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Investidor global foca corrupção antes de fazer aquisição de empresa

Os ativos brasileiros estão mais baratos com a queda do real, e empresas estrangeiras têm mostrado interesse em fazer aquisições no país. Ao mesmo tempo, para muitas empresas nacionais, a chegada de um cavaleiro branco armado de moeda forte pode ser uma boa saída em tempos para lá de difíceis.

Mas qualquer empresa brasileira que desejar negociar com investidores estrangeiros deve estar preparada para passar por um crivo detalhado de suas práticas de governança, especialmente se trabalham em áreas recentemente afetadas por escândalos como o petróleo, as concessões públicas e a construção civil.

Especialistas internacionais ouvidos pela Risco Seguro Brasil relataram como as empresas e fundos de private equity que participam de fusões e aquisições (M&A na sigla em inglês) no mercado global estão cada vez mais colocando o foco nas áreas de compliance e gestão de riscos de seus alvos de investimento.

A avaliação do sistema governança corporativa hoje vai além de uma simples busca de áreas em que há deficiências por parte da empresa a ser adquirida, afirmou Matthew Townsend, um sócio do escritório de advocacia Allen & Overy, de Londres.

“Se uma dúvida a respeito do compliance é grande o suficiente, ela pode definir o sucesso de um negócio”, disse ele. Em recente estudo da consultoria Control Risks, 41% das empresas entrevistadas disse ter abandonado negócios por dúvidas sobre corrupção.

Bomba-relógio

O volume de fusões e aquisições em todo o mundo deve fechar 2015 em níveis recordes. Segundo a Dealogic, uma empresa que faz pesquisas na área, entre janeiro e o fim de outubro foram fechados globalmente mais de US$ 4 trilhões em transações de M&A, superando o recorde anterior para os primeiros dez meses do ano, registrado em 2007.

No Brasil, devido à crise econômica e à incerteza política reinantes durante o ano, as fusões e aquisições sofreram uma desaceleração. Os negócios, no entanto, estão voltando a emergir, como mostraram as aquisições do negócio de cosméticos da Hypermarcas pela franco-americana Coty e do Grupo ABC, de publicidade, pela americana Omnicon Media.

Especialistas esperam que as aquisições ganhem mais fôlego nos próximos meses, na medida em que investidores bem capitalizados aproveitam as barbadas geradas pelo real fraco e pelo alto endividamento das empresas brasileiras. Segundo a consultoria PwC, neste ano, pela primeira vez, o volume de fusões feitas com capital estrangeiro já está superando as que são financiadas por capital nacional.

Mas empresas estrangeiras também tendem a ser mais rigorosas no que diz respeito a possíveis bombas-relógios que podem encontrar em suas adquiridas. Ninguém certamente quer passar pelas agruras enfrentadas atualmente pela australiana BHP Billiton, que viu o preço de suas ações cair aos patamares mais baixos em dez anos após a tragédia de Mariana, protagonizada pela  Samarco, da qual é sócia juntamente com a Vale.

“As empresas precisam entender que tipos de exposições e responsabilidades elas estão assumindo”, disse Michael DeFranco, diretor global de fusões e aquisições do escritório de advocacia Baker & Mckenzie.

Companhias visadas em países emergentes como o Brasil são alvo de especial atenção, avisam os especialistas. Episódios como a Operação Lava Jato, que revelou corrupção generalizada em setores da economia e do poder público, tendem a tornar este processo ainda mais rigoroso, já que, em alguns países, empresas podem acabar na Justiça local devido a irregularidades cometidas por suas subsidiárias em lugares distantes.

“Compliance é um tema muito forte para as empresas americanas, que são governadas pelo FCPA”, disse DeFranco, que é baseado em Chicago. O FCPA é uma lei americana que permite a investigação de empresas com negócios nos Estados Unidos que possam ter cometido atos de corrupção em qualquer lugar do mundo.

Preparação

“Na maioria dos mercados, sejam emergentes ou desenvolvidos, há um foco claro por parte dos compradores nos programas de compliance de seus alvos”, complementou Townsend.

Isso significa que potenciais investidores vão averiguar a fundo não só os processos de prevenção ao pagamento de propinas, mas também as medidas de conservação do meio-ambiente, a exposição a ações trabalhistas, as políticas internas de respeito aos direitos humanos, o uso de trabalho infantil na cadeia de suprimentos, a cultura de prevenção de fraudes e vários outros temas.

A due diligence anterior ao fechamento do negócio também inclui análise de temas como possíveis quebras de leis antitruste, a proteção de dados e privacidade, propriedade intelectual, responsabilidade por falhas de produtos e outros temas inerentes à atividade comercial da empresa.

“Os compradores têm em mente episódios como o escândalo das emissões da Volkswagen”, exemplificou Townsend.

Ele disse que as empresas prestam muita atenção, por exemplo, em como seus alvos de aquisição gerem os riscos a que estão expostos. E o tema da corrupção é talvez o que mais pesa hoje em dia.

Segundo Townsend, em 20 anos de carreira, ele jamais havia visto as empresas colocarem tanta ênfase na mitigação de riscos de corrupção. Hoje é um dos três principais tópicos discutidos nas transações, especialmente quando a empresa a ser adquirida está baseada em um mercado emergente.

“Se está claro que a empresa a ser comprada possui relações próximas com o governo, em geral isso vai tocar um alarme”, disse ele.

“Investidores do mercado financeiro, em particular, estão muito preocupados com isso. Da mesma maneira, quando um negócio depende de um grande número de contratos com o setor público, isso vai gerar uma análise mais profunda das inter-relações entre a empresa e as autoridades.”

O mesmo acontece se a empresa-alvo realiza negócios com países afetados por sanções internacionais, como a Rússia ou Cuba.

Se há dúvidas nestas áreas, os bancos internacionais que muitas vezes custeiam uma operação com empréstimos podem se retirar do negócio, já que mais expostos do que nunca ao tema da compliance, disse o advogado.

Difícil tarefa

Townsend recomenda a empresas candidatas a atrair investidores que se preparem a fundo para responder questões relacionadas ao compliance e à gestão de riscos.

Segundo ele, o processo de due diligence feito por compradores antes de fechar um negócio tende a ser complexo e demorado, mas com prazos estritos impostos pelos termos dos financiamentos e outros fatores.

O fator custo também é importante; quanto mais complicada for a due diligence, mais cara se torna a operação.

