Custos, normas e prazos prejudicam gestão de risco em barragens
- 2270 Visualizações
- Oscar Röcker Netto
- 7 de dezembro de 2015
- Sem categoria
Segundo consultor, muitas vezes decisão comercial fala mais alto do que parte técnica, que deveria ter envolvimento mais profundo
A gestão de riscos de barragens de minérios sofre com uma série de complicadores que passam pelo custo que ela representa para a empresa, defasagem tecnológica, normas técnicas defasadas ou inexistentes e prazos de trabalho inadequados.
Dessa situação emergem as “más condições” de segurança das barragens de rejeitos existentes hoje no Brasil — são cerca de 800, só quadrilátero ferrífero de Minas Gerais — na análise do engenheiro Dinésio Franco, especialista neste setor e diretor da consultoria em engenharia e geotécnica em Belo Horizonte que leva seu nome. Ele trabalha no setor desde 1977.
Segundo Franco, a segurança das barragens não está ligada apenas a controlar sua operação; é preciso levar em conta o histórico completo da obra, que passa pela adequação do projeto, construção, operação e desativação.
Projeto
A norma que regula os projetos do setor — a NBR 13028 — precisa ser atualizada e ampliada periodicamente, avalia ele. Ela foi criada em 1993, quando Franco secretariou os trabalhos, e passou por revisão em 2006, quando ele coordenou essa atualização. Hoje está em processo de reanálise, a cargo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que deve ser concluído até abril do ano que vem, de acordo com o cronograma dos trabalhos.
Esse tipo de coisa é necessário, diz o especialista, para adequações, uma vez que no decorrer do tempo há mudanças, por exemplo, no clima , na qualidade dos rejeitos, nas ocupações humanas de áreas próximas à mineração e principalmente nos preços internacionais da commodity — fatores que podem influenciar os projetos, construção e operação das barragens.
O especialista, que faz parte do conselho que revisa a atual norma NBR13028, defende que nesse processo seja levado em consideração o evento na Barragem do Fundão, da Samarco, como forma de incorporar as informações relativas ao desastre à regulamentação. Segundo ele, no entanto, ainda não está decidido se isso será feito agora ou se ficará para depois. Ele aconselha uma pausa “para filosofar” sobre isso.
Franco considera que a qualidade dos projetos de barragens de rejeitos “têm sido muito prejudicada pela forma de licitação feita pelas grandes empresas, pelos prazos disponíveis para sua elaboração e pelos baixos preços praticados”. Situação que segundo ele atrai projetistas não totalmente habilitados para o setor ou faz com que os projetistas mais experientes não possam exercer a plenitude de sua capacidade.
Franco defende maior influência da área técnica nos processos de licitação das obras, participando desde o escopo da licitação até os julgamentos das propostas técnicas e comerciais.
“Hoje, o técnico solicita a obra e o pessoal do suprimento convoca as empresas cadastradas, licita, julga as propostas e contrata. Tendo em vista a ausência da parte técnica, vai considerar todos igualmente habilitados. Certamente vai contratar daquele que oferecer melhores soluções comerciais”, afirmou.
Seria preciso, no entendimento dele, participação técnica mais efetiva ao longo de todo o processo. “Uma barragem, que é uma estrutura que de modo geral agrega riscos, não pode ser considerada como um peça de reposição, ou como um item de consumo da operação.”
Construção
A construção das barragens, por sua vez, pode ser prejudicada por diferentes fatores inerentes da atividade de mineração, como gestão dos recursos orçamentários, época de construção, prazos concedidos, entre outros.
Segundo ele, questões administrativas — relativas aos prazos do orçamento anual, por exemplo — fazem com que seja quase um procedimento padrão a obra de construção de barragem de rejeitos tenha início junto com o período de chuvas da região, quando o ideal seria fazê-la em períodos secos.
“Barragens construídas em períodos chuvosos e sem acompanhamento técnico adequado, certamente serão barragens de qualidade questionável e de difícil controle e manutenção”, avalia o especialista. “Como obra que agrega riscos, tem de ter tratamento diferenciado. Tem de ser executada no momento mais adequado e com todos os recursos que a engenharia disponibiliza.”
