afirma o advogado.

“Programa de governança gera valor para a empresa. Paga-se mais por uma companhia bem organizada administrativamente”, completa Juenemann.




Setor elétrico precisa de ‘pontes’ e soluções de seguro inovadoras

Marcia Ribeiro, especialista em seguros da Light.
Marcia Ribeiro, especialista em seguros da Light.

Enfrentando pressão em várias frentes e com riscos cada vez mais complexos, os gestores de riscos do setor elétrico precisam construir mais pontes, internas e externas, a fim de enfrentar de maneira mais eficaz as ameaças que rondam as empresas do setor.

A avaliação é de Marcia Santos Ribeiro, especialista em seguros da Light e coordenadora do comitê do setor elétrico da Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR).

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“O que a gente quer são soluções inovadoras”, disse ela, que participou nesta terça-feira, ao lado de Rodrigo Violaro, da Swiss Re, e da Victor Garibaldi, da MDS Seguros, do painel Gestão de Risco Energético, no XI Seminário Internacional de Gerência de Riscos da ABGR, realizado em São Paulo entre 26 e 28 de outubro.

“Precisamos de gente interessada em fazer produtos [de seguros] diferentes, inteligentes e aderentes. Os produtos de prateleira, muitas vezes com clausulado que fica difícil até para inglês ver, precisam ser melhorados.”

Ribeiro entende que esse desenvolvimento depende do esforço do mercado segurador, mas também – no caso do setor elétrico – é necessário focar mais o trabalho das próprias empresas, a fim de calibrar as reais necessidades para a companhia mitigar com mais precisão seus diferentes riscos.

“Para ir ao mercado também precisamos fazer um trabalho interno”, afirmou ela. “Queremos mais diálogo para termos produtos com mais substância. Se o mercado entender melhor nossos riscos, terá mais eficácia.”

Desafios

As pontes que Ribeiro defende ganham mais força quando se olham as fontes de pressão para os gestores de risco e para os desafios do setor elétrico, sejam empresas geradoras, distribuidoras ou transmissoras de energia.

A pressão vem de acionistas, executivos, conselhos de administração e stakeholders variados. Já o campo das ameaças é vasto, complexo e diversificado: riscos hidrológicos e crise hídrica; instabilidade regulatória e riscos políticos; riscos climáticos e outros.

Para Victor Garibaldi, diretor da MDS, os riscos mais importantes atualmente são os hidrológicos e os ligados à legislação e regulação, além da necessidade de investimentos grandes e recorrentes, que fazem pressão no caixa da empresas.

Sentido médio das coisas

Ainda que não seja um produto customizado, o seguro paramétrico caminha no sentido proposto pela especialista da Light. O modelo trabalhado pela Swiss Re CS, uma das pioneiras no Brasil neste setor, “é um instrumento adicional para gestão do caixa no curto e médio prazo”, explica Rodrigo Violaro, diretor de energia da seguradora de soluções corporativas. “Ele atende riscos que não estavam sendo administrados.”

O seguro paramétrico trabalha com médias de ocorrências climáticas. Acima ou abaixo de determinado nível, o seguro é acionado automaticamente.

“Não é um seguro para casos extremos, para eventos que ocorrem a cada 40 ou 50 anos”, explicou Violaro à Risco Seguro Brasil. “É um seguro para ocorrências mais frequentes, a cada 10 ou 20 anos, mas para perdas menores. Não trabalha com riscos de probabilidades pequenas de grandes eventos, mas frequência maior para perdas menores. Tem uma função mais operacional.”

As coberturas incluem precipitação (chuva, vazão de rio), vento, temperatura, irradiação solar, terremoto, El Niño e preço de commodities – todos fatores que impactam diretamente as empresas de energia.




Aperto regulatório deve se somar a riscos enfrentados pelas mineradoras

As empresas de mineração devem sofrer uma crescente pressão regulatória em 2016, o que vem se somar a uma longa lista de desafios enfrentados pelo setor, de acordo com a consultoria Deloitte.

A empresa lançou recentemente um relatório em que ressalta os temas mais importantes para o setor em termos globais. O momento é difícil devido à queda dos preços das commodities no mercado internacional.

No Brasil, porém, os desafios são incrementados pela reação à tragédia de Mariana, que deve resultar em uma regulamentação mais rígida para o setor, e uma difícil conjuntura econômica doméstica.