E um dos obstáculos mais comuns encontrados pelos compradores é a falta de informações confiáveis por parte das adquiridas, ou mesmo a negativa em colaborar com a due diligence em áreas como o compliance.

Para não criar marola, ele recomenda portanto que os executivos máximos aprendam a fundo como funcionam os esforços de suas companhias na prevenção de corrupção. Ele sugere que até mesmo se realizem ensaios que simulem as questões que podem ser feitas por investidores.




Exemplo de líder da empresa é vital para evitar corrupção

Marcelo Odebrecht, preso pela Lava Jato.
Marcelo Odebrecht, preso pela Lava Jato.

A luta contra a corrupção dentro das empresas depende da liderança de seus principais executivos, alerta a consultoria de risco internacional Control Risks.

“Resistir à corrupção deve ser responsabilidade de cada empregado, mas isso exige liderança por meio de exemplo”, diz a consultoria em sua mais recente pesquisa sobre as atitudes das empresas internacionais com respeito à corrupção.

Ela afirma que os riscos de corrupção seguem em evolução, mas a adoção de programas para enfrentar esta ameaça é cada vez mais uma vantagem competitiva para uma organização.

O estudo, lançado em novembro, afirma que 38% das empresas brasileiras entrevistadas acreditam ter perdido negócios porque rivais utilizaram propinas para amaciar uma das partes envolvidas.

Entre os países pesquisados, o Brasil só fica atrás da Nigéria (48%), Indonésia (46%), México (41%), Colômbia (43%) e Índia (39%) neste quesito.

Mais da metade das empresas brasileiras entrevistadas disser ter abandonado negócios devido a suspeitas de corrupção, contra uma média global de 41%.

Respostas pouco plausíveis

André Esteves, preso pela Lava Jato.
André Esteves, preso pela Lava Jato.

A auditoria levantou dúvidas, no entanto, sobre a verossimilhança das respostas prestadas por executivos que operam no Brasil ao ser indagados se recebem pedidos de propinas para facilitar o fechamento de negócios. Os entrevistados são executivos de compliance ou do departamento jurídico das empresas.

Das companhias brasileiras entrevistadas, 45% disseram que jamais recebem este tipo de pedido – um número mais positivo do que na Austrália, Estados Unidos ou França.

Para a Control Risks, as respostas das empresas que operam no Brasil, assim como em outros países como Indonésia e Nigéria, não parecem muito “plausíveis”.

“Este resultado sugere que os administradores sêniores, especialmente na sede da empresa, não possuem uma avaliação correta dos desafios que seus colegas enfrentam no dia-a-dia e estão falhando ao proporcionar a eles a orientação adequada”, afirma o estudo.

Líderes empresariais

Ou, possivelmente, algo mais. As revelações da Operação Lava-Jato, que já renderam prisões preventivas dos máximos executivos de empresas como a Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Andrade Gutierrez, UTC e, mais recentemente, BTG Pactual, passam a impressão de que as respostas são especialmente implausíveis no Brasil.

De fato, o envolvimento de tantos líderes empresariais brasileiros na Operação Lava-Jato exemplifica as dificuldades que o desenvolvimento do compliance enfrenta no país, especialmente tendo em conta outras conclusões da Control Risks.

O estudo afirma que programas em que os executivos-chefes simplesmente divulgam a política da empresa e mandam os funcionários fazer treinamentos tendem a não ter sucesso na mitigação de riscos de corrupção.

“Os procedimentos que tem maior potencial para aumentar a compreensão sobre o risco de corrupção a nível operacional – due diligence, monitoramento e auditoria – não estão sendo realizados de forma eficiente, tão cedo quanto necessário, ou nem mesmo estão sendo implementados”, afirma Richard Fennings, CEO da Control Risks, na introdução ao estudo.

O estudo também faz alerta contra os programas de compliance que não saem do papel – outra característica que parece bastante difundida entre as empresas brasileiras.

Várias das empresas envolvidas na Lava Jato possuem políticas de compliance bastante elaboradas, e 78% das 65 companhias brasileiras entrevistadas pela Control Risks afirmaram ter implementado políticas que proíbem o pagamento de propinas.

Falsa segurança

De acordo com a consultoria, empresas que possuem um programa de compliance podem acabar se vendo envolvidas em casos de corrupção da mesma maneira. Para isso, basta com que os programas estejam com um foco equivocado, incompletos ou mal implementados.

“Uma confiança excessiva no compliance é algo perigoso”, escreve Fennings. Ele argumenta que executivos podem achar que o programa de compliance vai evitar que a empresa tenha problemas, e assim assumir riscos desnecessário.

“Assim como as pessoas dirigem mais rápido quando estão com o cinto de segurança posto, os programas de compliance podem levar a uma falsa sensação de segurança”, alerta o CEO.

Do lado positivo, 80% dos executivos brasileiros entrevistados acreditam que leis internacionais anticorrupção estão melhorando o ambiente de negócios.

O índice é similar ao de países como Nigéria, México, Indonésia e Índia, no que a consultoria interpreta como um sinal de que as empresas estão descontentes com a aplicação ineficiente das leis domésticas de seus países.




Compliance tem baixa maturidade em quase metade das empresas

As empresas em geral possuem um baixo nível de maturidade em gestão de riscos de compliance no Brasil, o que faz com que ainda tenham uma série de desafios a superar. Apesar disso, elas já começam a implementar e fortalecer a governança para melhorar a situação.

O diagnóstico e a conclusão fazem parte de estudo recém divulgado pela consultoria KPMG intitulado “Maturidade do Compliance no Brasil”, para o qual a consultoria ouviu cerca de 200 empresas de 19 setores produtivos.

Segundo o levantamento, 46% das companhias pesquisadas ficam nos dois menores níveis de governança considerados na pesquisa — 36% têm Infraesturura mínima e 12% não têm nada. No total, são cinco, do melhor para o pior: Alta performance, Função de integração, Função de monitoramento, Infraestrutura mínima e Sem infraestrutura (veja mais abaixo).

As de Alta Performance somam 12%. Empresas nesse nível têm um compliance que leva “a benefícios comerciais tangíveis e estratégicos”, no conceito adotado pela consultoria para a pesquisa.

“As empresas terão de investir na estruturação de compliance no curto e médio prazos”, conclui o estudo, “para alavancar governança e cultura, criar e revisar políticas, processos e procedimentos, capacitar profissionais e desenvolver mecanismos de monitoramento dos principais riscos”.

