Como o risco-família pode acabar com o negócio
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- Oscar Röcker Netto
- 12 de janeiro de 2016
- Sem categoria
Especialistas afirmam que é necessário encarar de frente o problema, que segue sendo um tabu em muitas empresas
Tomando um conceito simplificado, considere risco como toda ameaça à manutenção e desenvolvimento dos negócios de uma empresa. Agora, imagine que um desses riscos envolve relações consanguíneas nas quais muitas vezes estão presentes questões mais ligadas ao universo da psicologia do que ao da boa administração. Multiplique esse potencial pelo número de herdeiros em uma determinada companhia — facilmente pode chegar a mais de 30 — quando os fundadores se vão.
No mundo corporativo, o risco-família é uma sombra que permanentemente ameaça a competitividade ou o valor da empresa e não raramente sua própria sobrevivência. E uma sombra que cresce a cada nascimento ou casório.
Apesar do histórico da área, ainda é considerado tabu em muitas companhias. Mexer com as coisas do chefe (ou de um dos chefes), na maioria das vezes, é tarefa complicada — mesmo que ele só apareça esporadicamente na empresa.
Se por um lado pode ser difícil conciliar dois primos que não se bicam desde os 8 anos ou lidar com o filho do dono que insiste em ter um “cargão” na empresa mesmo tendo largado a escola no segundo grau, por outro, há instrumentos que, se bem usados, ajudam a mitigar o risco e dificultar o aparecimento de problemas nessa área — é a clássica “gestão profissional do negócio”.
Investir nessa linha vale a pena; os benefícios são infinitamente superiores à trabalheira envolvida, dizem os especialistas.
Bomba atômica
“O dano causado pelo risco-família pode ser total”, diz Robert Juenemann, diretor de um escritório especializado em direito empresarial e familiar e também conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). “Não porque o produto da empresa não era bom, mas porque as relações entre os sócios e familiares acabou levando a uma desagregação.”
Ignorado ou tratado de forma inadequada, este tipo de risco ameaça diretamente a eficiência da administração no dia a dia, e pode também abalar o valor e o patrimônio da organização — por consequência direta, o quinhão a que os próprios herdeiros têm direito. Algo muito próximo de dar um “tiro no próprio pé”.
O problema ganha contornos mais complexos no momento da sucessão, que em casos mais graves pode virar guerra aberta entre parentes, com disputas judiciais que se arrastam por décadas. (Veja casos recentes das Casas Pernambucanas, Odebrecht, Dudalina e Schincariol.)
Conflito de interesses
Para Nijalma Cyreno, advogado especialista em direito empresarial do escritório Pellon & Associados, juntar parentes debaixo do mesmo organograma produz mais problemas do que os que são enfrentados pelas organizações onde não existe primo, irmão, cunhado, tio, pai, mãe, marido ou esposa se encontrando no cafezinho.
“Uma empresa familiar tem mais potencial de gerar riscos do que empresas de gestão profissional”, resume. “Não raro, há abusos entre o melhor interesse da empresa e o da família.”
Segundo ele, esse conflito pode, por exemplo, postergar um investimento necessário em alguma área importante para a empresa, canalizando recursos para interesses familiares. Basta que os familiares na administração não estabeleçam adequadamente as prioridades.
“Esse é um tópico fundamental e fruto de muitos riscos: fiscais, trabalhistas, regulatórios, ambientais… Tem-se uma falta de disciplina sobre a destinação dos lucros e do desempenho dos vários setores da organização.”
Ele lembra que empresas profissionais dispõem de uma série de controles e governança, como comitê de auditoria, de risco, conselho de administração, conselho fiscal etc. Nas empresas familiares, quando esses controles existem, eles são com frequência ineficientes.
“Costumam ser pouco exigidos. A palavra que se impõe é a vontade da família, que nem sempre é do melhor interesse para a empresa.”
