Novo programa com velhas lideranças compromete credibilidade do compliance da Odebrecht
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- Rodrigo Amaral
- 23 de dezembro de 2016
- Sem categoria
Líderes da nova fase são insiders que já estavam no grupo quando foi implementado esquema de corrupção "sem paralelos"
A divulgação dos detalhes a respeito do acordo da Odebrecht e da Braskem com as Justiças do Brasil, Estados Unidos e Suíça espantam pelos valores (R$ 6,8 bilhões em multas) e alguns detalhes pitorescos como a tentativa de subornar o primeiro-ministro de um país soberano.
A ideia do grupo Odebrecht com o fechamento do acordo é virar uma página negra de sua história e “sobreviver” ao mar de lama em que seu nome está envolvido.
Para tanto, anunciou em páginas inteiras dos jornais que está investindo em uma total reformulação de sua governança, programas de compliance, canais de denúncia e outras medida recomendadas pelos manuais de governança corporativa.
A intenção é, principalmente, acalmar investidores e credores, além de tentar convencer as autoridades de que a empresa tem condições de ganhar projetos públicos de maneira limpa.
A pergunta é, será que este esforço vai funcionar? Para que isso aconteça, a empresa deve escolher, para comandar as iniciativas de compliance, líderes capazes de mudar a forma de trabalho de uma empresa que, nas palavras do juiz Sergio Moro, adotou a “corrupção como modelo de negócio”.
Para que a mudança seja efetiva, esses líderes devem ter não só um conhecimento técnico dos programas de compliance, mas também estar desvinculados das práticas que prevaleceram na empreiteira durante décadas.
Mas as escolhas da Odebrecht transmitem pouca confiança em sua vontade mudança, pois tratam-se de insiders que estavam em posição de fazer algo quando as más práticas estavam a todo vapor.
De certa maneira, é como se, para recuperar a Seleção Brasileira de futebol, a CBF houvesse contratado, ao invés do vitorioso Tite, um técnico acostumado a levar suas equipes à Série B do Brasileirão.
Forrest Gump
As medidas anunciadas pela Odebrecht até agora esbarram na falta de credibilidade de uma empresa que já possuía um programa de compliance bastante colorido durante o período em que as irregularidades apuradas pela Lava Jato foram cometidas.
Já comentamos que o canal de denúncias, por exemplo, estava no ar no tempo em que a empresa era presidida por um membro da família Odebrecht que publicamente desprezou o papel dos delatores de irregularidades.
Para reverter a expectativa de que mais uma vez este papo todo não vai ficar só no papel, é necessário um rompimento completo com a situação anterior. Mas as pessoas indicadas não parecem ter o perfil necessário para cumprir esta complicada tarefa.
Tome-se como exemplo Sérgio Foguel, o membro do conselho escolhido para comandar a mudança dos sistemas de conformidade de grupo que anda em todos os jornais anunciando que a empresa vai abraçar o caminho da legalidade.
Foguel tem um currículo invejável de várias décadas de trabalho no mercado, com responsabilidades sobre o setor de governança no conselho de uma grande corporação brasileira.
O problema? Essa corporação é a própria Odebrecht, cujo sistema de governança, hoje sabemos, não passava de uma piada de mau gosto.
Ao Valor Econômico, Foguel disse que a participação da Odebrecht nos processos eleitorais não era responsabilidade do conselho, indicando que não sabia das irregularidades.
Um argumento difícil de engolir. Caso o executivo tivesse lido os jornais nas últimas quatro décadas em que esteve trabalhando na Odebrecht, teria sabido de inúmeras notícias ligando o nome da empresa a práticas ilegais.
Nem Forrest Gump teria condições de alegar desconhecimento de que algo estava errado no grupo, que, lembremos, tinha um sistema de corrupção de agentes públicos comandados por seus mais altos executivos e que foi qualificado como “sem paralelos” pela Justiça americana.
Como membro do conselho, tinha responsabilidade de levantar a lebre nas reuniões com Emilio e Marcelo Odebrecht. Se não o fez, faltou com sua responsabilidade conselheiro. Como poderia agora implementar um delicado programa de mudança de cultura de uma empresa que fez do desrespeito às regras sua principal vantagem competitiva?
Esforço lampedusiano
O mesmo vale para a escolha de Chief Compliance Officer feita pelo grupo. Para comandar a implantação de um novo sistema de compliance, agora para valer de acordo com o discurso da empresa, a Odebrecht chamou Olga Pontes, uma executiva com forte experiência em uma área onde escasseia a mão-de-obra qualificada no Brasil.
Mas a indicação de Pontes também esbarra em um problema de credibilidade por um fato muito simples: sua experiência como CCO foi acumulada na Braskem.
Segundo o Departamento de Justiça americano, a Braskem não só estava envolvida em todo tipo de picaretagem, mas também foi extremamente resistente a colaborar com as investigações. Só mudou de ideia quando teve seu braço torcido por fatos irrefutáveis.
Então é justo concluir que o sistema de compliance da Braskem deveria ser algo risível. E ele foi comandado nos últimos sete anos pela nova CCO do grupo Odebrecht.
A ideia de implementar sistemas de conformidade é transmitir aos investidores, autoridades e opinião pública a mensagem de que, agora sim, as empresas vão fazer a coisa certa, sem mais papo-furado. Mas a liderança apontada pela Odebrecht indica que a vontade de realizar mudanças radicais é bastante limitada.
Todo mundo torce para que, com o tempo, Foguel e Pontes revertam a percepção inicial e façam um grande trabalho na empresa que fechou o maior acordo motivado por corrupção da história da humanidade.
Ajudaria se os dois executivos viessem a público explicar porque seus esforços anteriores deram com os burros n’água e o que farão diferente desta vez.
Mas sua presença em cargos chave lembra muito mais a sabedoria siciliana eternizada por Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “Às vezes é preciso mudar para que nada mude”.
Evidência disso é que, ao Estadão, Foguel disse que ainda não se sabe se os dois Odebrecht delatores (Marcelo e Emilio) voltarão ou não à empresa.
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