Reforçando a questão de baixa maturidade, 32% das pesquisadas reportaram que a estrutura e função de compliance foram implementadas há no máximo três anos, sendo que 19% do total não tem estrutura adequada, “aumentando a exposição a perdas financeiras, à imagem e à reputação”.

O levantamento registrou fragilidade ou inexistência de programas. Segundo a KPMG, ter um Código de Ética e/ou atualizá-lo em relação à Lei Anticorrupção, é “um fator de alta relevância e extremamente crítico para o sucesso do negócio”.

Mas 17% dos respondentes afirmaram não tê-lo implementado ou atualizado. “É mais crítico perceber que 40% das empresas não possuem política anticorrupção”, avalia a consultoria. Além disso, “43% não possuem política nem programa de ética e compliance.”

Radar ligado

A falta desses programas convive com preocupações que estão bem presentes para os gestores.

A pesquisa mostra que uma maioria de 61% das empresas considera de “alta prioridade” fazer treinamento anticorrupção de seus funcionários.

Para 57%, é preciso investir em “‘ética e conduta para os profissionais” e em capacitação contra “lavagem de dinheiro”, o que é tido como prioritário para 32% dos respondentes.

O monitoramento das políticas e programas desenvolvidos deixa a desejar em um número significativo das empresas ouvidas pela KPMG.

Uma maioria de 57% delas disse não saber quanto pagou de multa por problemas ligados a riscos de compliance, sendo que 5% delas disseram que não monitoram esse dado. Por outro lado, 9% das empresas reportaram multas de R$ 1 milhão ou mais por ano, sendo que dessas 5% pagaram mais de R$ 5 milhões.

Enquanto 82% das respondentes dizem que possuem um canal de comunicação (de linha ética ou canal de denúncias), 18% delas não têm esse mecanismo.

Para a KPMG, “ainda mais surpreendente é o posicionamento de 29% das empresas, as quais confirmaram não ter conhecimento do volume de informações, eventos e denúncias capturado por este mecanismos.

Discurso e prática

No processo de desenvolvimento do setor vai ser necessário um envolvimento maior dos executivos sêniores das companhias, de acordo com os dados apresentados na pesquisa.

Isso porque, segundo o levantamento, um em cada cinco desses executivos não reforça periodicamente a importância do compliance para o sucesso da companhia e/ou têm um baixo envolvimento nos processos da área.

Além da participação mais ativa, é necessário padronizar o discurso. Em outros 21% das empresas o conceito de compliance não é uniforme, o que representa uma fragilidade para implantação da cultura de gestão de riscos da área, diz a KPMG.

Importância

A introdução do estudo lembra que o compliance vem ganhando bastante projeção no Brasil nos últimos anos, com projeção significativa nos meios de comunicação, principalmente depois da publicação da Lei Anticorrupção, em 2013.

Com isso, as exigências dos agentes reguladores foram fortalecidas. O volume de multas pagas e as sanções às empresas aumentou, bem como o potencial de impacto no valor das ações de empresas negociadas em Bolsa, na reputação, na imagem e na perda de vantagem competitiva.

“O gerenciamento de riscos de compliance no Brasil vem passando por um processo de aprimoramento e de aumento de exigências em decorrência da dinâmica e da complexidade nos negócios, atrelado à frequente atualização e/ou emissão de novas leis e regulamentações”, avalia o estudo da KPMG.

Segundo a KPMG, o compliance tem sido pauta cada vez mais frequente para a administração da empresa, uma vez que crescem as cobranças de acionistas e stakeholders por uma governança mais clara e transparente.

Os motivos disso, levantou a consultoria, são variados e relevantes: rápidas mudanças na economia e no ambiente regulatório, redução da confiança dos consumidores, pressão por margem de rentabilidade, elevação dos custos com regulamentação, pressão governamental por ambiente interno que evite escândalos.

“Os riscos de compliance desafiam as empresas a criar um modelo inovador para atingir novo patamar de governança corporativa, permitindo enfrentar riscos complexos”, afirma o estudo, que aponta ainda que a eficácia da estrutura de compliance vai resultar em “vantagem competitiva sustentável.”

Metodologia

A pesquisa da KPMG foi concluída no final de setembro deste ano.

Foram ouvidas cerca de 200 empresas de 19 setores produtivos, sendo que 53% delas com receita operacional bruta acima de R$ 1 bilhão, e 48%, com mais de três mil funcionários.

Trinta e cinco por cento dos respondentes são presidentes, superintendentes ou diretores das companhias, enquanto 44% ocupam cargo de gerência.

Níveis de maturidade

Veja abaixo quais são e o que significam os níveis de maturidade em compliance estabelecidos pela KPMG:

Alta performance: Líder reconhecido nas capacidades, nas atividades e na cultura de compliance levando a benefícios comerciais tangíveis e estratégicos.

Função de integração: Função de compliance integrada com jurídico, assuntos regulatórios, riscos e outros grupos que suportam investigação, consultoria, treinamento e desenvolvimento de uma cultura de compliance.

Função de monitoramento: Programa de Ética e Compliance monitorado por um grupo independente e suportado por uma liderança sênior.

Infraestrutura mínima: Programa de Ética e Compliance enfatizado no Código de Ética e Conduta e imposto por meio de políticas, processos e procedimentos.

Sem infraestrutura: Programa de Ética e Compliance não está enfatizado, tampouco implementado.

Clique aqui para acessar o estudo completo.




Especialistas elogiam abertura e vêem problemas em ‘detalhes’

O Cade divulgou uma versão preliminar do Guia Programas de Compliance e só pretende publicar a versão final após ouvir as partes interessadas. Há um e-mail específico para receber sugestões (veja abaixo), que podem ser enviadas até 18 de outubro. As alterações sugeridas passarão por análise antes de se decidir o que será acrescentado ou retirado.

Especialistas na área consideram “importantíssima” essa abertura. Para Elias Zoghbi, sócio da consultoria Deloitte, trata-se de “uma grande evolução que os órgão reguladores tiveram no Brasil”. Ele refere-se também a procedimentos semelhantes adotados pela Susep (Superintendência de Seguros Privados). E acredita que com isso o trabalho final ficará melhor.

“É um procedimento efetivo”, disse ele.” As empresas são ouvidas e os comentários são considerados — claro que com a cautela que o órgão regulador tem. O objetivo não é beneficiar uma organização, e sim trazer o melhor para o mercado.”

Na prática
O escritório Advocacia Del Chiaro, por exemplo, passou a versão preliminar para seus cerca de 30 clientes na área de concorrência empresarial e estuda como trabalhar as sugestões que eles estão fazendo, bem como suas preocupações.