“Toda vez que há um grande acidente, isso acarreta uma atualização regulatória”, disse Karla Costa, gerente da área de Sustentabilidade da Deloitte no Rio de Janeiro, à Risco Seguro Brasil. “A gente espera é que isso agora aconteça com a mineração.”

As mineradoras podem esperar, entre outros apertos regulatórios, novas exigências em termos de gestão de risco ambiental e de segurança operacional, além de requisitos de licenciamento de exploração mais estritos.

“É necessário que indústria aprenda com o que aconteceu e invista na prevenção,” disse Costa.

Condições pouco propícias

Devido às atuais condições do mercado, porém, é pouco provável que as empresas do setor tomem demasiadas iniciativas para melhorar seus processos de gestão de riscos, a não ser que se vejam obrigadas a isso.

“As empresas de mineração terão que tomar ações após o ocorrido, mas acredito que será muito mais através de pressão regulatória do que por iniciativa própria”, afirmou Costa.

Em seu relatório, a Deloitte lista uma série de fatores que estão complicando o desempenho das empresas de mineração.

Além da queda acentuada dos preços das commodities, agravada pelo desaquecimento da economia chinesa, o setor enfrenta as expectativas dos acionistas por dividendos sempre crescentes e uma carência de financiamentos para realizar novos investimentos.

Ao mesmo tempo, precisa atualizar seus procedimentos operacionais, adaptar-se a regulamentações sempre em mutação não só no Brasil, lidar com a sanha fiscal de governos ávidos por arrecadar mais impostos e investir na prevenção de riscos cada vez mais intensos em áreas como a segurança física de seus funcionários e os ataques cibernéticos.

Fusões e aquisições

Com todos estes fatores pressionando os resultados das mineradoras, a Deloitte afirma que que algumas terão dificuldade em manter sua independência e poderiam se tornar alvo de operações de fusão e aquisição.

De fato, algumas empresas que sofrem maior pressão por resultados estão vendendo ativos para poder aumentar os dividendos pagos a acionistas. A Anglo American, por exemplo, anunciou recentemente que vai vender 60% de seus ativos e fechar 85 mil postos de trabalho para se adaptar ao novo ambiente de negócios.

Mas há obstáculos para uma nova onda de transações no setor, incluindo a escassez de financiamento e uma acentuada aversão a riscos.

Este fator é especialmente importante no Brasil, onde os riscos que podem ser adquiridos junto com uma empresa se tornaram mais evidentes do que nunca no caso da Samarco.

A incerteza política e econômica e a pressão regulatória que vem por aí tornam ainda mais difícil que empresas em dificuldades encontrem um “cavaleiro branco” que lhes resgatem das complicações atuais, ainda que os preços dos ativos pareçam atraentes.

“Apesar de o momento ser ideal para fusões e aquisições, existe o outro lado da moeda, que é o risco que vem junto”, afirmou Costa.




Mariana, 1 mês depois: lições da tragédia para a gestão de riscos

Pouco mais de um mês após a tragédia de Mariana (MG), ainda não se sabe com certeza absoluta quais as foram as causas do rompimento da barragem do Fundão, que matou ao menos 13 pessoas e destruiu o distrito de Bento Rodrigues.

Mas o evento que, além de uma tragédia humana, se coloca como o maior desastre ambiental da história do Brasil já deixou algumas importantes lições para as empresas no que diz respeito à importância de levar a sério a gestão de seus riscos.

Isso tudo deixando de lado a parte técnica do desastre. Especialistas apontam várias causas possíveis, desde a utilização de métodos de construção já deixados de lado em outros países até possíveis vistas grossas a sinais de alarme para o risco de rompimento.

Mesmo antes de os laudos definitivos chegarem, no entanto, já se pode tirar algumas lições importantes, que nenhum gestor de risco deve ignorar.

Além das empresas

A mais importante delas é que a gestão de riscos empresariais não interessa apenas às empresas, mas à sociedade como um todo.

O objetivo primordial do gestor de risco é trabalhar em favor da garantia do balanço de sua empresa. Porém isso se faz batalhando por medidas que muitas vezes têm um alcance muito mais amplo do que esse.

