Transferência de risco a investidores chega a US$ 70 bilhões
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- Rodrigo Amaral
- 2 de maio de 2016
- Sem categoria
Ativos ligados a seguros negociados nos mercados de capitais crescem nos últimos anos; coberturas se expandem para mais países e segmentos
Em tempos de baixas taxas de juros nas economias avançadas, investidores têm buscado alternativas para fazer seu dinheiro trabalhar, e como resultado disparou o interesse por ativos ligados a eventos extraordinários como catástrofes naturais.
Nos últimos anos, tem crescido o volume de dinheiro investido nos chamados cat bonds e em outros veículos mais enigmáticos que são reunidos sob a égide de insurance-linked securities, ou ILS, que podem ser traduzidos como “ativos ligados aos seguros”.
Apesar do nome, esses ativos na verdade funcionam como alternativas aos mercados de seguros e, especialmente, resseguros. E ainda que não estejam disseminados na América Latina, podem vir a se tornar alternativas viáveis para a cobertura de riscos catastróficos, como enchentes e secas ou terremotos, como o que atingiu o Equador no mês de abril.
Utilizados especialmente por seguradoras e resseguradoras, esses veículos também são opção a empresas privadas e entidades governamentais que queiram transferir diretamente ao mercado de capitais riscos que o setor não quer ou não tem capacidade suficiente para assumir. Ou ainda para promover uma diversificação de riscos com fins de aprimorar a administração dos índices de solvência de uma entidade seguradora.
Prometendo rentabilidade de cerca de 5% ao ano em moeda forte, além de correção monetária para reduzir os riscos ligados à variação das taxas de juros, os investimentos em riscos do mercado de seguro cresceram de forma vertiginosa nas últimas décadas. Se 20 anos atrás havia poucos no mundo, e basicamente se restringiam a cat bonds nos Estados Unidos, hoje chegam a US$ 70 bilhões, de acordo com a Willis Tower Re. Cerca de dois terços do total já se referem a instrumentos que não são caracterizados como cat bonds tradicionais.
“O mercado vem crescendo de forma constante nos últimos anos”, disse Bill Dubinsky, chefe de ILS na Willis Capital Markets & Advisory.
De acordo com a agência de avaliação de riscos AM Best, a emissão de ativos ligados a riscos catástroficos no setor de property aumentou 24,4% ao ano entre 1997 e 2014.
Como funciona
Muito se tem falado ultimamente sobre a chegada de grandes fluxos de capital ao mercado de seguros e resseguros, mas nem sempre está claro como este capital todo aparece no setor e como o influencia.
Um dos instrumentos por meio dos quais o dinheiro chega ao setor é justamente o setor dos ativos ligados ao mercado de seguros.
Com o uso desses ativos, um cedente (como uma seguradora ou uma entidade governamental) assina um contrato de transferência de riscos com um investidor (em geral fundos de pensão, family offices ou, mais frequentemente, fundos de investimento especializados).
Isso significa que, em troca de uma taxa de retorno pré-acordada, o investidor transferirá, por um prazo limitado de tempo, uma quantidade de dinheiro necessária para cobrir as perdas sofridas em uma eventual catástrofe.
Por exemplo: se o contrato prevê que a cobertura será ativada caso o cedente sofra perdas superiores a US$ 100 milhões e até US$ 150 milhões, e que o acordo vale por um período de 12 meses, US$ 50 milhões serão transferidos a um veículo especialmente constituído para este fim, chamado Special-Purpose Vehicle (SPV), pelo período correspondente.
O SPV, por sua vez, é administrado independentemente da empresa cedente, a fim de isolar o risco que é alvo do investimento dos outros riscos relacionados com a entidade emissora.
“Neste tipo de investimento, você como investidor não quer ter nada a ver com os riscos de mercado do segurado”, explica Rafaelle Dell’Amore, um gestor de fundos especializados da corretora britânica Schroders. “Você só quer estar exposto ao risco em que está investindo.”
O SPV aceita então depositar o dinheiro em um fundo de mercado ou em ativos seguros e líquidos como papéis do Tesouro americano, a fim de mitigar o risco de variação de taxas de juros.
Caso o risco assegurado se materialize, parte ou todo o dinheiro é transferido para a conta do segurado, e o investidor perde o seu capital. Se nada acontece durante a vigência do contrato, o investidor recebe de volta o capital, mais juros e rentabilidade. Ou o contrato pode ser renovado.
Emisão recorde
O exemplo mais conhecido é o dos chamados cat bonds. Eles foram criados nos Estados Unidos para transferir especialmente os excessos de perdas de riscos ligados a furacões e terremotos. Os emissores destes ativos são seguradoras, resseguradoras, empresas e governos.