Segundo Ademir Pereira Júnior, advogado especialista em direito concorrencial do escritório, o documento é bastante consistente com o que o Cade vem preconizando ao longo dos anos. Ele disse, no entanto, que algumas recomendações contidas no guia geram dúvidas. “Há alguns detalhamentos que causam alguma preocupação.”

Entre esses casos estão, por exemplo, como fazer a divulgação interna do programa e a determinação que empresas de grande porte devem ter um grupo específico de compliance antitruste.

Além disso, segundo ele, o programa de compliance para ser efetivo, no entendimento do órgão, está baseado em algumas premissas. Por exemplo: orçamento dedicado especificamente à área, investimento na formação específica de funcionários e alocação de  funcionários exclusivos.

“Não são coisas tão triviais. Que tipo de investimento tem de fazer? Que tipo de formação específica?”, questionou. “Há coisas que são difíceis de comprovar ou de aferir. Aí o Cade pode ignorar todo o esforço que foi feito porque a empresa não se consegue demonstrar algum tipo de detalhamento que foi sugerido [no guia].”

Outro tópico relevante, segundo ele, é o do nível de autonomia do responsável pelo compliance. “Isso é algo muito difícil de implementar na prática. Ele deve orientar, mas a decisão final não precisa ser dele. Muitas vezes, o executivo tem de assumir alguns riscos, que estão no limiar da lei. O head de compliance é um cara treinado para achar problema em tudo. A empresa pode ficar numa situação de não poder fazer nada se não assumir algum risco.”

Serviço:
A versão prévia do guia está disponível no site do cade (www.cade.gov.br). As sugestões podem ser feitas pelo email guiadecompliance@cade.gov.br até o dia 18 de outubro.




Guia vai deixar claro como o Cade vê o compliance concorrencial

Elias Zoghbi, sócio da Delloite
Elias Zoghbi, sócio da Delloite

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) deve lançar até o fim de janeiro do ano que vem um guia de compliance focado na área concorrencial. O objetivo é estabelecer diretrizes para as empresas sobre práticas de governança que sejam efetivas em evitar infrações anticompetitivas.

A peça é focada na Lei de Defesa da Concorrência (LDC) e encontra-se aberta a sugestões do mercado (clique aqui para saber mais).

Para especialistas ouvidos por Risco Seguro Brasil, o grande mérito do guia será o de criar referências claras e concretas a respeito do assunto, facilitando assim que as empresas saibam com mais propriedade se suas práticas estão alinhadas às do órgão fiscalizador da livre concorrência no país.

Ademir Pereira Jr, do escritório Advocacia Del Chiaro
Ademir Pereira Jr, do escritório Advocacia Del Chiaro

Mas pode servir, na eventualidade de um julgamento, para demonstrar boa ou ma-fé das empresas quanto às normas concorrenciais.

“Quando se fala de uma instituição séria e respeitada como o Cade, um guia como esse tem um impacto excelente no mercado”, afirmou Elias Zoghbi, sócio especializado em compliance da consultoria Deloitte. “Tem-se uma fonte de esclarecimento muito mais palpável, transparente e direta do que somente a publicação de uma lei.”

De acordo com Ademir Pereira Júnior, advogado especialista em direito concorrencial do escritório Advocacia Del Chiaro, até agora as empresas balizavam suas políticas na área na própria legislação, no histórico de julgamentos do órgão e nas práticas internacionais.

“Agora o Cade está dizendo: olha, isso aqui é o que eu entendo como boas práticas”, disse Pereira. “Isso é muito relevante.”

Ele ressalta que os julgamentos do Cade sempre criaram um jurisprudência normativa “excelente” para as empresas, mas o guia “dá um passo a mais e mostra melhor quais os parâmetros a serem adotados”.

“Muitas vezes a empresa já está em conformidade com a lei, mas precisa saber mais claramente como vai cumprir com todos os requisitos. Para isso, os casos práticos são importantes”, completou Zoghbi, que vê no documento uma peça para promover o amadurecimento do ambiente corporativo. “Os ajustes das estruturas [das companhias] frente ao que diz a lei é extremamente relevante”

Os especialistas acreditam também que o material será útil para pequenas e médias empresas, que normalmente estão mais atrasadas em termos de compliance concorrencial do que as maiores.

Detalhamento
Formalmente, o guia do Cade visa a reduzir riscos de violação à Lei de Defesa da Concorrência (LDC), oferecendo mecanismos para as empresas detectarem e gerenciarem eventuais práticas anticoncorrenciais, por meio principalmente de orientação de condutas.

A peça se enquadra nos esforços de promover boas práticas de governança, seguindo a linha tratada pela Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em 2014 e estimula empresas a desenvolverem programas de integridade.

Com esse mesmo foco, a Controladoria Geral da União (CGU) lançou em setembro o guia “Programa de integridade: diretrizes para empresas privadas” (clique aqui para saber mais e aqui para ouvir entrevista com entrevista com Patricia Audi, secretária de Transparência e Controle da Corrupção da CGU).

Orientações
O guia do Cade não terá caráter normativo, mas de sugestão. Segundo o órgão, no entanto, o fato de uma empresa seguir as orientações será levado em consideração em eventuais julgamentos.

O texto deixa claro que o Conselho espera que a adoção de programas “sérios e robustos” impeça empresas e seus funcionários de se envolverem em práticas comerciais ilícitas.

Mas nos casos em que elas sejam investigadas os benefícios poderão vir na forma de: 1) adesão ao programa de leniência, 2) celebração de termos de compromisso de cessação (dos delitos), 3) submissão de consultas ao tribunal do Cade e 4) dosimetria das penalidades.

De acordo com o Cade, a existência de um programa de compliance não será suficiente para evitar multas, mas elas poderão ser reduzidas, conforme já previsto no o artigo 42 da LDC.

Os fatores que contribuem para isso são, por exemplo, boa-fé ou baixos efeitos econômicos das irregularidades. O Cade considera que seguir os critérios do guia será uma das formas de as empresas demonstrarem boa-fé.

Serve como atenuante, mas não há quantificação de quanto as boas práticas poderão abater nas multas. A lei prevê sanções que vão de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa ou de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões para pessoas físicas ou entidades sem personalidade jurídica — elas dobram em caso de reincidência.

Programas “de fachada”, por sua vez, serão considerados ações de má-fé, podendo resultar no agravamento das penalidades.

