Para diretor da Camargo Corrêa, mercado tem muito programa de compliance e riscos só 'para inglês ver'
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- Oscar Röcker Netto, em São Paulo
- 31 de agosto de 2016
- Sem categoria
Responsável pela área da construtora, João Carlos Orzzi Lucas defende independência operacional e vê mudança geral trazida pela Lava Jato
A área de riscos não pode ser atrelada ao departamento financeiro, como ocorre em muitas empresas. Se ela ficar subordinada a um diretor que não seja específico do setor — e não fizer parte, portanto, de uma diretoria própria — não terá uma abordagem realmente corporativa.
Quem defende esse desenho organizacional é o diretor de Governança, Riscos e Compliance da construtora Camargo Corrêa, João Carlos Orzzi Lucas. “A área de riscos não pode ser uma área dependente, deve ser independente; e estar diretamente ligada ao presidente, senão não vai para a frente”, avalia.
Além disso, para ser eficiente, o setor precisa ser percebido como real pelos funcionários da organização, diz Orzzi. “O modelo de Governança, Riscos e Compliance só funciona se entenderem que é para valer”, afirma. “Senão é PIV, Para Inglês Ver. Está cheio de PIV por aí.”
Em bem-humoradas frases, o diretor tocou, durante sua participação no XV Encontro Anual do Comitê do Setor Elétrico da ABGR (Associação Brasileira de Gerência de Riscos), realizado no fim de agosto em São Paulo, em pontos considerados fundamentais por especialistas para uma empresa ter governança, riscos e compliance eficientes: desfrutar de independência de atuação, ter real engajamento dos principais diretores da organização e fazer parte da cultura corporativa.
No geral
Em nenhum momento de suas explanações no evento, Orzzi falou da empresa em que trabalha ou outra qualquer, tampouco nomeou executivos ou citou casos concretos. Abordou, enfim, conceitos gerais da área em que atua, sem fazer analogias particulares.
Embora não tenha sido feita pelo executivo, a associação das considerações ao contexto trazido desde 2014 pela Operação Lava Jato e o envolvimento da Camargo Corrêa é direta.
Difícil imaginar que haja muitos outros cargos na área com mais desafios internos do que o de Orzzi. A Camargo Corrêa é uma das principais empresas envolvidas na Lava Jato. Três ex-executivos da cúpula, incluindo o presidente e o vice, foram presos e fizeram acordo de delação premiada — eles dificilmente servirão de exemplo de conduta ética para a maioria dos cerca de 27 mil funcionários da organização.
O envolvimento na operação expôs situações que demonstram desalinhamento com práticas boas e éticas, mesmo que já dispusesse de instrumentos de controle. No ano passado, ela foi a primeira das grandes construtoras a fechar acordo de leniência com a força tarefa, reconheceu ter participado de cartel, fraudado licitações, lavado dinheiro e promovido corrupção. Por isso, se comprometeu a devolver RS$ 700 milhões, a título de ressarcimento de prejuízos, e a implementar um programa de integridade efetivo, que está sendo tocado por Orzzi.
A tarefa da diretoria de Governança, Riscos e Compliance, portanto, parece gigantesca. O currículo de Orzzi mostra que lidar com riscos não é uma novidade para o executivo.
Ele acumula duas passagens pela Camargo Corrêa. Foi diretor de GRC da construtora de janeiro de 2011 a dezembro de 2013. Saiu e em 2014 estourou a Lava Jato, que desde seu início tragou a construtora. Orzzi voltou ao cargo em julho de 2015 e desde então toca a implementação do setor conforme a orientação prevista no acordo de leniência. A experiência dele ainda inclui ter ocupado a diretoria de riscos da Oi/Telemar, entre 2009 e 2011. Atualmente, a empresa está envolvida no maior caso de recuperação judicial do país.
Mudanças
Em grande parte estimuladas pela Lava Jato, as políticas de Governança, Riscos e Compliance estão na ordem do dia das corporações. Para Orzzi, a operação trouxe à tona o questionamento sobre a postura de dirigentes de todos os tipos de empresa, públicas ou privadas, familiares ou não, de capital aberto ou fechado. “Mas é no mundo todo que se esta cobrando este tipo de coisa”, afirmou ele ao ser questionado por Risco Seguro Brasil. “O que está acontecendo hoje é uma grande mudança, não só em uma empresa, mas principalmente numa visão de responsabilidade corporativa e sustentabilidade. Nenhuma empresa nasce para morrer.”
De acordo com ele, a área exige atenção de todos por uma série de motivos, que incluem fraudes e corrupção, mas também trabalho escravo ou infantil, manipulação fiscal ou tributária e desastres ambientais, entre outros temas.
Problemas como esses, diz ele, “por vezes” estão relacionados à atuação dos executivos. Na medida em que nenhum negócio está livre de riscos, a grande questão é como gerenciá-los. “Muita gente ainda vê os riscos como problema; não são”, defende. “O problema é não conhecer os riscos.”
Cabe à estrutura de GRC interna equilibrar a balança entre controles e tolerância a riscos e os riscos efetivos. “A gestão de riscos é o grande diferencial”, afirma. “O principal papel é a fiscalização da administração. Se a gente cobrar que a administração tenha determinadas posturas e siga o que manda a legislação e as normas, já estaremos indo bem.”
Do ponto de vista administrativo, o controle precisa fazer com que os benefícios gerados por ele sejam maiores do que o custo de implementá-lo, advoga o diretor. A ausência de controles resulta numa exposição “intolerável” a riscos; já controles em excesso geram exposição a custos muito altos. A balança ideal, segundo ele, estabelece uma relação equilibrada entre controles eficientes e riscos.
Orzzi diz acreditar que o intenso noticiário calcado na Lava Jato levou a opinião pública a pensar que o problema de desvios reside na empresa “A, B ou C” que está em evidência na imprensa. Mas a questão, avalia ele, é maior e envolve traços culturais ainda muito presentes nos brasileiros.
“Normalmente quem faz a crítica [às envolvidas na Lava Jato] é a mesma pessoa que estaciona o carro na vaga de deficiente ou que paga para não ser multada no trânsito”, compara ele. “Temos de tirar do nosso DNA a lei de Gérson.”
Orzzi defende participação e cobrança mais ativas de todos contra posturas como as que citou. Ele acredita que isso já está ocorrendo, mas pode levar tempo para os resultados do que chama “mudança de cultura” aparecerem de forma mais consistente.
Segundo o executivo, um sinal de mudanças internas na Camargo Corrêa é uma confiança maior dos funcionários em instrumentos como, por exemplo, o canal de denúncias da empresa, “que existe há mais de dez anos”.
“Pior do que descobrir que teve um problema é não saber que ele existe”, afirma. “Internamente, as pessoas que estão lá acreditam no papel social da empresa e querem seguir em frente. Estão imbuídas de trazer melhores resultados.”
Aviso legal
No início de sua palestra para os gestores de risco do setor elétrico, João Orzzi fez questão de destacar um “aviso”: as opiniões que seriam expressas refletiriam a experiência adquirida na atuação em grandes organizações de diversos segmentos “por um time de profissionais altamente qualificados e comprometidos”, apontou. “Portanto, representam nossa visão e prática, que vêm ao encontro da necessidade de aprimorar o posicionamento de governança, riscos e compliance nas organizações”, ponderou. “Inclusive nas que atuamos.”
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