A gestão de riscos de rompimento de barragens é um exemplo que se tornou, tristemente, mais do que óbvio neste último mês. Mas está longe de ser o único.

Em sua ânsia de maximizar o lucro, os máximos administradores de empresas muitas vezes podem adotar medidas que comprometem o meio ambiente ou causam riscos à saúde dos consumidores, ou ainda engajar-se em condutas de legalidade duvidosa.

São atos que cada vez mais as empresas brasileiras estão tendo que responder na Justiça, ao mercado financeiro e à opinião pública por seu amplo alcance econômico e social.

Da mesma maneira autoridades, investidores, imprensa e redes sociais estão mostrando um apetite insaciável por cobrar responsabilidades quando tais situações ocorrem.

Conseqüências para o bolso

Se as dimensões humana e ambiental da tragédia de Mariana não serviram de argumento suficiente para a necessidade de reforçar a gestão de riscos das empresas, quem sabe a situação muda quando se invoca órgão mais sensível de diretores e acionistas – sabidamente, o bolso.

Nesta semana, um escritório de advocacia entrou com uma pedido de ação coletiva nos EUA de investidores contra a Vale, uma das acionistas da Samarco, para ressarcir o prejuízo sofrido por acionistas da empresa como resultado do desastre.

Um dos argumentos mais interessantes utilizados pelos advogados é que a Vale prestou informações falsas ao mercado ao afirmar que possuía programas de gestão de riscos sanitários, ambientais e de segurança.

De acordo com a Rosen Law Firm, a Vale e seus mais altos executivos “fizeram afirmações falsas e/ou enganosas e/ou deixaram de revelar que: (1) o acidente do rompimento da Barragem do Fundão resultou na liberação de resídos tóxicos; (2) a Vale tinha um contrato com a Samarco que lhe permitia depositar resíduos de minério de ferro de suas usinas de tratamento da mina Alegria, da Vale, na Barragem do Fundão; (3) os programas e procedimentos da Vale para mitigar programas e procedimentos meio-ambientais, sanitários e de segurança eram inadequados; (…)”.

Com isso, segue o argumento, os investidores foram surpreendidos por queda nos valores das ações da Vale que não tinham como prever.

Pode-se argumentar que as ações coletivas nos Estados Unidos se tornaram uma verdadeira indústria, em que advogados oportunistas buscam quaisquer oportunidades para iniciar um processo. Mas o risco de condenação pelas cortes americanas neste tipo de ação é considerável. Então o melhor negócio é não deixar muita margem para que isso aconteça.

Juntem-se as indenizações por responsabilidade civil e responsabilidade ambiental geradas pelo acidente, além das várias multas federais e estaduais que serão aplicadas no Brasil, e é possível ter uma ideia, ainda que extrema, do quanto dinheiro uma gestão de riscos bem-feita pode economizar para a empresa. No mínimo ajudaria a enfraquecer o tipo de argumento usado pela Rosen Law (e ao menos dois outros escritórios).

Por outro lado, com a falha de autoridades e as próprias empresas em desenvolver a gestão de riscos, não deixa de ser salutar que investidores ativistas façam pressão neste sentido.

Gestão de crise

Outra lição é que os planos de gestão de crises elaborados pelas empresas devem partir do pressuposto de que uma emergência pode de fato acontecer.

Isso pode soar óbvio, mas a monumental falha do plano de emergência da Samarco em Bento Rodrigues passou a impressão de que a empresa havia elaborado um documento capaz de convencer burocratas, mas pouco adequado para funcionar na eventualidade de um evento real.

A falta de elementos simples, que vão desde a falta de uma sirene para alertar os moradores das redondezas até a demora para avisar as autoridades competentes, certamente não colaboraram em nada para reduzir a gravidade de tragédia.

O desastre também colocou em evidência a capacidade fiscalizadora do Estado brasileiro. A cobertura da mídia mostrou que, sem recursos e sem pessoal, os departamentos responsáveis pela implementação de regras vitais para a sociedade, como a segurança de barragens, encontram-se muito aquém desta tarefa.

Para as empresas, a lição neste caso é que a gestão de riscos não pode se resumir a obedecer regulamentações. É necessário avaliar criteriosamente os riscos a que a empresa está exposta em trabalhar em sua mitigação, ainda que não estejam previstos em nenhum tipo de lei.