Os títulos são portanto relacionados a perdas potenciais de centenas de milhões de dólares, às vezes até mais do que isso. O que se segura, em geral, são as perdas em excesso a um determinado nível, a partir do qual o mercado de resseguros não provê coberturas, ou o faz com um preço alto demais.
Por exemplo: um governo local americano pode reter US$ 10 milhões de riscos ligados a furacões, e transferir os próximos US$ 50 milhões ao mercado de seguros e resseguros. Mas o histórico de catástrofes na área indica que há um risco real, ainda que reduzido, de que as perdas sejam mais elevadas do que os US$ 60 milhões assegurados. Então pode emitir um cat bond que cubra perdas em excesso de R$ 60 milhões, até outro limite determinado.
Assim é possível garantir algum tipo de proteção extra mesmo no caso de um evento de proporções desconhecidas, como o furacão Katrina, que destruiu Nova Orleans em 2005. Em 2015, foram emitidos US$ 8,8 bilhões em cat bonds, o maior volume já registrado, de acordo com a AM Best.
Nos últimos anos, o apetite dos investidores por este tipo de instrumento tem sido tanto que se desenvolveu uma nova categoria de ativos, chamado cat bond lite. Eles cobrem perdas a partir de valores inferiores, geralmente de menos de US$ 50 milhões, e são emitidos por entidades privadas incluindo empresas, segundo a agência de avaliação de riscos AM Best.
ILS
Mas o mercado que mais cresce é o dos chamados ILS, que são geralmente oferecidos por empresas de seguros e resseguros. Trata-se de um setor com muita inovação nos últimos anos.
O funcionamento é parecido com o dos cat bonds, mas neste caso os investimentos são menos líquidos, e seus emissores são quase sempre empresas do mercado de seguro e resseguros. SPVs utilizados nessas transações incluem os chamados contratos de resseguros colateralizados, sidecars e Industry Loss Warrangies, ou ILWs.
Enquanto os cat bonds são oferecidos a um grupo amplo de investidores e podem inclusive ser negociados no mercado secundário, os investimentos ILS são alvo de negociações diretas entre investidores e cedentes, e se parecem muito aos contratos de resseguro.
Neste caso, um corretor faz a intermediação entre cedentes e investidores, tentando buscar limites de cobertura e taxas de rentabilidade que satisfaçam ambas as partes. As negociações podem ser demoradas e até durar anos. Os investidores podem colocar seu capital como principal ou colateral do contrato.
Para as seguradoras e resseguradoras, a principal vantagem está em isolar uma grande exposição a um risco catastrófico de seu balanço, reduzindo suas necessidades de fazer reservas de capital para fins regulatórios.
Os riscos transferidos em geral são de perdas catastróficas de bens e propriedades, mas há um crescente número de riscos sendo adicionados ao segmento. Por exemplo, perdas excessivas de seguro de vida em um grupo de idade específico ligado a um desastre, ou danos a veículos originados em uma tempestade de granizo.
Os efeitos de uma pandemia sobre a operação de uma atividade econômica – como a frequência de passageiros em um aeroporto também podem ser objeto de uma transação, ou ainda a transferência de riscos de terrorismo.
Em paper publicado na semana passada, o banco BNY Mellon defendeu que os riscos cibernéticos sejam transferidos aos mercados de capitais por meio de veículos ILS. Há experiências em curso de transferência de riscos climáticos com uso de instrumentos paramétricos que podem oferecer ideias, por exemplo, para empresas de eletricidade que sofreram com a seca nos últimos anos no Brasil.
Atração
Segundo Dell’Amore, para os investidores, tais veículos oferecem um elemento muito atraente de diversificação de risco de portfólio.
Eles têm um nível de correlação bastante baixo tanto com ações quanto com a renda fixa. Como os eventos que podem ativar os contratos são bastante raros, o nível de volatilidade também é baixo.
E a rentabilidade, que ronda entre 4% e 6% ao ano, não está nada mal, considerando que hoje em dia há títulos de dívida soberana até com rentabilidades negativas.
Hoje em dia, as operações de mercado de capital ligadas a catástrofes estão concentradas nos Estados Unidos, Europa, Japão, Austrália e Nova Zelândia. Mas Dell’Amore disse que os investidores receberiam com braços abertos a possibilidade de avaliar este tipo de investimento em países emergentes, e especialmente na América Latina.
O interesse dos investidores poderia fazer com que tais veículos se tornassem alternativas viáveis para países como o Equador, que, sem coberturas de seguro catastróficos, teve que aumentar impostos para tentar cobrir os danos causados pelo terremoto de abril. Ou mesmo para empresas expostas a riscos climáticos ou extraordinários como ataques cibernéticos ou o terrorismo, inclusive no Brasil.
Algumas experiências estão sendo realizadas na região neste sentido, mas há obstáculos para o desenvolvimento deste incipiente mercado.
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