Luta contra corrupção põe foco em parceiro seguro
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- Rodrigo Amaral
- 21 de setembro de 2016
- Sem categoria
Especialistas alertam que empresa pode responder por atos ilícitos de stakeholders, como representantes comerciais ou até clientes
Diga-me com quem trabalhas, e eu te direi quão íntegro és. Essa variação da famosa expressão bíblica tende a ser cada vez mais aplicada às empresas brasileiras, caso as autoridades sigam dando ênfase ao combate à corrupção.
Isso porque a recente introdução da Lei da Empresa Limpa, ou Lei Anticorrupção, e outros avanços legislativos estão tornando as corporações responsáveis não só pela lisura de suas próprias atividades, mas também pela integridade de seus parceiros comerciais, clientes e outros stakeholders.
Como resultado, especialistas na área de compliance têm destacado a importância crescente do due diligence, ou análise detalhada das práticas de negócio dos parceiros pelas corporações. Empresas multinacionais foram alertadas que os riscos de trabalhar com parceiros que têm práticas duvidosas no Brasil podem trazer consequências “catastróficas” para elas.
Por outro lado, esse interesse forçado pelo compliance de parceiros comerciais pode se tornar um forte impulsor das políticas de integridade, que ainda engatinham na cultura de negócios nacional.
A recomendação de consultores é que a atenção com as práticas comerciais de parceiros deve ser generalizada, não importando o tamanho, origem ou reputação das empresas em questão.
“Não discrimine as empresas em razão de seu tamanho. Seja grande, média ou pequena, a empresa precisa ser avaliada”, diz a advogada Sylvia Urquiza, presidente do think tank Instituto Compliance Brasil. Na realidade, grandes empresas muitas vezes têm mais dificuldades para implementar seus programas de compliance que as menores – como ficou claro no caso da Petrobras e das grandes empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato.
Mesmo multinacionais que possuem sólidas estruturas globais de integridade apresentam risco, segundo Urquiza, já que frequentemente elas não realizam um trabalho detalhado de adaptação de seus programas às peculiaridades do mercado e da legislação brasileiras.
Muitas vezes os funcionários recebem orientações equivocadas, por exemplo, ao ser informados que pagamentos de “facilitação” de negócios podem ser aceitáveis, o que é verdade nos Estados Unidos, mas não no Brasil.
Representantes comerciais
Urquiza observa, por exemplo, que um dos principais focos de risco para as empresas que proveem bens ou serviços ao setor público é o trabalho dos representantes comerciais.
Especialistas notam que se tornou comum no Brasil utilizar representantes comerciais para fazer o “trabalho sujo” sem ter que se molhar no processo. Em uma licitação pública ganha por meio de propina, a empresa fornecedora do produto ou serviço não faz diretamente o pagamento ilícito, já que o participante no processo é o representante comercial.
Para compensar este representante, tornou-se comum conceder a ele descontos compatíveis com o pagamento da propina. Dessa maneira, caso a irregularidade se torne pública, a empresa pode argumentar que não tinha relação direta com o agente público corrompido.
Com a Lei da Empresa Limpa, este tipo de tática já não funciona mais, afirmam os especialistas.
Responsabilidade solidária
Urquiza diz que hoje este tipo de estrutura levanta vários problemas. Para começar dar um tratamento diferenciado a um representante comercial pode ser visto como ilegal, já que muitas vezes o distribuidor não preenche requisitos de negócio objetivos que justifiquem a concessão de incentivos diferenciados por parte da empresa.
“É preciso ter requisitos objetivos para as políticas de descontos para os representantes comerciais”, recomenda a advogada.
Além disso, a empresa pode acabar vendo seu nome relacionado a casos de corrupção como corresponsável pelos atos de seus parceiros.
Wagner Giovanini, diretor técnico da Compliance Total, observa que, no que diz respeito à responsabilidade solidária, a lei brasileira vai além do que é estabelecido pelas legislações de referência na área de combate à corrupção, como o FCPA americano.
“A lei americana fala do tratamento de ‘third parties’, ou terceiros que agem em nome da contratante. Mas a lei brasileira fala em ‘todos os fornecedores’, o que implica uma abrangência muito maior”, alerta Giovanini.
Uma dor de cabeça em potencial que pode ser evitada com algo mais de capricho na hora de avaliar com quem a empresa está lidando.
“Sempre há empresas de terceiros envolvidas em casos de corrupção no Brasil, e muitas vezes elas não passam de empresas de papel”, diz Urquiza. “Uma análise simples do cadastro de empresas já bastaria para fazer um filtro inicial. Já houve casos em que colocamos o endereço da empresa no Google Earth, e a suposta sede estava localizada no meio do mato.”
Efeito cascata
A ampliação do leque de responsabilidades cria desafios imediatos para as empresas, mas pode ter efeitos positivos para a economia no longo prazo.
Analistas afirmam por exemplo que as grandes corporações e empresas estatais, que tendem a estar mais na mira dos investigadores do que seus pares de menor porte, vão se sentir cada vez forçadas a buscar parceiros íntegros a fim de evitar problemas por associação.
Isso implica verificar seus programas de compliance e práticas comerciais a fundo, cortando relações com fornecedores e clientes que apresentam maior risco. Para não perder negócio, portanto, empresas menores terão um incentivo extra para aperfeiçoar seus modelos de negócio.
“As grandes empresas têm o poder de exercer uma influência positiva sobre sua cadeia de suprimento e seus clientes”, diz Jefferson Kiyohara, líder da prática de Riscos e Compliance na consultoria ICTS.
“Se elas começarem a exigir a implementação de um programa de compliance efetivo, verificado por uma auditoria independente, um mercado mais transparente começa a se desenvolver.”
Isso deve levar um número crescente de companhias a buscar certificações independentes de seus programas de integridade, como as conferidas pela associação suíça ISO ou o selo Pro-Ética, emitido pelo Ministério da Transparência (antiga Controladoria Geral da União).
A pressão pode chegar à parte mais sensível do organismo das empresas, ou seja, as suas contas bancárias. Na opinião de Giovanini, os bancos privados vão exigir com maior insistência que as empresas tenham programas de compliance sólidos antes de lhes conceder empréstimos. Algo do gênero já está acontecendo no BNDES, afirma o consultor.
A exigência faz sentido porque a Operação Lava Jato e outros casos recentes mostraram que empresas que correm o risco de sofrer investigações sobre corrupção também representam um considerável risco de calote. Vários grupos envolvidos nas investigações estão em recuperação judicial ou tentam se desfazer de ativos para evitar a falência.
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