É preciso comunicar

Há ainda a questão da gestão da comunicação com a sociedade após um evento, catastrófico ou não, e seus efeitos .

A opinião pública ficou com a impressão de que a Vale, ainda que sendo coproprietária da Samarco, está mais preocupada em se esquivar da responsabilidade legal pela tragédia do que em fazer algo para consertar a situação.

A impressão pode ser até equivocada, mas no fim é o que conta em termos de reputação da empresa.

A tentativa de diretores da companhia de minimizar os danos ecológicos causados pela tragédia na bacia do Rio Doce, durante entrevista em Nova York, tampouco ajudou a elevar a reputação da companhia após o caso. Afirmações desairosas contra os botequins, certamente bem mais populares do que multinacionais de mineração, só contribuem para piorar a situação.

Especialistas dizem que as empresas ainda gestionam mal o risco de reputação, e a tragédia de Mariana, assim como a Operação Lava Jato, ajudaram a tornar este tema ainda mais premente.




Para especialista, Samarco ignorou avisos e gestão de riscos falhou

Roberto Kochen, presidente da GeoCompany
Roberto Kochen, da GeoCompany.

A gestão do risco de rompimento nas barragens da Samarco em Mariana (MG) falhou, na opinião de Roberto Kochen, presidente e diretor técnico da empresa de engenharia e geotecnia GeoCompany.

“Por tudo que tem sido noticiado, a gestão de risco falhou em evitar um desastre de grandes proporções, com danos a propriedades, meio ambiente e dezenas de vítimas entre mortos e desaparecidos”, avalia ele, ressalvando que ainda não estão reunidas todas as informações necessárias para se descobrir as causas exatas do desastre.

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De acordo com o especialista, que também é diretor de infraestrutura do Instituto de Engenharia de São Paulo, os vazamentos e infiltrações anteriores ao rompimento da Barragem do Fundão, relatados pela imprensa, eram indicativos de uma “estabilidade insuficiente” na obra.

“A monitoração, caso tivesse sido instalada e feita de forma consistente, teria mostrado indícios de instabilidade e possível ruptura”, afirmou ele à Risco Seguro Brasil. “Normalmente, uma barragem apresenta indícios, como trincas, fissuras, infiltrações, movimentações e outros fenômenos que apontam para uma condição de estabilidade deficiente. São patologias bem conhecidas da engenharia de barragens. A impressão é de que todos esses aspectos foram desconsiderados pela mineradora.”

O Plano de Ação Emergencial, segundo Kochen, também deixou a desejar, uma vez que os moradores vizinhos à obra não foram avisados e removidos a tempo de evitar vítimas.

Surpresa rara

Segundo o diretor da GeoCompany, é muito raro que uma barragem se rompa bruscamente, sem avisos prévios. Assim como apontou outro especialista, Kochen lembra que o rompimento de rápido e imprevisto, apesar de incomum, é mais frequente em estrutura para rejeitos de minério do que em outros tipos. Isso ocorre porque há mais variação nas propriedades do material da barragem e dos rejeitos estocados.

Um rompimento brusco poderia acontecer, por exemplo, em caso de terremoto com alta intensidade. Os tremores de terra relatados na região no dia do desastre, no entanto, não seriam suficientes, diz Kochen, para causarem o desastre.

“Eles não causariam a ruptura caso a barragem tivesse sido construída de acordo com a boa técnica de engenharia, tivesse inspeção, avaliação de segurança monitorada, como preconiza a lei atual de segurança em barragens.”

Inspeções rotineiras

Kochen afirma que inspeção, avaliação de segurança e monitoração das barragens devem ser feitas mensalmente, com revisão anual de práticas e procedimentos. Em casos com risco elevado, a frequência deve aumentar para ações quinzenais ou semanais.

O especialista considera boa e tecnicamente bem embasada a lei atual que rege o funcionamento das barragens, a 12.334. “Mas falta fiscalização, que é ponto crucial em situações como a da Barragem do Fundão”, afirma. “O problema é a falta de observação pelas empresas e entidades responsáveis por aplicar a lei.”

Kochen acredita que o episódio da Samarco, no entanto, leve a um aprimoramento da fiscalização. “A lição que podemos tirar desta tragédia em Mariana é a de revisar as prioridades referentes à segurança das barragens no Brasil.”

