Independência é antídoto contra pedido antiético de chefia
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- Oscar Röcker Netto
- 1 de fevereiro de 2016
- Sem categoria
Para IIA Brasil, auditoria requer leis para garantir isenção; em pesquisa, 44% dos auditores internos dizem sofrer pressão para mudar informações
O que um profissional faz quando o próprio chefe pede para ele cometer uma ação que não é propriamente ética?
Para Fábio Pimpão, diretor de certificação do Instituto dos Auditores Internos do Brasil (IIA Brasil), a resposta passa por dar mais independência ao profissional, permitindo que ele possa desenvolver sua atividade de forma a criar valor para a empresa e melhorar as operações.
O caminho, no entanto, não é tão simples: envolve, segundo ele, apertos na regulação do setor, que ainda são incipientes no Brasil, mas que tem o poder de mudar a cultura ora em vigor.
Representando uma área de forte pressão corporativa, cuja função é apontar problemas (reais ou potenciais), o Instituto Global dos Auditores Internos (IIA) foi atrás de quantificar o problema. Fez uma pesquisa com 14 mil profissionais em 166 países e chegou a um número preocupante, principalmente no Brasil, onde 44% deles disseram que já receberam pedidos para mudar ou omitir alguma informação levantada no seu trabalho — a média mundial foi de 29%.
Segundo Pimpão, a pesquisa aponta que um em cada quatro profissionais no país é pressionado todos os anos. “O auditor precisa de mais independência, senão não consegue trabalhar”, disse ele à Risco Seguro Brasil. “Ele não deve responder para o presidente ou diretor, mas para um conselho ou comitê de auditoria. Esse é o primeiro passo para evitar essa pressão.”
A independência necessita de um bom estatuto para a área, que deixe claro o papel e a autoridade do auditor interno, diz o diretor. “Se alguém questionar [o trabalho], tem o estatuto que deixar as coisas claras.”
Pimpão ressalta, no entanto, que isso não deve servir para o auditor trabalhar desconectado da linha da empresa. É pouco produtivo sair trombando pelos corredores. É preciso manter boas relações e estar alinhado às diretrizes corporativas. “Obviamente, o auditor precisa estar próximo e saber as preocupações do presidente e da alta administração. Isso ajuda.”
Em entrevista à revista IstoÉ Dinheiro no começo do ano, Angela Witzani, vice-presidente do IIA, lembrou que uma peça-chave de independência é ter acesso a todas as informações da companhia. “O acesso irrestrito do auditor deve ser aprovado pela direção com regra clara, assim como a definição de procedimentos adotados caso surjam irregularidades”
Ainda longe
Independência e estatuto para auditores internos fazem parte de um nível de governança que nas empresas brasileiras ainda está longe de ser alcançado, de acordo com o diretor. “No Brasil, dificilmente o auditor responde para um comitê. Normalmente, ele se reporta para o diretor financeiro ou para o presidente. Isso já dificulta bastante o trabalho”, afirma.
Em relação à existência de estatuto na área, Pimpão diz que “é algo muito fraco no Brasil”. Segundo ele, o documento não está formalizado na maioria das empresas. E quando existe formalmente não contempla os pontos necessários. “Não aborda todas as normas internacionais que deveria.”
De acordo com o diretor, a percepção da importância do trabalho de auditoria por parte da alta direção no Brasil também deixa a desejar.
“Ela não acredita que o auditor esteja ali para agregar valor à companhia, mas para ser o policial que está atrás de ladrão. E não é esse o objetivo”, afirma. “Existe uma clara diferença entre tratar com a alta direção [de empresas] no exterior e no Brasil. Ainda temos um viés que prejudica o dia a dia.”
Chama o xerife
Essa lacuna se deve, na opinião dele, à maior regulação das empresas de fora.
Nos Estados Unidos, por exemplo, as empresas de capital aberto devem seguir normas mais rígidas do que as daqui, como a Lei Sarbanes Oxley, instituída após a falência da Enron, cujas falcatruas contábeis causaram prejuízo a milhares de famílias.
Como resultado do trauma causado pela Enron, a lei passou a obrigar as companhias abertas a ter um departamento de auditoria interna, com independência e que se reporta a um comitê, conta Pimpão. “Lá fora a cultura [de auditoria] já avançou muito, decorrente da legislação. Então a gente vê claramente uma divergência entre as empresas nacionais e internacionais.”
Segundo ele, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tem alguns projetos para regulamentar a área, mas eles ainda estão numa fase embrionária.
As regras no país estabelecem a necessidade de um conselho fiscal nas empresas abertas — e não necessariamente um de auditoria. Na avaliação de Pimpão, isso não é suficiente.
“Em algumas empresas o auditor interage com esse conselho, que nem sempre lhe dá a devida importância”, afirma. “O auditor acaba se aproximando mais ao diretor financeiro ou do presidente e sendo, digamos assim, ‘corrompido’. Como a CVM não deixa muito claro como o conselho deve atuar com a auditoria interna, ainda temos umas lacunas a serem preenchidas.”
Para o diretor, a comparação entre as regras da CVM com as da sua similar nos Estados Unidos, a Securities and Exchanges Comission (SEC), mostra o quanto há para evoluir no Brasil.
Ele acredita que uma série de regras poderiam ser aplicadas aqui, como a que estabelece que a auditoria interna tem de mudar a cada três anos na empresa ou a que proíbe que uma auditoria externa faça também a interna.
“Tem de escrever na lei que as empresas precisam trabalhar de determinada forma. Aí as empresas conseguem mudar. A Lei Anticorrupção, por exemplo, já tem dado mais força para auditoria. Pouco a pouco, estamos indo. O auditor tem sido mais valorizado.”
A premissa seguida por Pimpão, no entanto, denota um avanço maior na área. “A corrupção nunca vai acabar. Onde tem poder e dinheiro tem corrupção. O que é preciso é ter mecanismos de controle para evitar que ela se materialize na companhia, seja pública ou privada.”
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