A construção da barragem deve se submeter a controles normativos e de performance, que para serem bem feitos precisam ter passado por criterioso registro de alterações do projeto.
Dessa forma, eventuais intervenções corretivas de segurança podem ser aplicadas de forma mais eficaz. Mas as normas existentes, diz o engenheiro, se resumem a manuais de operação e as normas do órgãos oficiais, sem incluir muitas vezes o relatório conhecido como “as built” (conforme construído) pelos engenheiros.
“As operadoras das barragens não podem ficar esperando a fiscalização e se basear só nas normas”, afirma ele.
A desativação da barragem é outro ponto fundamental no gerenciamento de risco dessas estruturas, mas que se trata de um item “absolutamente desprezado nos projetos”, diz o engenheiro, tendo em vista que será um evento a acontecer somente no fechamento do empreendimento.
Vem de longe
Os problemas apontados pelo consultor não são novos. As barragens de mineração estão na berlinda desde fim dos anos 1960 e 1970 — quando três grandes acidentes (no Chile, Inglaterra e Estados Unidos) deixaram mais de 450 mortos.
Somente em 1970 — quando outros tipos de estruturas de barragens, para hidrelétricas, acumulação de água ou lazer, já possuíam enorme bibliografia técnica — o setor resolveu se reunir para discutir mais a fundo o assunto, no primeiro congresso internacional sobre as barragens de rejeitos, realizado nos Estados Unidos.
Esse histórico foi apresentado por Franco em seminário do setor no fim de 2014.
As obras voltadas à disposição de produtos industriais foram as últimas a receberem mais atenção de engenheiros e órgãos públicos, conta. Segundo o especialista, historicamente, o conhecimento sobre projeto, construção e controle foi aplicado melhor a outros tipos de barragens do que às de rejeitos para os empreendimentos de mineração.
Isso se deve ao fato de os demais tipos de barragem significarem investimento (que vai, portanto, gerar caixa, pela venda de água ou energia); já as de rejeito, representam custo.
“Certamente que o empenho em gastar e os cuidados necessários privilegiam os investimentos [barragens de água] e não os custos [barragens de rejeitos]”, afirma.
Mesmo que o tema esteja sendo discutido há anos, o setor de rejeitos ainda está atrás, em termos de desenvolvimento, dos demais tipos de barragem, diz Franco. “A defasagem tecnológica ainda existe hoje em dia. Mas acho que este evento [Samarco] vai ser motivo para mudanças nos procedimentos gerais.”
Tirar o atraso é importante. Em caso de rompimento, as barragens de rejeito geram danos mais graves do que as de água, já que incluem lama e produtos químicos.
Além disso, normalmente elas pertencem a um dono privado, cujas responsabilidades podem lhe ser diretamente atribuídas, avalia o consultor
Já os eventuais danos causados por rompimento de barragens de água desaparecem num período de tempo muito menor. E, normalmente, elas pertencem a órgão público, cuja nomeação de responsabilidades geralmente é mais capilarizada.
Discutir a relação
Ainda que haja riscos e que movimentos ambientalistas se posicionem contrariamente à construção de barragens, Franco afirma que ainda não existem alternativas disponíveis às funções a que se destinam, a saber: dispor resíduos de processos industriais (como mineração), gerar energia hidrelétrica, armazenar água para consumo irrigação ou diversão e criar espaços para mitigar os danos de enchentes.
O especialista alerta, no entanto, que acidentes e polêmicas sobre barragens são úteis para reforçar a necessidade de garantir a máxima segurança e o mínimo de risco, seja na construção ou na operação das mesmas.
“O negócio é cuidar direito”, afirma ele.
Saiba Mais:
Barragem de Mariana era do tipo mais barato e arriscado, diz especialista
- Brasil 97
- Compliance 66
- Gestão de Risco 200
- Legislação 17
- Mercado 247
- Mundo 102
- Opinião 25
- Resseguro 105
- Riscos emergentes 10
- Seguro 198