Embalados por Lava Jato, canais de denúncias ganham força nas empresas
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- Rodrigo Amaral
- 4 de setembro de 2015
- Sem categoria
Especialistas alertam que sistema precisa precisa garantir confidencialidade e tratamento adequado aos casos.

Os danos legais, financeiros e de reputação causados a empresas brasileiras por suposto envolvimento em casos de corrupção estão levando um número cada vez maior de organizações a implementar canais de denúncias para o uso de funcionários e outros colaboradores.
Na ICTS Protiviti, consultoria especializada em gestão de riscos e compliance, o número de consultas sobre o tema em 2015 é 40% maior do que dois anos atrás, de acordo com a companhia. Outras empresas do setor também estão observando um significativo aumento no interesse pelos canais de denúncia.
As repercussões da Operação Lava Jato sobre a saúde financeira de algumas das maiores empresas brasileiras e cenas de altos dirigentes empresariais indo para a cadeia como resultado de irregularidades são alguns dos motivos por trás do crescimento, segundo especialistas.
“Os riscos são, de fato, enormes e isso vem chamando a atenção das empresas”, afirma Wagner Giovanini, diretor da consultoria Compliance Total, sediada em Porto Alegre.
“Diante desse cenário, houve um aumento significativo de empresas interessadas na construção de mecanismos de integridade, como forma de prevenção e proteção contra todos esses riscos. Como os canais de denúncias representam uma das ferramentas mais eficazes na detecção de ilicitudes dessa natureza e desvios de conduta em geral, a procura para a sua implementação também tem aumentado.”
Eficiência
Os canais de denúncia ganham força nas organizações porque se apresentam como a forma mais eficiente para uma empresa tomar conhecimento de atividades ilícitas ou comportamentos antiprofissionais por parte de funcionários e executivos.
Dados da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE), uma associação internacional de profissionais de combate às fraudes empresariais, mostram que mais de 40% das fraudes descobertas por empresas em todo o mundo são originadas de denúncias, metade das quais feitas por funcionários. Os dados da associação também indicam que empresas que possuem hotlines dedicadas especialmente às denúncias recebem um número bastante maior de informações do que as que não as possuem.
Além disso, a Lei Anticorrupção, ou Lei da Empresa Limpa, que entrou em vigor em janeiro de 2014, estabelece que a existência de tais canais é um requisito necessário para provar que uma empresa está fazendo todo o possível para reduzir o risco de acabar envolvida em um caso de corrupção.
Os mesmos canais de denúncia também podem ser disponibilizados para o relato não só de casos de corrupção, mas também de assédio no ambiente de trabalho, fraudes contábeis e outros temas que podem trazer sérias dores-de-cabeça para a companhia.
Soluções capengas
Os especialistas alertam, no entanto, que, para ser eficientes, os canais de denúncias precisam seguir uma série de requisitos que vão muito além da criação de uma linha telefônica dedicada ao tema.
Por exemplo, a visão paternalista vigente em muitas empresas, especialmente as familiares, de que os funcionários devem confiar nos chefes e procurá-los sempre que houver necessidade não incentiva os funcionários a reportar irregularidades.
“A empresa deve assegurar total confidencialidade no tratamento das informações”, afirma Giovanini. “Portanto, qualquer possibilidade de identificação do manifestante deve ser eliminada. Por exemplo, é totalmente não recomendável manter um telefone na mesa de um diretor para receber denúncias, pois isso pode gerar a dúvida que o número de quem discou será rastreável ou poderá haver reconhecimento da voz.”
Também não vale ser mão-de-vaca e tentar cumprir os requisitos da lei com soluções capengas.
“Há empresas que montam ‘caixinhas’ pelas fábricas, restaurante e recepção, esperando que funcionários a utilizem para fazer denúncias”, diz Giovanini. “Isso não funciona. Perde-se rapidamente a credibilidade e acaba promovendo a cultura de ‘fazer só para inglês ver’.”
De fato, cada vez mais se consolida a ideia de que os canais de denúncia devem ser administrados por entidades terceirizadas. Por exemplo, em uma contribuição a um fórum da Harvard Law School sobre o tema publicado no ano passado, o advogado americano Bill Libt observa que os empregados tendem a confiar mais em hotlines administradas independentemente do que do que naquelas manejadas pela própria companhia.
Hotlines
As chamadas hotlines constituem justamente as principais ferramentas utilizadas pelos canais de denúncia implementadas por empresas.
Elas podem ser disponibilizadas tanto por telefone quanto por meio do site da empresa (clique aqui para ver um exemplo de hotline em um website empresarial).