Ele destaca que as barragens de minério são estruturas com muitas variáveis. Não há uma receita pronta de gestão dos seus riscos, já que cada mina tem processos diferentes de separação do mineral, estocagem dos rejeitos, de acordo com o tipo de minério, entre outros fatores.

“Todas as técnicas têm de ser avaliadas caso a caso”, diz Kochen. “Mas sem dúvida nenhuma é possível construir e operar barragens de rejeito com margem de segurança muito elevada, evitando-se tragédias como a de Mariana.”

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Custos, normas e prazos prejudicam gestão de risco em barragens

Dinésio Franco, especialista em barragens de minério.
Dinésio Franco, especialista em barragens de rejeitos..

A gestão de riscos de barragens de minérios sofre com uma série de complicadores que passam pelo custo que ela representa para a empresa, defasagem tecnológica, normas técnicas defasadas ou inexistentes e prazos de trabalho inadequados.

Dessa situação emergem as “más condições” de segurança das barragens de rejeitos existentes hoje no Brasil — são cerca de 800, só quadrilátero ferrífero de Minas Gerais — na análise do engenheiro Dinésio Franco, especialista neste setor e diretor da consultoria em engenharia e geotécnica em Belo Horizonte que leva seu nome. Ele trabalha no setor desde 1977.

Segundo Franco, a segurança das barragens não está ligada apenas a controlar sua operação; é preciso levar em conta o histórico completo da obra, que passa pela adequação do projeto, construção, operação e desativação.

Projeto

A norma que regula os projetos do setor — a NBR 13028 — precisa ser atualizada e ampliada periodicamente, avalia ele. Ela foi criada em 1993, quando Franco secretariou os trabalhos, e passou por revisão em 2006, quando ele coordenou essa atualização. Hoje está em processo de reanálise, a cargo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que deve ser concluído até abril do ano que vem, de acordo com o cronograma dos trabalhos.

Esse tipo de coisa é necessário, diz o especialista, para adequações, uma vez que no decorrer do tempo há mudanças, por exemplo, no clima , na qualidade dos rejeitos, nas ocupações humanas de áreas próximas à mineração e principalmente nos preços internacionais da commodity  —  fatores que  podem influenciar os projetos, construção e  operação das barragens.

O especialista, que faz parte do conselho que revisa a atual norma NBR13028, defende que nesse processo seja levado em consideração o evento na Barragem do Fundão, da Samarco, como forma de incorporar as informações relativas ao desastre à regulamentação. Segundo ele, no entanto, ainda não está decidido se isso será feito agora ou se ficará para depois. Ele aconselha uma pausa “para filosofar” sobre isso.

Franco considera que a qualidade dos projetos de barragens de rejeitos “têm sido muito prejudicada pela forma de licitação feita pelas grandes empresas, pelos prazos disponíveis para sua elaboração e pelos baixos preços praticados”. Situação que segundo ele atrai projetistas não totalmente habilitados para o setor ou faz com que os projetistas mais experientes não possam exercer a plenitude de sua capacidade.

Franco defende maior influência da área técnica nos processos de licitação das obras, participando desde o escopo da licitação até os julgamentos das propostas técnicas e comerciais.

“Hoje, o técnico solicita a obra e  o pessoal do suprimento convoca as empresas cadastradas, licita, julga as propostas e contrata. Tendo em vista a ausência da parte técnica, vai considerar todos igualmente habilitados. Certamente vai contratar daquele que oferecer melhores soluções comerciais”, afirmou.

Seria preciso, no entendimento dele,  participação técnica mais efetiva ao longo de todo o processo. “Uma barragem, que é uma estrutura que de modo geral agrega riscos, não pode ser considerada como um peça de reposição, ou como um item de consumo da operação.”

Construção

A construção das barragens, por sua vez, pode ser prejudicada por diferentes fatores inerentes da atividade de mineração, como gestão dos recursos orçamentários, época de construção, prazos concedidos, entre outros.

Segundo ele, questões administrativas — relativas aos prazos do orçamento anual, por exemplo — fazem com que seja quase um procedimento padrão a obra de construção de barragem de rejeitos tenha início junto com o período de chuvas da região, quando o ideal seria fazê-la em períodos secos.

