Gestor de risco tem mais trabalho, mas ganha espaço com crise hídrica
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- Oscar Röcker Netto
- 29 de setembro de 2015
- Sem categoria
Falta de chuva e de planejamento do governo criam desafios complexos para profissionais, que estão mais envolvidos nas decisões das empresas
Considerada a mais grave em 84 anos, a crise hídrica mudou a rotina dos gestores de risco de empresas do setor elétrico, fortemente impactadas pela falta d’água.
Segundo profissionais da área ouvidos pela Risco Seguro Brasil, o aumento das variáveis de risco trazidas pela crise aumentou a demanda de trabalho, além de torná-lo mais minucioso — tudo para mitigar ou mesmo eliminar fatores que possam agravar ainda mais a situação.
Outro resultado da crise, porém, é que os gestores de risco estão mais envolvidos com a tomada de decisões dentro de suas empresas.
“A crise hídrica ampliou a rotina do gestor de risco”, disse Marcia Santos Ribeiro, especialista em seguros da Light.
“A restrição de recursos hídricos nas principais bacias contribuiu na redução de água para operação do sistema hidrotérmico, e questões estruturais do setor encareceram a energia elétrica, impactando a sustentabilidade social, econômica e ambiental da operação.”
A falta d’água, no entanto, não é o único componente deste período crítico.
Segundo Valéria Conrado Leite, gerente de Seguros, Garantias e Previdência da AES Brasil, questões políticas, regulatórias e econômicas agravam a situação e “vêm frustrando investimentos” na área.
“As distribuidoras, em especial, quase ficaram sem fôlego para continuar porque o caixa ficou muito apertado”, disse ela. “O cenário vinha crítico desde 2012, diante de tantas medidas equivocadas do governo, que hoje resultam em aumentos absurdos nas tarifas de energia elétrica.”
Com tantas variáveis complexas, o papel do gestor de risco ganhou mais relevância.
“Fortaleceu-se a cautela, e a análise de riscos tornou-se chave para as empresas tomarem decisões”, disse Leite.
“O gestor de risco está hoje sentado nas mesas de decisões de suas corporações. É um patamar importante para o crescimento e o amadurecimento da indústria brasileira.”
Esse cenário tende a prosseguir no setor elétrico nos próximos anos. “O crescimento populacional, a expansão do consumo e as mudanças climáticas manterão a necessidade de acompanhamento”, afirmou Ribeiro.
Ribeiro e Leite são membros do comitê do setor elétrico da Associação Brasileira de Gerência de Riscos (ABGR).
Na prática
Um dos efeitos da crise atual foi o de aumentar o trabalho interdisciplinar nas empresas, que “cresceu fortemente”, segundo a especialista da Light. Trata-se de um movimento fundamental para quem tem de administrar riscos em várias frentes.
Ribeiro lembrou que a crise obrigou as empresas a encontrar com rapidez resultados eficientes. “Há necessidade de aglutinar os conhecimentos e experiências na mesma direção”, disse ela. “O objetivo é dar celeridade aos processos em busca de criatividade e melhores resultados.”
De acordo com Leite, as decisões hoje não estão sendo avaliadas apenas “sob o aspecto do investimento, mas também sobre o conhecimento do risco a tomar”.
Para ela, o cenário de crise criou oportunidade para os profissionais mostrarem seus conhecimentos e atuarem como líderes nas suas empresas.
“É um termômetro para demonstrar que a cultura de risco está crescendo no Brasil”, afirmou. “Mas é certo que temos ainda muito o que avançar e aprender.”
Ribeiro reforça essa linha. “A gestão de risco tem atuado mais enfaticamente neste período”, disse ela.
“É preciso se antecipar aos fatos e trabalhar com consonância com as políticas das empresas. Buscar produtos de seguros que possam ajudar a mitigar os impactos ambientais e contribuir com o ‘loss control’ faz sentido, mas ainda há muito a fazer diante da realidade brasileira.”
Outro reflexo prático da crise é que melhorou o monitoramento dos controles do uso de água e energia por parte das empresas.
Origens
O intenso trabalho de reação à crise ocupa bastante espaço na rotina dos gestores de risco, mas eles não esquecem a origem do problema.
A falta d’água hoje é grave — reservatórios importantes operam hoje abaixo do chamado nível morto —, mas não se pode atribuir a crise apenas a este fator, dizem as especialistas.
“Em São Paulo, o Tribunal de Contas do Estado afirmou que a culpa foi do governo, que não fez o planejamento adequado e não soube articular o problema”, afirmou Leite, lembrando que a possibilidade de falta d’água é antiga.
“Disputas políticas fizeram o cenário ficar mais crítico do que se imaginava. Antever o problema é papel principalmente do governo, que tem o poder sobre os recursos nas mãos. Vamos pagar a conta pela arbitrariedade dos nossos representantes.”
Segundo a gestora da AES, as indústrias de modo geral não tinham um plano B para a crise hídrica. E agora muitas estão enfrentando sérias dificuldades em razão da escassez de água e aumento das tarifas de energia.
“A falta de políticas públicas assertivas e de planejamento contribui muito para o agravamento da crise”, disse Leite.
Agora, no entanto, a direção parece ter mudado. “Vemos empresas contratando consultorias para auxiliar em técnicas de economia de água e luz. Creio que essa será uma tendência daqui para frente “, disse Leite.
“Os problemas sempre existirão”, completou Ribeiro. “O que precisa ser feito é criar e ampliar regulamentos, políticas e cultura que propiciem o comedimento de uso dos recursos. Sem organização e disciplina, a sobrevivência não será tarefa fácil.”
Transmissão
O impacto da crise ocorre de maneira diferente para os diferentes tipos de empresas do setor elétrico, que é dividido em geradoras, distribuidoras e transmissoras de energia.
Um executivo de uma empresa de transmissão de energia, que pediu para não ser identificado, disse à reportagem que para o setor dele a crise hídrica não causou danos. Com menos geração de energia, as linhas de transmissão estão trabalhando com folga.
Houve aumento de demanda, no entanto, num lado positivo: novas linhas de transmissão para PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas).
“Há necessidade de termos linhas de transmissão em ‘todos os cantos’ para escoar a energia gerada por elas”, disse o executivo. “As equipes de projetos têm trabalhado muito nisso.”
Mesmo assim, o setor também enfrenta problemas por falta de planejamento. “O país peca em transmissão há vários anos”, afirmou. “Acompanhamos a operação de usinas eólicas sem a devida linha de transmissão para escoamento da energia. Tudo feito sem planejamento.”
Para ele, o órgão regulador — a Agência Nacional de Energia Elétrica — também deixa a desejar. “A Aneel se tornou um órgão político, sem técnicos; as decisões se tornaram financeiras.”
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