O guia estabelece como obrigação das empresas demonstrar que práticas anticompetitivas são claramente contrárias às suas políticas e às orientações de seus administradores.

Zoghbi lembra um ponto importante: as leis nesta área são severas e “não aliviam o desconhecimento” por parte da empresa.




Para especialista, avaliação de risco de desastre natural precisa evoluir

Os modelos matemáticos usados para analisar e quantificar riscos de desastres hoje no Brasil não são mais suficientes frente aos desafios do país e dificultam a alocação de capital para o mercado de seguros.

A avaliação é de Moacyr Duarte, pesquisador da Coppe, o centro de pesquisas em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que participou de um debate sobre riscos emergentes durante o 7º Conseguro, realizado em São Paulo entre os dia 15 e 17 de setembro.

Para Duarte, que trabalha com gerenciamento de riscos para a prefeitura do Rio de Janeiro, os modelos de representação matemática baseados no modelo binário (“de respostas sim ou não”) não são mais suficientes.

“O chek list não funciona mais”, disse ele. ” Não adianta mais termos a foto [do problema], precisamos de um filme.”

Duarte se referia ao enorme volume de dados envolvidos em cada situação, em termos de avaliação de riscos de desastre.

Nada de capital
Com os modelos com que se trabalham hoje, afirmou ele, o resultado das avaliações de riscos é precário e pouco eficiente.

“A resposta vai ser extremamente conservadora e vai se afastar do objetivo porque não se vai enxergar [o problema]”, observou. “O modelo de cálculo é ruim.”

Para o especialista, sem que os modelos matemáticos sejam aprimorados, não vai haver um aporte de capitais que poderiam alavancar a capacidade de seguros no setor.

“Não conseguiremos aporte de grandes capitais sem que ocorra uma sofisticação dos cálculos”, afirmou. “Ninguém coloca dinheiro sem um cálculo muito preciso e bem explicado por trás.”

Como exemplo, ele citou a situação de algumas favelas no Rio de Janeiro, onde modelos tradicionais de avaliação de riscos apontam que toda a região de uma comunidade está exposta ao risco de desastres.

Um levantamento mais específico, no entanto, mostrou uma outra realidade. “Só cerca de 10% das moradias estão efetivamente sob risco”, afirmou ele. “A maioria é passível de seguro, mas está fora do mercado. Se continuarmos com o velho parâmetro, vamos negligenciar isso tudo.”

Resseguro
Outro participante do painel, Rodrigo Botti, CFO e COO da resseguradora local Terra Brasis, considera que uma maior participação do mercado de capitais é fundamental para desenvolvimento dos seguros contra catástrofes no Brasil.

Trata-se de um recurso já bastante utilizado nos Estados Unidos e Japão, mas ainda não trabalhado no Brasil, disse ele.

Botti vê a possibilidade de que aportes de capitais sustentem uma maior proteção para os incidentes mais comuns no país, como as secas e as inundações.

Os exemplos internacionais mostram, por exemplo, a implementação de sistemas de proteção ligados ao preço do combustível.

“Poderíamos ter coisas similares contra apagão, desmoronamentos e seca”, disse ele.

A Terra Brasis faz alguns estudos de mapeamento de desastres naturais no Brasil e disponibiliza os resultados para o mercado.

Botti lembrou que os desastres que costumam atingir o país são muito diferentes dos que ocorrem com maior frequência no resto do mundo, como os terremotos e furacões.




Lei Anticorrupção pode falhar em casos menores, diz expert

A investigação de casos de corrupção de menor porte pode ser prejudicada por uma falha na Lei Anticorrupção, segundo um especialista em investigações empresariais.

Segundo Marcelo Correia, diretor sênior da consultoria multinacional de riscos Kroll, a lei centraliza a investigação de supostos atos ilícitos na autoridade máxima do órgão onde as irregularidades teriam ocorrido. Isso pode gerar conflitos de interesse e evitar que as investigações progridam, por exemplo, em municípios de menor porte.

“Vamos imaginar uma suspeita de negócio escuso num município do interior qualquer. Qual é a chance de que o prefeito ou seus assessores diretos não tenham tido conhecimento do caso? Que interesse essa autoridade máxima terá em conduzir uma investigação e eventualmente punir alguém?”, alertou Correia durante um painel sobre compliance e gestão de riscos no Global Risk Meeting 2015, evento realizado nos dias 11 e 12 de setembro em São Paulo.

Ele ressaltou que cabe a essa mesma autoridade máxima receber a denúncia de ilícitos, e que como resultado “isso pode ser muito prejudicial” às investigações.

O especialista afirmou que a lei tem um bom arcabouço jurídico, mas difere neste ponto de leis similares dos Estados Unidos e Reino Unido, que centralizam a investigação num único órgão. “Com um órgão centralizador, talvez tivéssemos mais eficácia, até por uma questão de especialização e coerência das decisões”, afirmou Correia.

Como se trata de um legislação nova, no entanto, ele considera que será preciso tempo para averiguar até que ponto essa questão poderá prejudicar a aplicabilidade da lei.

O especialista deixou claro que o problema, se existir, estará ligado aos municípios menores. “Acredito que para os grandes casos de corrupção isso não será um óbice”, afirmou, ressaltando que, nestes casos, os elos envolvidos numa eventual fraude são mais numerosos.

Ele também analisa que a nova lei já viabilizou “avanços interessantes”, como os recentes acordos de leniência no âmbito da Operação Lava Jato.

“A Lei Anticorrupção brasileira é inspirada no que há de mais avançado em combate à corrupção”, disse ele. “Mas ainda estamos na fase de testes. Temos de ver na prática se os conflitos de interesse vão prejudicar sua eficácia. Não adianta ter uma lei boa que fique só no papel.”




Estigma do dedo-duro é obstáculo a programa de denúncia nas empresas

A implementação de um canal de denúncias eficiente enfrenta dificuldades práticas e até mesmo culturais que devem ser levados em consideração pelas empresas.

Entre os primeiros, está a garantia do anonimato dos denunciantes. Já o aspecto cultural se reflete na estigmatização da figura do denunciante na sociedade brasileira.

“O anonimato é um elemento importante para garantir o sucesso do canal de denúncias”, diz Cassiano Machado, sócio-diretor da ICTS Protiviti.

Os especialistas na área dizem que nem todos os denunciantes buscam o anonimato, mas a possibilidade de não ser identificado reduz os obstáculos à realização de uma denúncia.

