Chefe do compliance lida até com investidores na Andrade Gutierrez
- 19021 Visualizações
- Rodrigo Amaral, rodrigo@riscoseguro.com.br
- 18 de setembro de 2019
- Sem categoria
Como Chief Compliance Officer do grupo Andrade Gutierrez, Eduardo Staino trabalha na implementação de uma cultura ética de negócios. Entre outras funções, ele administra um canal de denúncias, instigando as boas práticas nos mais diferentes departamentos da empresa.
Sua rotina também inclui encontrar-se com instituições financeiras e investidores. Isso para tentar convencê-los de que a empresa, pega pela Operação Lava Jato, mudou suas práticas de negócios para melhor.
Em entrevista a Risco Seguro Brasil, Staino relatou os esforços feitos pela Andrade Gutierrez. Ele destaca que o principal objetivo é voltar a merecer a confiança de investidores e parceiros comerciais.
Entre os principais resultados obtidos nos cinco anos de implementação do programa de compliance, a empresa não hesita em incluir a renegociação de títulos da dívida. Os títulos, que venciam no ano passado, foram prorrogados até 2021.
Compliance e Lava Jato
“A Andrade começou a se preocupar com o tema do compliance ainda antes da Operação Lava Jato”, afirmou Staino.
Ele lembra que foi indicado para a chefia do que era então a Gerência de Compliance em outubro de 2014. A empresa decidiu seguir esse caminho movida pela então recente introdução da Lei Anticorrupção. A motivação foi acordos de governança assinados entre o Brasil e órgãos internacionais como a OCDE.
“Nossa missão era implementar o que havia de mais moderno e robusto em termos de compliance em um país que na época não conhecia muito sobre o tema,” disse.
Em junho do ano seguinte, a empresa caiu nas garras dos investigadores de Curitiba. Segundo Staino, o desdobramento, ainda que traumático e doloroso para a companhia, serviu como um catalisador para a implementação do programa.
“Euquipe”
A princípio, o departamento de Compliance era formado pelo que Staino define como uma “euquipe”. Ele era o único membro da gerência, atuando de forma subordinada à Diretoria Jurídica.
Hoje o departamento conta com 13 pessoas. Além disso, ganhou status de diretoria independente que responde ao Conselho de Administração.
“Se uma das áreas da companhia não se comportar bem, minha missão é ir diretamente ao conselho e reportar o que está passando”, disse ele.
A empresa hoje conta com uma certificação ISO 19600:2014. Com foco em compliance, fechou acordos de leniência para limpar seu nome, o mais recente com a Controladoria Geral da União (CGU).
Clientes
Do mesmo modo, programa de compliance visa mudar uma cultura empresarial que colocou a empresa em maus lençóis devido ao envolvimento em casos de corrupção. Seu faturamento hoje é de cerca de 20% do que era antes da Lava Jato.
Mas também é uma medida salutar do ponto-de-vista da administração financeira e operacional.
Staino observou que, cada vez mais, tanto clientes como instituições financeiras e investidores estão preocupados em saber se seus parceiros comerciais atuam de acordo com as melhores práticas empresariais.
No caso dos clientes, os grandes atores na área de infraestrutura que contratam construtoras como a Andrade Gutierrez têm um receio cada vez maior de acabar pelos motivos errados nas manchetes dos jornais.
Isso vale especialmente no caso dos clientes privados. Desde que Lava Jato estourou, a Andrade Gutierrez não tem trabalhado com clientes do setor público.
Investidores
Algo parecido ocorre com instituições financeiras e investidores. Depois dos sustos dos últimos anos, demonstram maior preocupação em saber melhor para quem estão confiando seu dinheiro.
“Ninguém empresta dinheiro para quem não confia”, disse Stainos. “E não só em termos de se vai pagar ou não, mas falando de reputação mesmo.”
Ele conta que trabalha em parceria com a área financeira do grupo para mostrar o que a empresa vem fazendo para melhorar seu compliance. Staino agora costuma participar de conversações com instituições financeiras e bondholders, tanto no Brasil quanto no exterior.
“A gente não quer apagar o passado”, afirmou. “Não temos orgulho do que aconteceu, mas temos orgulho do que estamos fazendo agora, e mostrar isso aos investidores é fundamental.”