“Barragens construídas em períodos chuvosos e sem acompanhamento técnico adequado, certamente serão barragens de qualidade questionável e de difícil controle e manutenção”, avalia o especialista. “Como obra que agrega riscos, tem de ter tratamento diferenciado. Tem de ser executada no momento mais adequado e com todos os recursos que a engenharia disponibiliza.”

A construção da barragem deve se submeter a controles normativos e de performance, que para serem bem feitos precisam ter passado por criterioso registro de alterações do projeto.

Dessa forma, eventuais intervenções corretivas de segurança podem ser aplicadas de forma mais eficaz. Mas as normas existentes, diz o engenheiro, se resumem a manuais de operação e as normas do órgãos oficiais, sem incluir muitas vezes o relatório conhecido como “as built” (conforme construído) pelos engenheiros.

“As operadoras das barragens não podem ficar esperando a fiscalização e se basear só nas normas”, afirma ele.

A desativação da barragem é outro ponto fundamental no gerenciamento de risco dessas estruturas, mas que se trata de um item “absolutamente desprezado nos projetos”, diz o engenheiro, tendo em vista que será um evento a acontecer somente no fechamento do empreendimento.

Vem de longe

Os problemas apontados pelo consultor não são novos. As barragens de mineração estão na berlinda desde fim dos anos 1960 e 1970 — quando três grandes acidentes (no Chile, Inglaterra e Estados Unidos) deixaram mais de 450 mortos.

Somente em 1970 — quando outros tipos de estruturas de barragens, para hidrelétricas, acumulação de água ou lazer,  já possuíam enorme bibliografia técnica —  o setor resolveu se reunir para discutir mais a fundo o assunto, no primeiro congresso internacional sobre as barragens de rejeitos, realizado nos Estados Unidos.

Esse histórico foi apresentado por Franco em seminário do setor no fim de 2014.

As obras voltadas à disposição de produtos industriais foram as últimas a receberem mais atenção de engenheiros e órgãos públicos, conta. Segundo o especialista, historicamente, o conhecimento sobre projeto, construção e controle foi aplicado melhor a outros tipos de barragens do que às de rejeitos para os empreendimentos de mineração.

Isso se deve ao fato de os demais tipos de barragem significarem investimento (que vai, portanto, gerar caixa, pela venda de água ou energia); já as de rejeito, representam custo.

“Certamente que o empenho em gastar e os cuidados necessários privilegiam os investimentos [barragens de água] e não os custos [barragens de rejeitos]”, afirma.

Mesmo que o tema esteja sendo discutido há anos, o setor de rejeitos ainda está atrás, em termos de desenvolvimento, dos demais tipos de barragem, diz Franco. “A defasagem tecnológica ainda existe hoje em dia. Mas acho que este evento [Samarco] vai ser motivo para mudanças nos procedimentos gerais.”

Tirar o atraso é importante. Em caso de rompimento, as barragens de rejeito geram danos mais graves do que as de água, já que incluem lama e produtos químicos.

Além disso, normalmente elas pertencem a um dono privado, cujas responsabilidades podem lhe ser diretamente atribuídas, avalia o consultor

Já os eventuais danos causados por rompimento de barragens de água desaparecem num período de tempo muito menor. E, normalmente, elas pertencem a órgão público, cuja nomeação de responsabilidades geralmente é mais capilarizada.

Discutir a relação

Ainda que haja riscos e que movimentos ambientalistas se posicionem contrariamente à construção de barragens, Franco afirma que ainda não existem alternativas disponíveis às funções a que se destinam, a saber: dispor resíduos de processos industriais (como mineração), gerar energia hidrelétrica, armazenar água para consumo irrigação ou diversão e criar espaços para mitigar os danos de enchentes.

O especialista alerta, no entanto, que acidentes e polêmicas sobre barragens são úteis para reforçar a necessidade de garantir a máxima segurança e o mínimo de risco, seja na construção ou na operação das mesmas.

“O negócio é cuidar direito”, afirma ele.

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Barragem de Mariana era do tipo mais barato e arriscado, diz especialista




Barragem de Mariana era do tipo mais barato e arriscado, diz especialista

Dinésio Franco, especialista em barragens de minério.
Dinésio Franco, engenheiro especialista em barragens.