”O anonimato deve ser oferecido”, afirma Wagner Giovanini, diretor da Compliance Total. “A experiência mostra que a maioria das denúncias (mais de 85%) são anônimas. Principalmente nos primeiros anos, as pessoas ficarão receosas de fazerem denúncias e serem identificadas. Quantas pessoas ligariam para reclamar de seus chefes sabendo que serão identificadas?”

Nos programas geridos pela ICTS, 70% das denúncias são anônimas, segundo Machado. Uma preocupação comumente expressada pelas empresas é que escudo do anonimato pode acabar motivando denúncias sem cabimento ou motivadas por vinganças pessoais ou outros motivos mesquinhos. Mas Machado diz que isso pode ser peneirado através do tratamento dado às informações recebidas.

“Anonimato não significa perda de qualidade da informação”, diz ele. “Por meio da interação como denunciante e da análise inicial que é feita ao se receber a denúncia permite recolher elementos que indicam se a denúncia de fato é relevante.”

Dedo-duro
Já o estigma de ser visto como dedo-duro pelos colegas de trabalho é um obstáculo considerável ao funcionamento de hotlines de denúncia, especialmente em um país como o Brasil, onde a figura do alcagueta é amplamente deplorada.

A miopia cultural foi ilustrada pela própria presidente Dilma Rousseff, quando afirmou que não respeitava denúncias feitas por delatores. Mas o caso da presidente também reflete a profundidade do problema, já que a figura do dedo-duro em tempos do regime militar era vilipendiada pelas pessoas que militavam pela volta da democracia.

Mas os especialistas acreditam que isto está mudando, em outro efeito salutar da Operação Lava Jato.

“A barreira mental existe, mas está cada vez mais perdendo força, até em um reflexo do contexto atual da nossa sociedade”, diz Machado. “As pessoas estão entendendo que sinalizar discordância com uma situação que elas consideram errada pode ser feito e gera retorno. A situação em que o próprio denunciante vê a si mesmo como um dedo-duro que está deslocado em relação às pessoas com quem convive está mudando.”

Por sua vez, Giovanini afirma que este é um ponto que deve ser abordado pela empresa na hora de explicar como funciona e a que se presta o canal de denúncias.

“Ninguém quer ser identificado como ‘dedo-duro’. Isso é verdade e precisa ser desmistificado desde o momento da implementação do canal”, afirma. “As campanhas iniciais e a comunicação regular precisam abordar esse tema de forma direta e positiva, com o intuito de esclarecer que o uso do canal não se configura em ‘dedurar’ alguém. Essa é uma obrigação do funcionário com a empresa que lhe paga o salário.”

“Além disso, não utilizar o canal de denúncia, caso saiba de algum desvio, pode colocá-lo como conivente ou participante desse desvio”, continua Giovanini. “Sem contar que essa atitude pode lhe imputar riscos às sanções previstas pela empresa, pois, numa investigação, a pessoa que não fez a denúncia pode ser confundida com os infratores.”

Incentivos
As barreiras à realização de denúncias podem levar empresas em considerar a possibilidade de oferecer incentivos a potenciais denunciantes.

Nos Estados Unidos, por exemplo, ganha força a ideia de se oferecer premiações em dinheiro para funcionários que soem o alarme para irregularidades que podem causar grandes prejuízos para a empresa.

A prática já é utilizada por atores externos, como a SEC, entidade reguladora dos mercados de capitais, que oferece recompensas a funcionários que denunciem irregularidades cometidas por suas próprias empresas.

Nos Estados Unidos, aliás, o papel do denunciante é de forma amenizado pela expressão utilizada para qualificá-lo, “whistleblower”, ou “tocador de apito” – algo bem menos carregado de conotações negativas do que o brasileiro “dedo-duro”.

No Brasil, porém, especialistas acreditam que as empresas podem utilizar o bem comum como um argumento potente a favor dos canais de denúncia.

“O incentivo à utilização dos canais devem ser amarrados à melhoria e o fortalecimento do ambiente de trabalho na organização”, afirma Machado.

“É preciso fazer a devida sensibilização para que se compreendam os benefícios advindos de um canal como esse. Além de prevenir, proteger a empresa e detectar desvios, essa iniciativa beneficia também as pessoas”, diz Giovanini.

“A identificação de desvios permite à empresa excluir ou demitir as pessoas que agem de má-fé, permitindo assim melhores condições para quem age com boa-fé (que normalmente, são a grande maioria). Há uma melhoria no ambiente de trabalho, uma redução dos riscos de penalização da empresa e, consequentemente, maior proteção do empregos dos funcionários, e contribui-se com a ética e integridade, refletindo inclusive na sociedade como um todo.”




Embalados por Lava Jato, canais de denúncias ganham força nas empresas

Cassiano Machado, diretor ICTS Protiviti.
Cassiano Machado, diretor ICTS Protiviti.

Os danos legais, financeiros e de reputação causados a empresas brasileiras por suposto envolvimento em casos de corrupção estão levando um número cada vez maior de organizações a implementar canais de denúncias para o uso de funcionários e outros colaboradores.

Na ICTS Protiviti, consultoria especializada em gestão de riscos e compliance, o número de consultas sobre o tema em 2015 é 40% maior do que dois anos atrás, de acordo com a companhia. Outras empresas do setor também estão observando um significativo aumento no interesse pelos canais de denúncia.

As repercussões da Operação Lava Jato sobre a saúde financeira de algumas das maiores empresas brasileiras e cenas de altos dirigentes empresariais indo para a cadeia como resultado de irregularidades são alguns dos motivos por trás do crescimento, segundo especialistas.

“Os riscos são, de fato, enormes e isso vem chamando a atenção das empresas”, afirma Wagner Giovanini, diretor da consultoria Compliance Total, sediada em Porto Alegre.

“Diante desse cenário, houve um aumento significativo de empresas interessadas na construção de mecanismos de integridade, como forma de prevenção e proteção contra todos esses riscos. Como os canais de denúncias representam uma das ferramentas mais eficazes na detecção de ilicitudes dessa natureza e desvios de conduta em geral, a procura para a sua implementação também tem aumentado.”

Eficiência
Os canais de denúncia ganham força nas organizações porque se apresentam como a forma mais eficiente para uma empresa tomar conhecimento de atividades ilícitas ou comportamentos antiprofissionais por parte de funcionários e executivos.