Mas ele acredita que hoje o mercado já tem a percepção de que a AG virou a página. Portanto, ele evidencia que isso ficou claro na renegociação de títulos da dívida realizada no ano passado, quando títulos que venciam em 2018 foram prorrogados até 2021.
Governança
Uma das medidas apresentadas foi a melhoria da estrutura de governança da empresa. Na opinião de Staino, isso é fundamental para que o compliance tenha êxito.
Por exemplo, ele cita a implementação de um conselho executivo em que não há nenhum membro da família detentora do controle acionário da empresa.
Um Código de Ética foi elaborado e difundido por todo o grupo. A elaboração contou com a alta direção tomando a liderança na transmissão da mensagem, de acordo com o CCO.
A introdução do sistema SAP para gerir os pagamentos e outras tarefas do dia-a-dia, que ocorreu antes da criação da diretoria de compliance, também teve um efeito importante na hora de garantir que contratações e pagamentos são feitos de forma mais adequada.
Staino também ressaltou os processos de due diligence ,que agora fazem parte da contratação de parceiros e colaboradores. A prática inclui um robô com inteligência artificial para descobrir, de maneira automática, se algum candidato apresenta características não conformes às melhores práticas.
“Hoje fazemos uma avaliação inclusive de candidatos a vagas de trabalho”, observou.
Canal de denúncia
Vital para o programa foi a implementação de um canal de denúncias. O canal é gerido por uma empresa terceirizada.
Segundo Staino, ainda que o número de funcionários da Andrade Gutierrez tenha caído muito nos últimos anos, o volume de denúncias feitas através do canal aumentou significativamente.
“Não é porque a empresa achou mais problemas, mas porque os funcionários agora confiam nas ferramentas”, disse ele.
“Há agora uma cultura de revelar o que está errado. Desde coisas muito simples, como a qualidade da comida em uma obra, até coisas mais importantes como fraudes internas.”
Lições
Staino disse que uma das prioridades do seu departamento, além de continuar trabalhando na consolidação das boas práticas, é difundir a cultura do compliance para outras indústrias.
Uma das lições aprendidas até agora é que cada companhia precisa buscar as políticas que melhor se ajustam às suas características próprias.
“Não existe um jeito único de fazer compliance. Existe o jeito certo”, afirmou.
“É importante que as pessoas que conduzem a área de compliance entendam a cultura empresarial da empresa para aí sim definir a política de acordo com os riscos mapeados.”
No entanto, a Andrade Gutierrez também está tentando difundir a cultura do compliance junto a seus fornecedores, o que acarreta seus próprios desafios e exige algo de sensibilidade.
“Não é justo, até de um ponto de vista social, simplesmente dar as costas a fornecedores pequenos que não têm programas de compliance. Então estamos tentando ajudá-los a capacitar-se, a construir seus programas de compliance”, afirmou.
“Não se pode esperar que um fornecedor em uma cidade pequena do interior, que emprega quatro pessoas, tenha um canal de denúncias especializado. Contudo, pode ter uma lista de mandamentos de compliance colada na parede.”
Ele disse que a empresa está organizando workshops com parceiros comerciais. Além disso, a empresa também está preparando materiais sobre compliance para distribuir a seus fornecedores, que também são instados a aderir formalmente ao Código de Ética da empresa.
Confiança
Com as medidas tomadas até agora, Staino acredita que a Andrade Gutierrez avançou muito na recuperação da confiança do mercado. E também sua própria confiança de que pode trabalhar com quaisquer atores sem envolver-se em situações comprometedores.
Ele disse, por exemplo, que o grupo não exclui a possibilidade de voltar a realizar obras comissionadas pelo setor público. A prática criou os problemas que a afetaram tanto nos últimos anos.
“Estou absolutamente convicto que, independente de o outro lado ter ou não ter compromisso com o compliance, nós teremos”, observou o executivo.
“Se alguém do outro lado quiser conduzir o assunto de uma maneira que não se enquanto com o compliance, nós vamos agradecer e vamos embora.”
LEIA TAMBÉM
- Brasil 97
- Compliance 66
- Gestão de Risco 200
- Legislação 17
- Mercado 247
- Mundo 102
- Opinião 25
- Resseguro 105
- Riscos emergentes 10
- Seguro 198