Estigma do dedo-duro é obstáculo a programa de denúncia nas empresas
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- Rodrigo Amaral
- 4 de setembro de 2015
- Sem categoria
Dificuldades práticas e culturais são desafio a ser vencido; nos EUA, termo para quem faz denúncia tem carga menos negativa: “tocador de apito"
A implementação de um canal de denúncias eficiente enfrenta dificuldades práticas e até mesmo culturais que devem ser levados em consideração pelas empresas.
Entre os primeiros, está a garantia do anonimato dos denunciantes. Já o aspecto cultural se reflete na estigmatização da figura do denunciante na sociedade brasileira.
“O anonimato é um elemento importante para garantir o sucesso do canal de denúncias”, diz Cassiano Machado, sócio-diretor da ICTS Protiviti.
Os especialistas na área dizem que nem todos os denunciantes buscam o anonimato, mas a possibilidade de não ser identificado reduz os obstáculos à realização de uma denúncia.
”O anonimato deve ser oferecido”, afirma Wagner Giovanini, diretor da Compliance Total. “A experiência mostra que a maioria das denúncias (mais de 85%) são anônimas. Principalmente nos primeiros anos, as pessoas ficarão receosas de fazerem denúncias e serem identificadas. Quantas pessoas ligariam para reclamar de seus chefes sabendo que serão identificadas?”
Nos programas geridos pela ICTS, 70% das denúncias são anônimas, segundo Machado. Uma preocupação comumente expressada pelas empresas é que escudo do anonimato pode acabar motivando denúncias sem cabimento ou motivadas por vinganças pessoais ou outros motivos mesquinhos. Mas Machado diz que isso pode ser peneirado através do tratamento dado às informações recebidas.
“Anonimato não significa perda de qualidade da informação”, diz ele. “Por meio da interação como denunciante e da análise inicial que é feita ao se receber a denúncia permite recolher elementos que indicam se a denúncia de fato é relevante.”
Dedo-duro
Já o estigma de ser visto como dedo-duro pelos colegas de trabalho é um obstáculo considerável ao funcionamento de hotlines de denúncia, especialmente em um país como o Brasil, onde a figura do alcagueta é amplamente deplorada.
A miopia cultural foi ilustrada pela própria presidente Dilma Rousseff, quando afirmou que não respeitava denúncias feitas por delatores. Mas o caso da presidente também reflete a profundidade do problema, já que a figura do dedo-duro em tempos do regime militar era vilipendiada pelas pessoas que militavam pela volta da democracia.
Mas os especialistas acreditam que isto está mudando, em outro efeito salutar da Operação Lava Jato.
“A barreira mental existe, mas está cada vez mais perdendo força, até em um reflexo do contexto atual da nossa sociedade”, diz Machado. “As pessoas estão entendendo que sinalizar discordância com uma situação que elas consideram errada pode ser feito e gera retorno. A situação em que o próprio denunciante vê a si mesmo como um dedo-duro que está deslocado em relação às pessoas com quem convive está mudando.”
Por sua vez, Giovanini afirma que este é um ponto que deve ser abordado pela empresa na hora de explicar como funciona e a que se presta o canal de denúncias.
“Ninguém quer ser identificado como ‘dedo-duro’. Isso é verdade e precisa ser desmistificado desde o momento da implementação do canal”, afirma. “As campanhas iniciais e a comunicação regular precisam abordar esse tema de forma direta e positiva, com o intuito de esclarecer que o uso do canal não se configura em ‘dedurar’ alguém. Essa é uma obrigação do funcionário com a empresa que lhe paga o salário.”
“Além disso, não utilizar o canal de denúncia, caso saiba de algum desvio, pode colocá-lo como conivente ou participante desse desvio”, continua Giovanini. “Sem contar que essa atitude pode lhe imputar riscos às sanções previstas pela empresa, pois, numa investigação, a pessoa que não fez a denúncia pode ser confundida com os infratores.”
Incentivos
As barreiras à realização de denúncias podem levar empresas em considerar a possibilidade de oferecer incentivos a potenciais denunciantes.
Nos Estados Unidos, por exemplo, ganha força a ideia de se oferecer premiações em dinheiro para funcionários que soem o alarme para irregularidades que podem causar grandes prejuízos para a empresa.
A prática já é utilizada por atores externos, como a SEC, entidade reguladora dos mercados de capitais, que oferece recompensas a funcionários que denunciem irregularidades cometidas por suas próprias empresas.
Nos Estados Unidos, aliás, o papel do denunciante é de forma amenizado pela expressão utilizada para qualificá-lo, “whistleblower”, ou “tocador de apito” – algo bem menos carregado de conotações negativas do que o brasileiro “dedo-duro”.
No Brasil, porém, especialistas acreditam que as empresas podem utilizar o bem comum como um argumento potente a favor dos canais de denúncia.
“O incentivo à utilização dos canais devem ser amarrados à melhoria e o fortalecimento do ambiente de trabalho na organização”, afirma Machado.
“É preciso fazer a devida sensibilização para que se compreendam os benefícios advindos de um canal como esse. Além de prevenir, proteger a empresa e detectar desvios, essa iniciativa beneficia também as pessoas”, diz Giovanini.
“A identificação de desvios permite à empresa excluir ou demitir as pessoas que agem de má-fé, permitindo assim melhores condições para quem age com boa-fé (que normalmente, são a grande maioria). Há uma melhoria no ambiente de trabalho, uma redução dos riscos de penalização da empresa e, consequentemente, maior proteção do empregos dos funcionários, e contribui-se com a ética e integridade, refletindo inclusive na sociedade como um todo.”
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