Dados da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE),  uma associação internacional de profissionais de combate às fraudes empresariais, mostram que mais de 40% das fraudes descobertas por empresas em todo o mundo são originadas de denúncias, metade das quais feitas por funcionários. Os dados da associação também indicam que empresas que possuem hotlines dedicadas especialmente às denúncias recebem um número bastante maior de informações do que as que não as possuem.

Além disso, a Lei Anticorrupção, ou Lei da Empresa Limpa, que entrou em vigor em janeiro de 2014, estabelece que a existência de tais canais é um requisito necessário para provar que uma empresa está fazendo todo o possível para reduzir o risco de acabar envolvida em um caso de corrupção.

Os mesmos canais de denúncia também podem ser disponibilizados para o relato não só de casos de corrupção, mas também de assédio no ambiente de trabalho, fraudes contábeis e outros temas que podem trazer sérias dores-de-cabeça para a companhia.

Soluções capengas
Os especialistas alertam, no entanto, que, para ser eficientes, os canais de denúncias precisam seguir uma série de requisitos que vão muito além da criação de uma linha telefônica dedicada ao tema.

Por exemplo, a visão paternalista vigente em muitas empresas, especialmente as familiares, de que os funcionários devem confiar nos chefes e procurá-los sempre que houver necessidade não incentiva os funcionários a reportar irregularidades.

“A empresa deve assegurar total confidencialidade no tratamento das informações”, afirma Giovanini. “Portanto, qualquer possibilidade de identificação do manifestante deve ser eliminada. Por exemplo, é totalmente não recomendável manter um telefone na mesa de um diretor para receber denúncias, pois isso pode gerar a dúvida que o número de quem discou será rastreável ou poderá haver reconhecimento da voz.”

Também não vale ser mão-de-vaca e tentar cumprir os requisitos da lei com soluções capengas.

“Há empresas que montam ‘caixinhas’ pelas fábricas, restaurante e recepção, esperando que funcionários a utilizem para fazer denúncias”, diz Giovanini. “Isso não funciona. Perde-se rapidamente a credibilidade e acaba promovendo a cultura de ‘fazer só para inglês ver’.”

De fato, cada vez mais se consolida a ideia de que os canais de denúncia devem ser administrados por entidades terceirizadas. Por exemplo, em uma contribuição a um fórum da Harvard Law School sobre o tema publicado no ano passado, o advogado americano Bill Libt observa que os empregados tendem a confiar mais em hotlines administradas independentemente do que do que naquelas manejadas pela própria companhia.

Hotlines
As chamadas hotlines constituem justamente as principais ferramentas utilizadas pelos canais de denúncia implementadas por empresas.

Elas podem ser disponibilizadas tanto por telefone quanto por meio do site da empresa (clique aqui para ver um exemplo de hotline em um website empresarial).

Para funcionar, porém, o hotline precisa ser claramente identificado, e suas funções, explicadas com clareza a funcionários, clientes e fornecedores. “É importante que o sistema não se confunda com outros canais que a empresa possui, como o de atendimento ao cliente”, afirma Cassiano Machado, sócio-diretor da consultoria paulistana ICTS Protiviti.

“É crucial para o sucesso que a empresa faça uma ampla comunicação e sensibilização, enfatizando cada um dos tópicos acima e dando a todos os caminhos possíveis para que as pessoas possam fazer suas manifestações”, diz Giovanini. “Os públicos com acesso não devem ser somente os funcionários. Isso deve estar aberto aos fornecedores, parceiros comerciais, clientes e sociedade em geral.”

Além disso, deve dar o menos trabalho possível para o denunciante, diz Machado, a fim de não criar obstáculos extras à execução de uma decisão que muitas vezes não é fácil de ser tomada.

“A maneira de registro da denúncia deve ser simples e facilitada”, explica. É por esse motivo que um endereço de e-mail dedicado a receber denúncias não funciona, pois, para garantir seu anonimato, o denunciante necessitaria antes criar um e-mail falso para enviar a informação.

Uma linha 0800, que não implica custos para o denunciante, e um formulário online são portanto as duas maneiras mais indicadas para implementar o canal.

“O canal deve estar à disposição 24 horas por dia e 7 dias por semana, pois na prática mais da metade das denúncias são feitas fora do horário de expediente”, diz Giovanini. “Algumas estatísticas apontam números na casa dos 60%.”

Consequente
Depois que o canal está aberto, a empresa precisa lidar com as denúncias recebidas. Mais do que isso, é necessário deixar claro que elas estão sendo levadas a sério.

De um ponto-de-vista mais prático, a empresa deve oferecer uma maneira de o denunciante seguir o desenvolvimento do caso sem comprometer sua confidencialidade.

“O registro da denúncia deve gerar um número de protocolo para o denunciante”, diz Machado. “Com esse número, ele consegue acompanhar o status da apuração da denúncia. Ele pode saber se a empresa precisa de mais informações dele ou se a apuração foi finalizada.”

A empresa também precisa se comprometer formalmente, por meio por exemplo de seu código de ética, de que as denúncias serão tratadas com a devida seriedade.

“Deve haver um compromisso da empresa em apurar 100% das denúncias”, diz Giovanini. “Com isso, jamais alguém pode ter acesso ao sistema e ter a possibilidade de apagar alguma manifestação. Então, segue mais uma recomendação fundamental: um canal de denúncia externo e profissional representa a melhor solução.”

“Adicionalmente, a empresa deve se comprometer em, uma vez apurada e confirmada uma denúncia, haverá consequência, independentemente do nível hierárquico do envolvido”, continua o especialista. “A credibilidade do canal será construída paulatinamente. Se as pessoas tiverem a percepção de que a empresa não atua como deveria, certamente, esse canal cairá em desuso.”

Melhor de tudo é que os funcionários sejam capazes de ver os resultados positivos das denúncias, quando elas de fato têm fundamento. O afastamento de um assediador ou fraudador, a mudança de comportamento de um chefe grosseiro ou a interrupção de atividades de legalidade duvidosa são alguns exemplos de resultados concertos de um canal de denúncias.

Ouvido amigo e preparado
Um tema importante é quem vai receber a denúncia e manter contato com os denunciantes, especialmente quando eles exigem anonimato.

Empresas prestadoras de serviço na área empregam profissionais com nível superior e que passam por treinamento especial para estar no outro lado da linha telefônica. Muitos dos profissionais são formados em psicologia, e advogados prestam assessoria na avaliação das denúncias recebidas.