A barragem da Samarco que rompeu em Mariana (MG) é de um tipo mais barato, mais rápido e mais fácil de construir, mas que embute mais riscos imponderáveis na sua operação, de acordo com o especialista em barragens de minério Dinésio Franco, que trabalha neste setor há 39 anos e é diretor de empresa mineira de projetos e consultoria que leva seu nome.

A metodologia de projeto e construção de barragens conhecida como “alteamento de montante” é usada numa minoria — cerca de 15% — das barragens de rejeitos em operação, calcula ele, tendo em vista que poucos rejeitos permitem o procedimento.

A estrutura pode apresentar problemas não facilmente identificáveis, afirma Franco. Dessa forma, portanto, o rompimento de forma surpreendente, sem sinais prévios, é um risco inerente a este tipo de barragem, diz o especialista, lembrando que ele é bastante utilizado no Chile.

Fora o caso da Samarco, outras barragens de rejeitos construídas com a metodologia já se romperam no quadrilátero ferrífero mineiro. Foram os casos das minas de Fernandinho, em 1986, de Rio Verde, em 2001, e de Herculano, em 2014. “Há restrições ao uso e são necessários muitos cuidados. A parte técnica tenta cercar todos os imponderáveis, mas há mais riscos”, disse ele em entrevista à Risco Seguro Brasil. “Depois dos revezes anteriores, esse acidente [da Samarco] é inadmissível.”

Levantamento obtido pelo jornal Folha de São Paulo, mostra que entre 1910 e 2010 em 40% dos 68 desastres graves com barragens que ocorreram no mundo as barragens eram do mesmo modelo do de Mariana.

Segundo Franco, a Samarco sempre foi exemplar na gestão da barragem, possuindo “equipe própria de qualidade inquestionável”, além de consultores especilistas. “A gestão é boa, mas houve falhas humanas. Não se pode atribuir o episódio a um ato de Deus. Não sei quais foram as falhas. Sem dúvida, acredito que a barragem estava sendo monitorada.”

De acordo com o engenheiro, os riscos imponderáveis ou de difícil detecção incluem, por exemplo, a variabilidade ou variação não mensurável de característica dos rejeitos, que são também materiais de construção, que por sua vez, tornam variável a eficiência da drenagem interna. “O rejeito de ferro possui argilas coloidais, que podem mudar a permeabilidade, a resistência, a forma de sedimentação, em resumo, podem mudar a permeabilidade e as características de resistência naquela estrutura.”

Nas barragens de concreto ou convencionais de terra é possível identificar problemas por meio visual ou de instrumentos diversos, tais como indicadores de níveis de água, piezômetros, marcos de recalques, entre outros. “Elas sempre mostram [os problemas] através de deformações, trincas, mudanças dos níveis internos”, diz Franco.

Momento de melhoria

Para o engenheiro, o desastre da Samarco vai resultar em melhorias na gestão das barragens. “Esse evento infeliz vai ser motivo para que as coisas mudem”, diz ele. “Acho muito esquisito esse negócio de que ‘há males que vêm pra bem’ — e neste caso  não cabia tanto mal —, mas a gestão de projetos, de obras, de operação devem melhorar, inclusive para o próprio Rio Doce”.

Segundo ele, o desastre foi “a pá de cal” no rio, que já vinha com um processo de deterioração. “Eram 210 municípios lançando seus esgotos e efluentes industriais em seu leito há décadas. Daqui para frente vai ser tratado com outro olhar, quem sabe até melhor que antes.”

Modelo construtivo

Franco explica que a barragem de “alteamento de montante” é feita construindo-se uma pequena barragem inicial convencional, lançando-se os rejeitos na bacia de acumulação que formam uma espécie de praia, sobre a qual se constroem pequenos maciços, com o próprio rejeito ou com outros materiais. Assim, vão sendo erguidos pequenos maciços  superpostos, até o limite considerado possível pelo projetista da estrutura. No final se tem uma série desses maciços (de mais ou menos cinco metros cada), como se fossem degraus, fazendo com que a estrutura seja mais uma um empilhamento do que uma barragem propriamente dita.

“As rupturas registradas no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais não deveriam entrar nos anais como ‘eventos de ruptura de barragens de rejeitos’, mas como eventos de ‘rupturas de pilhas de rejeitos’ não drenadas”, diz o consultor. “As estruturas de barragens estão sendo injustiçadas.”