Empresas enfrentam falta de mão de obra qualificada para compliance
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- Rodrigo Amaral
- 20 de setembro de 2016
- Sem categoria
Atividade vive forte crescimento no Brasil, mas para muitos empresários "a ficha ainda não caiu", avalia consultor
A demanda por programas de compliance está em forte alta no Brasil, mas há pouca gente qualificada para chefiar sua implementação nas empresas, segundo especialistas.
De acordo com eles, a escassez de mão de obra especializada é apenas um dos obstáculos ao desenvolvimento dos sistemas de integridade empresarial no país. Outros problemas incluem a mentalidade de muitos empresários que ainda não acordaram para a importância do compliance, a crise econômica e a falta de medidas previstas em lei para premiar as empresas que decidam fazer a coisa certa.
“Está havendo uma maior procura por programas de compliance, mas ainda não é a que a gente esperava”, disse Wagner Giovanini, diretor técnico da consultoria Compliance Total. “As empresas precisam se preocupar mais com o tema do que estão se preocupando hoje.”
“Para os empresários de médio porte, e mesmo para muitos de grande porte, ainda não caiu a ficha sobre os riscos que a empresa corre, e o quão positivo é implementar um programa de integridade”, acrescentou Giovanini, segundo quem sua empresa tem observado um grande aumento de consultas sobre o tema.
“Com o Brasil em crise, vários ramos do Direito estão avançando devagar, mas o de compliance está aceleradíssimo”, disse a advogada Sylvia Urquiza, que é presidente do Instituto Compliance Brasil, um think tank.
Mão de obra
No entanto, um efeito colateral da demanda criada pela repercussão da Operação Lava Jato, a aprovação da Lei da Empresa Limpa e outros fatores é que as empresas estão tendo dificuldades para contratar profissionais com a capacidade de implementar um programa de compliance.
“As empresas esbarram sempre em uma mesma questão: não há gente qualificada no mercado para ocupar o cargo de compliance officer”, disse Urquiza.
As faculdades vêm entregando ao mercado novas fornadas de profissionais com formação em compliance e cursos relacionados. Mas um programa de compliance requer funcionários que, além do treinamento específico na área, tenham experiência profissional suficiente para que façam frente até mesmo aos mais altos executivos da empresa, caso sejam identificadas não conformidades.
Muitas empresas, entretanto, acabam tendo que contratar jovens recém-formados, que aceitam trabalhar por salários modestos, mas sofrem com a falta de cancha na hora de bater de frente com os outros setores da organização.
“Há uma escassez no Brasil, e não só aqui, de profissionais que conhecem o tema e sabem como fazer isso na prática”, disse Giovanini.
“Há uma quantidade grande de pessoas que acham que conhecem o tema, que conhecem aspectos da legislação ou os assuntos teóricos, mas o grande problema é a prática. Como resultado, muitas vezes a empresa acaba se burocratizando, ao invés de criar um ambiente propício para que a ética de fato reine no seu dia-a-dia.”
Urquiza afirma que o compliance officer precisa reivindicar total autonomia para poder fazer o seu trabalho, inclusive para discutir ordens do presidente da empresa.
No caso de contratar profissionais recém-formados para chefiar o compliance, disse ela, é necessário cercar-lhe de assessores com experiência e conhecimento do mercado, pelo menos no princípio.
“Não há pessoas qualificadas em número suficiente para as vagas que estão abertas no mercado”, resume Urquiza. “E muitas empresas querem gastar pouco com a área porque ainda não entendem compliance como um investimento, como algo que vai fazer parte da vida da empresa para sempre.”
Custos
De fato, um programa de compliance tem seus custos, o que se torna um problema em momento de forte crise econômica.
“Implementar um programa de compliance não é barato”, disse Giovanini. “E, na atual conjuntura, muitas empresas estão relutantes em fazer este investimento.”
Os custos se refletem no trabalho de diagnóstico das necessidades da empresa e implementação de medidas práticas, como a criação e manutenção de canais de denúncias eficientes, que requerem pesado investimento em horas de trabalho de empregados e consultores.
A relutância em investir pode ser potencializada pelo ceticismo da alta direção da empresa com relação à utilidade e necessidade de gastar com compliance. De fato, a Operação Lava Jato tem mostrado que os conselhos de muitas grandes empresas brasileiras não passaram do discurso no que diz respeito ao tema.
“Um dos requisitos de um programa de compliance efetivo é que a alta direção esteja comprometida com a ética e o respeito às normas”, afirmou Jefferson Kyohara, líder da prática de Compliance da consutoria ICTS.
Incentivos
Para muitas empresas, também pode não estar bem clara a vantagem entre ter um programa de compliance.
Por exemplo, o programa pode revelar irregularidades que gerarão dores de cabeça à empresa, caso elas sejam reportadas às autoridades.
A Lei da Empresa Limpa prevê que a existência de um programa de compliance pode servir de atenuante em um caso de corrupção, pois indica que a empresa fez todos os esforços possíveis para evitar irregularidades, e os funcionários envolvidos as cometeram por sua própria iniciativa. Isso pode facilitar ou viabilizar acordos de delação que reduzam a punição sofrida pela organização.
Mas os especialistas notam que, uma vez reportada a irregularidade, a companhia precisa lidar com as consequências legais do caso, o que pode significar a abertura de processos por vários órgãos de governo. Urquiza lembra, por exemplo, o caso de uma multinacional que, alguns anos atrás, tomou a iniciativa de denunciar uma irregularidade cometida por um funcionário e acabou tendo que negociar com 16 órgãos do poder público para fechar o caso.
Portanto, o compliance ainda tem um longo trajeto pela frente, mas é preciso lembrar que faz muito pouco tempo que o setor empresarial leva o tema realmente a sério no país. E um dos catalisadores foi justamente uma lei editada há três anos que impõe obrigações mais rigorosas às empresas brasileiras do que legislações similares em países com mais tradição na área, como o FCPA dos Estados Unidos.
Por exemplo, a Lei da Empresa Limpa faz com que as empresas tenham que não só evitar irregularidades, mas deixar claro para todo mundo que estão no bom caminho. “A lei brasileira implica que, se você é íntegro, você certamente está cumprindo a lei. Mas, se você está cumprindo a lei, isso não quer dizer que você é íntegro,” disse Giovanini.
“Estamos saindo de uma situação, nestes últimos anos, em que praticamente não havia nada em termos de compliance, para uma em que é preciso ter tudo em relação a ética e integridade”, continuou o especialista. “Isso não se faz da noite para o dia.”
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