Os canais de denúncia também têm repercussões legais, especialmente no que diz respeito ao direito à privacidade de denunciantes e denunciados. Um complicador especialmente para companhias com atuação no exterior e que implementam seu programa de forma global.

Na França, diz Machado, denúncias anônimas só são válidas perante a lei quando se referem a questões contábeis da empresa. Para denunciar o comportamento de um colega ou chefe, é necessário que o denunciante se identifique. A legislação de proteção de dados pessoais é especialmente estrita em lugares como a União Européia e exigem cuidado em dobro na hora de manejar as informações.

Machado explica que o treinamento dos atendentes também visa a desenvolver habilidades de interação que ajudam a estabelecer o grau de credibilidade da denúncia, por exemplo determinando o nível de conhecimento real que o denunciante possui sobre o fato. Uma coisa é a pessoa ter presenciado uma irregularidade pessoalmente; outra é ter ouvido falar do caso por uma terceira fonte.




Consultoria sugere 8 passos para satisfazer 16 demandas da lei

Os parâmetros que serão utilizados pela Justiça para avaliar a efetividade de um programa de compliance, em um eventual caso de corrupção, são detalhados no Decreto 8.420, de março deste ano, um dos artigos complementares da Lei Anticorrupção.

São 16 itens que vão desde o comprometimento da diretoria com as boas práticas de negócio até a avaliação periódica de riscos, o treinamento de funcionários, a supervisão de parceiros comerciais e a transparência de doações políticas.

A fim de contemplar todos os parâmetros, a consultoria ICTS propõe um programa de oito passos para a implementação do programa de compliance.

Em entrevista à Risco Seguro Brasil, o sócio-diretor Mauricio Reggio e o gerente executivo de Compliance, Fabio Haddad, explicaram cada um destes pontos:

1. Avaliação dos Riscos
A identificação dos riscos a que a empresa está envolvida em áreas como a relação com agentes públicos e corrupção é o ponto-de-partida de um programa de compliance eficiente.

“Este mapeamento depende da organização, do setor e da cultura da empresa”, disse Reggio. “É o trabalho que vai trazer as informações necessárias para implementar os outros passos do programa.”

2. Comprometimento com a cultura de compliance
A alta direção deve abraçar de forma enfática os princípios éticos e a cultura de compliance da organização, com o objetivo de reforçar a conscientização da responsabilidade coletivo no interior da empresa.

“A existência de mecanismos e controles por si só não vai fazer com que as pessoas sigam as regras”, explicou Reggio. “A implantação da cultura ética de negócios passa por treinamento, por exemplos dados pela administração e pelo fortalecimento da comunicação no dia-a-dia.”

3. Alocação de patrocínio e recursos 
Um programa de compliance necessita o apoio pessoal qualificado para lidar com o tema, como, por exemplo, gestores de riscos. Essas funções necessitam ter um peso institucional significativo o suficiente para se fazerem ouvir pelo resto da empresa.

Também requer ferramentas para realizar tarefas o mapeamento de riscos, monitoramento do programa e outras atividades. Isso tudo custa dinheiro. Mas a necessidade de criar um departamento específico para lidar com o compliance depende de fatores como o tamanho da empresa, segundo Haddad.

4. Elaboração de um código de conduta ética, políticas e procedimentos
Não vale simplesmente colocar na internet um documento repleto de boas intenções. O código de ética deve refletir as circunstâncias particulares da empresa e definir de forma clara as condutas aprovadas pela companhia, por exemplo, na relação com o setor público.

Órgãos como uma ouvidoria podem ser designados com a função de averiguar que o código de conduta não está ficando só no papel.

5. Monitoramento de terceiros
Uma das inovações da Lei Anticorrupção, segundo Reggio, é a possibilidade de responsabilização de empresas por atos irregulares cometidos por seus parceiros comerciais. Este é o ponto contemplado pelo anúncio feito pela Petrobras na semana passada sobre o aumento de rigor na seleção de fornecedores. (Clique aqui para saber mais.)

Reggio diz que a ICTS, por exemplo, realiza o trabalho de Due Diligence sobre fornecedores de seus clientes como uma análise de vários níveis sobre a reputação da companhia em questão, incluindo desde a compilação de informações publicadas na mídia nacional e internacional até a realização de auditorias.

Questionários também são submetidos às empresas avaliadas com questões a respeito de suas práticas de negócios.

6. Implementação de controles internos e monitoramento contínuo
“Controles internos não são uma novidade no mundo corporativo. Mas o que se busca é ter controles que de fato são efetivos”, afirmou Reggio.

O monitoramento também vai além do trabalho tradicional de uma auditoria periódica. “É preciso definir, a partir do mapeamento de riscos, quais são os pontos que, do ponto-de-vista do compliance e com ênfase em corrupção, merecem ser acompanhados de uma forma contínua”, disse o sócio-diretor da ICTS.

7. Comunicação e programas de treinamento
As novas regras de combate à corrupção incluem uma análise dos treinamentos recebidos por todos os níveis da empresa como um dos elementos de avaliação do programa de compliance.

“É importante não só realizar os treinamentos, mas também guardar o registro deles”, explicou Haddad. Isso porque a documentação dos esforços realizados pela empresa neste sentido é vital para mostrar às autoridades que a empresa está engajada em evitar irregularidades.

“Não adianta ter uma política de ética e não treinar os funcionários”, disse Haddad, acrescentando que os treinamentos devem ser reforçados periodicamente.

Outro recurso é a criação de canais de informação, on-line ou telefônicos, por meio dos quais os funcionários podem solucionar suas dúvidas a respeito de práticas de negócios que podem estar em conflito com as boas práticas da empresa.

8. Criação de um canal de denúncias
Um dos aspectos mais espinhosos de um programa de compliance é a necessidade de criar canais para funcionário, fornecedores e outros stakeholders denunciarem eventuais más práticas cometidas no interior da empresa ou por parceiros de negócios.

Tais canais precisam ir muito além de uma simples linha hotline, já que funcionários podem se sentir inseguros em denunciar colegas ou chefes, caso não tenham uma garantia de que serão protegidos de represálias.

Haddad sugere que um canal de denúncia externo, administrado por uma empresa terceirizada, tem vantagens neste aspecto. Além disso, diz ele, companhias especializadas em investigações corporativas possuem mais recursos do que uma empresa normal para avaliar a veracidade de uma denúncia e realizar as investigações que se considerarem pertinentes.

Em seu recente anúncio de medidas de compliance, a Petrobras também disse que está contratando uma empresa especializada na coleta e avaliação de denúncias.