Com avalanche de problemas, Rio 2016 repete erros, diz especialista
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- Oscar Röcker Netto
- 4 de agosto de 2016
- Sem categoria
Para Ênio Bonafé, falhas eram “previsíveis" dada a cultura de gestão de obras públicas no Brasil, mas é importante que país aprenda com a Olimpíada
O sinal de alerta piscou em abril, três meses e meio antes da abertura da Olimpíada do Rio, quando parte da recém-inaugurada ciclovia Tim Maia desabou com o impacto das ondas e matou duas pessoas. Localizada num ponto privilegiado da orla carioca, a novidade era considerada um dos (muitos) cartões postais da cidade para o evento. Acabou virando um exemplo funesto de má gestão de riscos nas obras públicas.
O sinal passou a piscar mais intensamente nas últimas semanas. A Rio 2016 gerou uma avalanche de notícias negativas na imprensa nacional e internacional. Não se trata, no entanto, de uma exclusividade brasileira. Para analisar o que chamou de “desastre de relações públicas”, o jornal Valor Econômico citou um estudo que analisa o comportamento da mídia norte-americana na cobertura das Olimpíadas, incluindo Moscou (1980), Seul (1988), Barcelona (1992) e Pequim (2008). A praxe revelou noticiário majoritariamente negativo antes dos eventos e mais positivo ou neutro durante.
A execução da Rio 2016, entretanto, tem gerado tantos problemas que causou uma reviravolta na política do Comitê Olímpico Internacional (COI). Até então disposto a ampliar a lista futura de cidades sede, o comitê tende agora a eliminar locais que apresentem quaisquer “sinais de instabilidade” por conta de “condições que podem ser voláteis nos países em desenvolvimento”, de acordo com The Wall Street Journal. Segundo o jornal, para os dirigentes do COI, a tarefa de deixar o Rio de Janeiro pronto para os Jogos Olímpicos tem sido “às vezes quase calamitosa”.
As falhas de planejamento e execução de obras e serviços comprometem a imagem pré-evento, mas, a exemplo do que ocorreu na Copa do Mundo de 2014, a situação pode ser revertida — caso tudo funcione bem, os problemas “somem” no tempo. E a tendência como já se vê com o iminente início do jogos é que o clima positivo, com o início das competições, preparação para as provas, estrelas em ação, festas das torcidas pela cidade, tome conte do público em geral.
Aprendizado
Para Ênio Bonafé, coordenador do MBA de Gestão de Riscos da Fipe e professor na Fipecafi, no entanto, será um grande erro desperdiçar mais uma chance de aprender com os problemas e melhorar a gestão das obras públicas no país. Segundo ele, este é o principal ponto falho das Olimpíadas brasileiras até agora, responsável pelo maior naco dos R$ 39,1 bilhões de custo total do evento.
A execução de um orçamento deste tamanho registrou por enquanto uma já extensa lista de problemas: obras entregues em cima da hora; apartamentos sem estrutura completa, alagados, com fiação a mostra e cheiro de gás na Vila Olímpica; falta de licitação em contratos; trabalhadores (emergenciais) contratados irregularmente; contratação, e posterior exclusão, de empresa inexperiente para fazer vistoria do público; incapacidade de despoluir da baía da Guanabara… Situações que foram complementadas pela desistência de atletas temerosos do vírus zika e declarações preocupantes de autoridades sobre o risco de terrorismo.
Para o professor, os problemas nas obras olímpicas nem sequer podem ser considerados uma surpresa. “Era mais ou menos previsível; obra inacabada é uma realidade do país”, disse ele a Risco Seguro Brasil. “A gestão de contratação de obras públicas é muito precária.”
Segundo Bonafé, não faltam leis para melhorar a situação, mas sim prestação de contas adequada. “O termo técnico que a gente usa para isso é accountability, prestação de contas com responsabilização”, diz. “Por que a Lava Jato está fazendo tanto ‘sucesso’ entre a população? Porque ela está pondo os agentes envolvidos nos processos de corrupção para prestar contas à sociedade.”
O ovo da serpente
Para o professor, como início das competições o foco natural fica no evento em si, mas depois seria preciso chamar os agentes públicos às falas. “Não é porque o evento vai ser bonito e legal que dá para esquecer dos problemas, senão só estaremos gestando novos problemas para o futuro”, avalia. “Tem de arrumar a casa.”
Reforça a preocupação de Bonafé o fato de que há pouco tempo a Copa do Mundo de futebol registrou questões similares às das Olimpíadas, com orçamentos estourados e falta de planejamento para uso do “legado”. “Como que dois anos depois não conseguimos corrigir os erros?”, questiona. “Corremos o risco de esquecer de novo.”
Bonafé entende que é necessário melhorar os instrumentos de cobrança das responsabilidades pelas obras. “Não dá para depender só com a memória popular ou da mídia”, diz. “É preciso ter mecanismos que funcionem independentemente das boas intenções.”
Nesse sentido, ele diz que uma Proposta de Emenda Constitucional em tramitação no Senado pode vir a calhar. Trata-se da PEC 40/2016, que versa sobre os Tribunais de Contas (da União e dos estados), responsáveis por fiscalizar a gestão pública.
“O Tribunal de Contas da União parece que não tem funcionado adequadamente por falta de previsão legal das suas atribuições”, afirma. “Agora, na onda da Lava Jato, a PEC traz mais concretude ao processo de cobrança pelo TCU. Precisamos ter esses órgãos funcionando direitinho.”
Meio que micou
Além dos problemas de gestão das obras, a Rio 2016 ainda reservou espaço para o risco econômico e político mostrar seu potencial de dano.
Transcorreram sete anos entre o Brasil ser escolhido e os jogos começarem. Nesse período, o país que estava com uma economia pujante e estabilidade política entrou numa crise poucas vezes vistas na História nacional.
Com isso, segundo The Wall Street Journal, o plano de financiar parte dos gastos dos jogos com projetos imobiliários originalmente destinados ao evento “está se desintegrando”. A ideia era que empresas privadas arcassem com boa parte dos custos de arenas e outras estruturas, recebendo em troca grandes áreas que poderiam ser usadas para empreendimentos residenciais e comerciais, que por sua vez estariam localizados em região valorizada pela nova infraestrutura.
Há também comercialização de imóveis construídos para o evento por parte das empresas privadas, como é o caso dos 3.600 apartamentos dos 31 prédios residenciais construídos na Vila Olímpica para abrigar as delegações.
A demanda imobiliária no Rio, no entanto, despencou. Segundo o Journal, as vendas dos apartamentos da vila estão abaixo do esperado e os preços das unidades caíram 20% em comparação com os registrados há um ano. Além disso, os analistas estimam que o mercado imobiliário só vá emitir sinais positivos dentro de dois anos — quadro que estica “em muito mais tempo” o prazo para os empreendimentos decolarem.
Como complicador, entre as empresas envolvidas no projeto estão, por exemplo, a Odebrecht e a Andrade Gutierrez, que desde meados de 2014 vêm destinando boa parte de seus esforços na gestão da crise causada pelo envolvimento na Lava Jato, operação que colocou vários de seus ex-executivos na cadeia.
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