Saída do Reino Unido da UE aumenta instabilidade e gera desafios
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- Rodrigo Amaral, em Madri
- 24 de junho de 2016
- Sem categoria
Grupos econômicos terão que se adaptar a novas regras após referendo, que derrubou premiê David Cameron e afeta mercados. Parte da indústria de seguro pode deixar a City
A saída do Reino Unido da União Europeia vai gerar desafios no médio prazo para as empresas que possuem negócios nos dois lugares, além de adicionar um elemento extra de volatilidade à abalada economia global.
Esta é a visão de especialistas que participaram nesta semana de uma conferência sobre gestão de riscos organizada pela revista Commercial Risk Europe e a associação de gestão de riscos espanhola Igrea em Madri.
Eles analisaram o tema sob o ponto-de-vista das implicações globais do chamado Brexit, que foi aprovado na quinta-feira dia 23 de junho pelos eleitores britânicos em referendo. Mas também falaram sobre como o longo processo de separação que vem por aí vai afetar o dia-a-dia das empresas.
“Do ponto de vista puramente jurídico, não vemos o Brexit produzindo nenhum impacto positivo para as empresas”, disse o advogado Jaime Bofill, do escritório internacional Hogan Lovells na Espanha.
Sete anos de incerteza
O processo de desligamento do Reino Unido deve ser demorado. A expectativa mais comum é que as negociações sobre o que deve ser feito levem dois anos, e a implementação das medidas acordadas, outros cinco.
O trabalho será árduo. Estima-se que há 12 mil leis aprovadas pelos órgãos legislativos europeus e que foram adotadas pelo Reino Unido, que agora terá que decidir o que fazer com elas. O excesso de regulamentação foi justamente um dos argumentos utilizados pelos defensores do Brexit durante sua exitosa campanha.
Muitas destas leis se referem ao livre acesso de empresas britânicas ao mercado europeu de bens e serviços, que agora necessitará ser reavaliado.
Nick Greenwood, um economista da consultoria AFI em Madri, observou que políticos europeus já começam a agitar para que se adote uma linha dura nas negociações com o Reino Unido, restringindo o acesso de suas empresas ao mercado único.
“Esta é a posição por exemplo da França”, disse ele, notando porém que a Alemanha, maior potência econômica do bloco, tende a adotar uma postura mais pragmática.
De qualquer maneira, está claro que as empresas com negócios tanto na UE quanto no Reino Unido terão que eventualmente se adaptar a novas regras. “Estamos orientando os gestores de risco a se prepararem para o que vem por aí”, disse Bofill.
Cinco prioridades
O advogado espanhol listou cinco pontos principais que devem preocupar as empresas com respeito ao Brexit.
O primeiro diz respeito a contratos envolvendo negócios com partes britânicas. “Muitos contratos contêm cláusulas que permitem sua anulação por motivos de força maior”, observou. “O Brexit será um motivo de força maior? É possível que sim, no caso de alguns contratos.”
Um segundo tema diz respeito aos trabalhadores das empresas. “Será preciso revisar sua situação atual, analisar quaisquer benefícios que podem ser originados pelo Brexit, suas implicações sobre os salários e temas relacionados à imigração”, afirmou Bofill.
A retirada britânica também deve afetar os acordos tributários entre o Reino Unido e os membros da UE e pode afetar planos de fusões e aquisições das empresas nos dois lugares.
“Finalmente, os gestores de riscos precisam preparar seus conselhos e outros stakeholders para o impacto do Brexit sobre a empresa”, alertou Bofill. Ele acrescentou que estes são apenas cinco entre um grande número de temas que terão de ser abordados durante os sete próximos anos pelas empresas.
Implicações maiores
A saída do Reino Unido também deve ter efeitos importantes sobre a economia não só do país, mas da própria UE e do mundo em geral.
Economistas alertaram que a decisão deve levar o Reino Unido a entrar em recessão, afetando seus fluxos comerciais e derrubando o valor da libra esterlina – a moeda britânica entrou em queda livre, na comparação com o dólar americano, assim que o resultado do referendo se tornou conhecido. Bolsas de valores por todo o mundo também caíram após a votação.
Além disso, o referendo vai derrubar o primeiro-ministro David Cameron, que foi contra o Brexit, o que acrescenta dúvidas sobre o futuro das políticas de redução do alto déficit britânico. Cameron anunciou que deixará o cargo em outubro.
A futura relação do Reino Unido com a UE pode seguir o exemplo de economias como a Noruega e a Suíça, que têm acesso privilegiado ao mercado europeu, mas para isso tiveram de adotar diversas regras impostas pelo bloco, apesar de não exercerem nenhum poder de decisão sobre os rumos do grupo.
De todos os modos, a incerteza já está levando empresas de setores como a indústria bancária e a de seguros a cogitar a retirada de parte de suas atividades da City londrina a fim de garantir que continuarão tendo livre acesso ao mercado europeu. Frankfurt, Paris e Genebra estão entre as cidades que podem se beneficiar deste movimento.
Ondas de choque
As ondas de choque do referendo também podem afetar a constituição futura da União Europeia, uma vez que há fortes movimentos pró-retirada em outros países.
A candidata mais óbvia para seguir os britânicos é a Holanda, que, para complicar, é também parte da zona do euro.
Rafael Docavo-Malvezzi, Product Lead nas Américas para riscos políticos e de crédito da XL Catlin, observou que o clima de incerteza gera um ambiente desfavorável para que as empresas façam investimentos.
“Em certa medida, as empresas estruturaram suas operações com a perspectiva de continuidade no seio da UE,” afirmou. “Agora temos que considerar se o referendo vai abrir espaço para outros.”
Por outro lado, Greenwood observou que, com o Reino Unido fora do jogo, abrem-se as portas para um maior aprofundamento do bloco europeu, o que analistas consideram necessário para fortalecer as economias regionais.
“É de se perguntar se a União Europeia não estará melhor sem o Reino Unido”, afirmou. O governo britânico é historicamente o principal opositor de medidas que visam aumentar a integração legal e econômica dos países da UE.
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