Para funcionar, porém, o hotline precisa ser claramente identificado, e suas funções, explicadas com clareza a funcionários, clientes e fornecedores. “É importante que o sistema não se confunda com outros canais que a empresa possui, como o de atendimento ao cliente”, afirma Cassiano Machado, sócio-diretor da consultoria paulistana ICTS Protiviti.
“É crucial para o sucesso que a empresa faça uma ampla comunicação e sensibilização, enfatizando cada um dos tópicos acima e dando a todos os caminhos possíveis para que as pessoas possam fazer suas manifestações”, diz Giovanini. “Os públicos com acesso não devem ser somente os funcionários. Isso deve estar aberto aos fornecedores, parceiros comerciais, clientes e sociedade em geral.”
Além disso, deve dar o menos trabalho possível para o denunciante, diz Machado, a fim de não criar obstáculos extras à execução de uma decisão que muitas vezes não é fácil de ser tomada.
“A maneira de registro da denúncia deve ser simples e facilitada”, explica. É por esse motivo que um endereço de e-mail dedicado a receber denúncias não funciona, pois, para garantir seu anonimato, o denunciante necessitaria antes criar um e-mail falso para enviar a informação.
Uma linha 0800, que não implica custos para o denunciante, e um formulário online são portanto as duas maneiras mais indicadas para implementar o canal.
“O canal deve estar à disposição 24 horas por dia e 7 dias por semana, pois na prática mais da metade das denúncias são feitas fora do horário de expediente”, diz Giovanini. “Algumas estatísticas apontam números na casa dos 60%.”
Consequente
Depois que o canal está aberto, a empresa precisa lidar com as denúncias recebidas. Mais do que isso, é necessário deixar claro que elas estão sendo levadas a sério.
De um ponto-de-vista mais prático, a empresa deve oferecer uma maneira de o denunciante seguir o desenvolvimento do caso sem comprometer sua confidencialidade.
“O registro da denúncia deve gerar um número de protocolo para o denunciante”, diz Machado. “Com esse número, ele consegue acompanhar o status da apuração da denúncia. Ele pode saber se a empresa precisa de mais informações dele ou se a apuração foi finalizada.”
A empresa também precisa se comprometer formalmente, por meio por exemplo de seu código de ética, de que as denúncias serão tratadas com a devida seriedade.
“Deve haver um compromisso da empresa em apurar 100% das denúncias”, diz Giovanini. “Com isso, jamais alguém pode ter acesso ao sistema e ter a possibilidade de apagar alguma manifestação. Então, segue mais uma recomendação fundamental: um canal de denúncia externo e profissional representa a melhor solução.”
“Adicionalmente, a empresa deve se comprometer em, uma vez apurada e confirmada uma denúncia, haverá consequência, independentemente do nível hierárquico do envolvido”, continua o especialista. “A credibilidade do canal será construída paulatinamente. Se as pessoas tiverem a percepção de que a empresa não atua como deveria, certamente, esse canal cairá em desuso.”
Melhor de tudo é que os funcionários sejam capazes de ver os resultados positivos das denúncias, quando elas de fato têm fundamento. O afastamento de um assediador ou fraudador, a mudança de comportamento de um chefe grosseiro ou a interrupção de atividades de legalidade duvidosa são alguns exemplos de resultados concertos de um canal de denúncias.
Ouvido amigo e preparado
Um tema importante é quem vai receber a denúncia e manter contato com os denunciantes, especialmente quando eles exigem anonimato.
Empresas prestadoras de serviço na área empregam profissionais com nível superior e que passam por treinamento especial para estar no outro lado da linha telefônica. Muitos dos profissionais são formados em psicologia, e advogados prestam assessoria na avaliação das denúncias recebidas.
Os canais de denúncia também têm repercussões legais, especialmente no que diz respeito ao direito à privacidade de denunciantes e denunciados. Um complicador especialmente para companhias com atuação no exterior e que implementam seu programa de forma global.
Na França, diz Machado, denúncias anônimas só são válidas perante a lei quando se referem a questões contábeis da empresa. Para denunciar o comportamento de um colega ou chefe, é necessário que o denunciante se identifique. A legislação de proteção de dados pessoais é especialmente estrita em lugares como a União Européia e exigem cuidado em dobro na hora de manejar as informações.
Machado explica que o treinamento dos atendentes também visa a desenvolver habilidades de interação que ajudam a estabelecer o grau de credibilidade da denúncia, por exemplo determinando o nível de conhecimento real que o denunciante possui sobre o fato. Uma coisa é a pessoa ter presenciado uma irregularidade pessoalmente; outra é ter ouvido falar do caso por uma terceira fonte.
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