Isso resulta em processos decisórios mais morosos e gestão precária, diz Cyreno.
Encarar o problema logo
Mas qual a melhor forma, afinal, de lidar com o risco-família? Como tudo que dá muito trabalho, não há uma receita pronta.
Para Juenemann, o melhor para o negócio é encarar o desafio o mais cedo possível dentro da organização e deixar a relação entre os sócios documentada de forma clara.
Este desafio se traduz, de acordo com os especialistas, em profissionalizar a administração, com a contratação de gestores profissionais e/ou preparação adequada dos familiares que irão trabalhar na empresa. Além disso, é preciso criar os mecanismos que estabeleçam claramente o modelo de participação dos parentes na companhia — o programa de governança.
Há uma infinidade de questões a serem respondidas. Os parentes dos sócios poderão trabalhar na empresa? E os cônjuges? E os segundos cônjuges? Enteado entra?
Como será o processo de inserção dos parentes na administração? Não é melhor estabelecer pré-requisitos obrigatórios para determinados casos? E a remuneração, vai seguir o mercado ou incluirá um extra?
Como será feita a escolha dos administradores? E a sucessão, quando o fundador sair de cena? Como será a divisão de dividendos? O presidente do Conselho de Administração será da família? Não é melhor uma pessoa do mercado?
Definir critérios para lidar com essas situações, entre outras, tende a ser fundamental para a longevidade da organização. “É importante tratar desse assunto quando as coisas estão bem na empresa”, diz Juenemann. “Porque quando as coisas já não estão bem fica muito mais difícil.”
Entenda-se por “estar bem” aquela fase na qual os problemas ainda não geraram cismas muitas vezes complicados de remendar.
Segundo ele, em boa parte dos casos, o primeiro passo para encarar o risco-família é deixar claro para todo mundo que a empresa é familiar. “Pode parecer até ridículo, mas muitas vezes o pessoal não se dá conta disso. Mas há três ou quatro sócios, com as respectivas famílias… É preciso entender e separar o que é da família e o que é do negócio.”
Lucros
Ao contrário do que possa parecer, promover a profissionalização da gestão não significa negar poder à família que criou o negócio. Segundo Cyreno, é justamente o contrário. “Defender o interesse da empresa vai resultar em mais benefícios para os donos.”
Ele lembra que, à medida que o negócio cresce e se multiplicam os parentes envolvidos, abre-se espaço para situações cada vez mais heterogêneas. “Há os parentes que não querem saber de nada, mas há também aqueles que fazem questão de participar ativamente.”
O melhor dos mundos, diz ele, é quando os parentes interessados se preparam para assumir as funções, com educação formal, e mergulham de fato no dia a dia da companhia, ganhando seu espaço mais por competência e dedicação e menos pelo sobrenome.
De forma geral, no entanto, a gestão deve ser feita, preferencialmente, por alguém do mercado, com capacidade técnica comprovada. “Obviamente tem de ser alguém de confiança da família, mas tem de ter currículo para conduzir os negócios”, afirma. “E tem de se estabelecer os limites até onde a família pode definir os destinos da empresa e até onde as decisões de caráter gerencial podem ser tomadas.”
Mesmo sistema
De acordo com Juenemann, é importante que se estabeleçam critérios claros e “porta de entrada e de saída” para cada assunto da administração familiar, ou seja, formas de tratá-lo quando aparecerem e formas também de solucioná-lo.
Segundo ele, o modelo de governança deverá ser desenvolvido de acordo com as características de cada empresa e família.
“É preciso criar uma convergência sobre aquilo que é comum aos sócios”, diz Juenemann. “E que o programa de governança reflita a cultura da empresa. Não dá pra dizer ‘vai por aqui’; é preciso ver o melhor caminho que pode ser feito naquela companhia.”
Ele conlcui: “Às vezes, uma questão que parece ser muito complicada acaba sendo a melhor solução.”
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