Exposição da Andrade Gutierrez reforça prática de compliance efetivo
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- Oscar Röcker Netto
- 17 de maio de 2016
- Sem categoria
Pedido de desculpas, reconhecimento de erros e compromisso com programa que funcione foram exigências do juiz Sergio Moro

O “Pedido de Desculpas e Manifesto por um Brasil Melhor” feito pela Andrade Gutierrez, terceira maior construtora do país, nos principais jornais na semana passada deve ajudar a disseminar a necessidade de programas de compliance efetivos no mercado, na opinião de especialistas ouvidos por Risco Seguro Brasil.
O mea culpa público não foi uma iniciativa da companhia enrolada e exposta pela Lava Jato, mas uma exigência do juiz federal Sergio Moro, responsável pelos inquéritos da operação, para homologar o acordo de leniência.
A opinião dos especialistas vai ao encontro do que Moro vem pregando em relação à importância do que chama de “publicização” de empresas pegas em delito. Para ele, esse tipo de ação “terá efeitos importantes para prevenção de novos crimes tanto pela empresa como por terceiros”. O juiz também acredita que a transparência pode ajudar a construtora a recuperar sua imagem.
Por aí

Fernando Fleider e Wagner Giovanini, diretores, respectivamente, das consultorias ICTS Protiviti e da Compliance Total concordam com o que o juiz paranaense pensa neste episódio.
Fleider diz “ter certeza” de que o caso vai ajudar a convencer outras empresas sobre a importância de programas de compliance efetivos.
O acordo de leniência firmado com a Justiça traz outros fortes argumentos para reforçar a ideia. A empresa vai restituir R$ 1 bilhão aos cofres públicos (em 12 parcelas) e precisa contar tudo o que sabe sobre as irregularidades cometidas em contratos com a Petrobras, além dos ligados a obras da Copa do Mundo e com as estatais Valec e Eletronuclear.
Em troca, poderá participar de licitações com o poder público e terá algumas penas abrandadas. A Mendes Junior, outra grande construtora envolvida na Lava Jato, por exemplo, não fechou acordo, foi declarada inidônea e está impedida de assinar novos contratos com a administração pública — a grande cliente neste setor — por pelo menos dois anos.
“O acordo de leniência é muito benéfico”, afirma Giovanini. “A empresa reconhece o problema e traz novidades que permitem estender a investigação para que se possa remediar o problema. Mas elas precisam construir programas de compliance efetivos, capazes de detectar situações [erradas].”
Fleider reforça que o “efeito de contágio” tende a alertar outras companhias a não incorrer em desvios éticos. “Ao punir um, os outros entendem que não devem seguir esse caminho”, avalia.
No pedido de desculpas, a Andrade Gutierrez reconheceu ter cometido “graves erros” em suas operações e disse estar comprometida com um programa de compliance sério daqui para a frente — além disso, fez uma série de sugestões para melhorar os processos de obras públicas no país.
Com a Justiça e a opinião pública atentas, a seriedade do novo compliance pode reverter a desconfiança que paira sobre a construtora atualmente. Ela já dispunha há tempos de programa de integridade, que era apresentado como sendo embasado em 12 “princípios sólidos” a reger seus funcionários. Quando a Lava Jato trouxe à tona desvios em série, a solidez desfez-se no ar.
Ficou claro que a companhia desprezou uma regra que dez entre dez especialistas em compliance dizem ser vital para a efetividade do programa: o envolvimento do dono e da alta direção. Não era exatamente o que ocorria na Andrade Gutierrez. Tanto que o Ministério Público Federal pediu a condenação de 11 dos seus funcionários, incluindo o presidente e a cúpula, que foram presos.
Pelo que consta na homologação do acordo, Moro entendeu ser necessário ir ao detalhe técnico da operacionalização para reforçar a pressão sobre os controles internos. Ele indicou que a empresa precisa usar a norma ISO 19600, específica da área.
Os especialistas ouvidos por RSB vêem com bons olhos essa determinação, mas lembram que a ISO em questão não é a única régua para medir a efetividade e orientar um bom programa. “De qualquer forma, ter padrão, sempre é bom”, diz Fleider.
O que é efetividade?
Segundo Wagner Giovanini, que é ex-diretor de compliance da Siemens, a efetividade pode ser medida quando a empresa consegue descobrir ela própria desvios e combatê-los.
Isso, no entanto, ressalva ele, ainda não está disseminado ainda no Brasil. A Lava Jato mostrou que iniciativas de descobrir, punir e mitigar irregularidades nas companhias investigadas foram todas feitas por imposição externa, nunca fruto de trabalho interno de moralização.
O consultor afirma que boa parte das empresas que hoje informam dispor de compliance “mal sabem exatamente do que se trata”. Há uma tendência, diz, de acharem que elaborar um código de ética e aplicar outras medidas básicas resolve a situação. Não resolve, garante o consultor. “Esse tipo de coisa representa 1% de um programa efetivo”, afirma.
O grau de envolvimento dos funcionários — com os instrumentos apropriados — é que vai mostrar se o programa pegou ou não. Daí a importância, por exemplo, de canais de denúncia confiáveis e de processos internos para desenvolvimento de medidas contra os desvios. “O programa funciona quando todos se sentem à vontade para fazer denúncia de irregularidades”, diz. “Se teve delito e ninguém denunciou, o programa está errado.”
Dá pra melhorar
Como potencial de recuperação da imagem da Andrade Gutierrez, tanto Fleider quanto Giovanini lembram do caso da Siemens. Envolvida numa série de denúncias de pagamento de propina em vários países, a empresa dedicou-se a restaurar sua imagem de forma transparente, reconhecendo erros, contribuindo com autoridades ou alertando-as (como ocorreu no Brasil). Cerca de 200 pessoas, incluindo o presidente, foram demitidas no processo. Mas eles avaliam que a empresa recuperou boa parte da reputação abalada com o caso.
Giovanini diz que é impossível garantir que todos os funcionários, de qualquer empresa, seguirão sempre o caminho da retidão no trabalho. “Isso vale para todo mundo, da Venezuela à Noruega”, afirma. Um bom programa, defende o consultor, precisa influenciar o grupo de funcionários que é maioria nas corporações: aquele formado por pessoas que tendem a fazer as coisas certas, mas que se tiverem oportunidade podem cair em tentação. “É nesse grupo que o compliance tem de atuar”, afirma.
Para os outros dois tipos (minoritários) de funcionários os programas acabam não tendo muito impacto: são os que fazem sempre tudo certo e os que fazem sempre tudo errado — eticamente falando.
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