Caso Fifa ilustra alcance global do risco de corrupção
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- Rodrigo Amaral
- 30 de maio de 2015
- Sem categoria
Gestores de riscos corporativos devem ficar muito atentos a uma sigla forte, que começa com "F" e não tem nada a ver com futebol: FCPA
No maior escândalo do futebol mundial, a sigla que começa com a letra “F” a que as empresas devem prestar muita atenção não é “Fifa”. Muito mais relevante para os gestores de riscos corporativos, ainda que bem menos conhecida, é “FCPA”.
O acrônimo remete ao “Foreign Corrupt Practices Act”, ou Lei de Práticas Corruptas no Exterior, utilizada pelas autoridades americanas para processar empresas corruptas em praticamente qualquer parte do mundo.
São as regras da FCPA que permitiram ao Departamento de Justiça (DoJ) e à receita americana (IRS) abrir os casos contra José Maria Marin e outros suspeitos de corrupção na maior entidade do futebol mundial, cuja sede fica na Suíça. A lei estabelece que as autoridades têm poder de investigar fora dos Estados Unidos atos de corrupção cometidos por qualquer empresa que tenha algum vínculo com o país.
Considerando que os norte-americanos são o centro das finanças globais e o maior mercado do mundo para uma infinidade de produtos, a chance de que alguma companhia de relevância não se enquadre em tal critério é virtualmente nula.
As ações de sua empresa são negociadas na Bolsa de Nova York? Cuidado com o FCPA.
Sua empresa tem uma conta offshore no estado de Delaware, um paraíso fiscal? As autoridades americanas podem se interessar por vocês.
A companhia tem um agente comercial nos Estados Unidos? E um outro que trabalha num país distante se envolve em um caso de corrupção graúdo? Então ela está ao alcance da Justiça americana, anabolizada pelo FCPA.
Poder universal
Críticos dizem que a jurisdição praticamente universal criada pelo FCPA faz com que o poder americano seja utilizado para fins comerciais. É uma acusação comumente levantada, por exemplo, por empresas francesas, que em vários mercados internacionais se encontram em competição acirrada com rivais americanas.
Uma evidência disto seria o fato de que das dez maiores condenações realizadas com base no FCPA até hoje, apenas duas envolvem empresas dos Estados Unidos. Os críticos também observam que lobbies empresariais possuem um grande poder de influência em Washington, especialmente durante o ciclo eleitoral, e que assim podem pressionar pela abertura de casos que os beneficiam indiretamente.
Além disso, as autoridades dos Estados Unidos têm mostrado tendência a priorizar casos com potencial midiático, que valorizam a imagem dos investigadores responsáveis — como o escândalo na Fifa é exemplo. Mais de um crítico notou nos últimos dias que não é rara a migração de oficiais do DoJ ou do IRS para escritórios de advocacia em Nova York ou Washington em troca de salários milionários.
Propinas e multas
Com esses elementos em mente, vale a pena prestar atenção na quinta maior multa já aplicada sob a égide do FCPA.
Dois anos atrás, a francesa Total aceitou pagar US$ 398 milhões de multa para encerrar um caso em que era acusada de pagar propinas a membro do governo do Irã a fim de ter acesso a campos de exploração de gás e petróleo.
Alguém consegue citar o nome de outra empresa de renome mundial que atua no setor de petróleo, possui interesses nos Estados Unidos e está envolvida em um caso de corrupção em país emergente, onde o pagamento de propinas mostrou-se generalizado?
Acertou quem pensou na Petrobras.
Desdobramento da Petrobras
Especialistas americanos em investigações feitas sob o FCPA disseram à Risco Seguro Brasil que ficarão muito surpresos se as autoridades americanas não abrirem seu próprio processo sobre o escândalo da petrolífera brasileira.
É bem provável, afirmaram eles, que informações já estejam fluindo entre órgãos dos dois países. Questionado sobre isso, o Ministério Público Federal brasileiro não se pronunciou. Mas caso os norte-americanos fiquem satisfeitos com os resultados do trabalho feito pelo MPF do Brasil, podem utilizar as evidências para acelerar seus próprios processos.
As consequências nesse caso poderiam ser gigantescas não só para a Petrobras, mas também para outras empresas e executivos envolvidos na Operação Lava-Jato.
E o gestor de risco?
O que esses casos trazem de conclusões para os gestores de risco brasileiros? O mais evidente deles é que o risco de uma empresa enfrentar processos devastadores por causa de corrupção é hoje muito maior do que era antigamente.
Afora todo o potencial de danos domésticos revelados pela Operação Lava-Jato, as investigações nos Estados Unidos podem resultar em multas imensas (a Siemens alemã, por exemplo, já pagou uma de US$ 800 milhões), suspensão de atividades, prisão de executivos e confisco de bens, tanto da companhia quanto de seus diretores.
E esse pode ser o impacto apenas com as ações dos Estados Unidos. Outros países importantes para os negócios globais, como o Reino Unido, têm suas próprias versões do FCPA. Alguns acabaram de adotar leis similares. Um exemplo: o Brasil. A Lei Anticorrupção recentemente editada pelo governo também atribuiu uma forma de jurisdição universal às investigações.
Além disso, uma organização pode ter sua reputação seriamente abalada e encontrar dificuldades para trabalhar com parceiros comerciais confiáveis no futuro. Também pode ser julgada com base no FCPA mesmo que não tenha pago propina diretamente. Ela poderá ser enquadrada caso, por exemplo, faça parte de um grupo de empresas que ganhou uma licitação pública em uma concorrência “azeitada” por um de seus sócios no negócio.
Fuga de patrocinadores
A provável fuga de patrocinadores da Fifa ilustra bem os riscos. Como a Nike vai lidar com o fato de estar diretamente associada à entidade, que agora aparece ostensivamente na mídia ligada a corrupção? Ainda que a marca esportiva não seja citada nos processos do DoJ e do IRS, este ponto já está evidência, como mostra o “desaparecimento” dos patrocinadores do tradicional painel de publicidade durante coletiva do atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, na sexta (29/5).
O argumento de que sem pagar propina não se viabiliza negócios no Brasil também perde força. Especialistas dizem que o benefício a curto prazo deste tipo de prática é anulado pelo alto risco de sumiço sumário ou de grande enfraquecimento de uma empresa – o que seria o maior desserviço possível para seus acionistas.
Como observou recentemente a este repórter o especialista francês Gilles Hilary, da escola de negócio Insead, de Paris: “Se o modelo de negócio da empresa se baseia no pagamento de propinas, ela tem um problema sério nas mãos”.
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