Lei e ‘acomodação' dificultam flexibilidade nos contratos
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- Oscar Röcker Netto
- 7 de junho de 2016
- Sem categoria
Bruna Timbó, da LTSeg, vê "cultura de letargia" nas seguradoras; Marcelo Elias, da Marsh, diz que é preciso aprofundar conhecimento das apólices.
O mercado de seguro não inova mais porque a Susep não deixa, as empresas não querem ou os compradores não sabem direito o que buscam?
De acordo com dois especialistas ouvidos por Risco Seguro Brasil, Bruna Timbó (LTSeg) e Marcelo Elias (Marsh), um pouco das três coisas.
Em resumo, eles acreditam que a legislação atrapalha, mas também é necessário um aprofundamento das discussões com os clientes em torno dos clausulados; mesmo assim, vem se buscando aplicar mais flexibilidade para atender as demandas de coberturas — ainda que o país esteja distante do que ocorre em mercados seguradores mais maduros.
Com a experiência de quem demorou um ano e meio para atender as exigências da Susep e implementar uma apólice com cobertura mais adequada a um grande cliente, Bruna Timbó, diretora executiva da corretora LTSeg, é taxativa: “Criou-se uma cultura de letargia; as seguradoras se acomodaram”, diz ela. “O setor de seguros virou um grande mercado de clausulados não-padronizados padronizados, pois ainda que a redação não siga o texto da Susep, todos são praticamente iguais, sendo a diferença apenas em termos de autonomia”.
Para ela, uma mudança da lei que ocorreu em 2012 é responsável pelo situação atual. Na época, a Susep acabou com o seguro singular, que permitia contrato sob demandas específicas de um segurado sem que o conjunto do mercado pudesse se apropriar do modelo aplicado.
Passou então a vigorar uma linha de seguros padronizados e outra de não-padronizados, cujo clausulado é próprio da seguradora, mas pode ser copiado pelas outras. “Isso acabou com o apetite de inovação”, diz Bruna.
Segundo ela, seguradoras que se dediquem a criar um produto inovador não conseguem obter retorno de seus investimentos, já que tão logo o produto vá para o mercado passa a poder ser utilizado por todos.
“Despender despesas administrativas na criação de clausulados é perder margem de negociação de prêmios, uma vez que o mercado se apodera da inovação antes que o investimento tenha retorno”, afirma.
“Um clausulado bom precisa de advogado bom”, exemplifica a executiva. Só aí, já há um custo considerável. Consulta feita por RSB mostra que um novo clausulado de seguro demanda cerca de 100 horas de trabalho de um escritório de advocacia. Os de primeira linha cobram cerca de R$ 2.000,00 a hora, o que daria R$ 200 mil para confeccionar uma apólice. “É muito mais fácil tropicalizar”, diz Bruna, referindo-se ao hábito do mercado em adaptar clausulados estrangeiros para o Brasil.
Mesmo diante das dificuldades, Marcelo Elias, diretor de gestão da corretora Marsh Brasil, diz que tem notado uma grande demanda de clientes industriais por condições mais flexíveis e amplas contidas nos seguros do tipo “All Risks”, de forma a atender as suas necessidades e sem ter surpresas de interpretação de apólice quando ocorre um sinistro.
Como o nome diz, nessa modalidade todos os riscos estão cobertos, à exceção daqueles expressamente excluídos no contrato. Segundo ele, o modelo garante mais segurança para as seguradoras absorverem os riscos. “A gradual abertura do mercado ressegurador também tem contribuído para esse caminho”, afirma Elias.
De acordo com o executivo, há diversas apólices contratadas sob medida em várias linhas — patrimonial, transportes, D&O, crédito e garantia. Apesar disso, o mercado ainda precisa avançar para acabar com as “as famosas zonas cinzas, que permitem diversas — e às vezes opostas — interpretações das condições da apólices, gerando falta de credibilidade”.
Cliente consciente?
No sentido de diminuir as zonas cinzentas um trabalho mais objetivo dos compradores poderia ser útil, segundo os especialistas.
Eles sabem o que querem ou precisam? “Nem sempre; ou melhor, poucas vezes”, diz Bruna. “A maior parte ainda compra seguros sem ter um profundo conhecimento sobre os riscos do seu negócio”.
Apesar de considerar que a maioria sabe com o que está lidando, “quando tratamos dos principais riscos”, Marcelo Elias ressalva que há necessidade de melhorar o entendimento dos clausulados.
“Precisamos avançar no aprofundamento da apólice, já que em linhas gerais os seguros sempre contêm previsões para riscos não cobertos e prejuízos não indenizáveis, além de obrigações que, se não cumpridas, podem levar à perda de direitos”.
Complicado
Diante de um quadro de legislação restritiva, competição acomodada e clientes em linhas gerais com certo grau de desconhecimento, o que acontece no dia a dia para se fechar a uma apólice do jeito que o comprador deseja?
Para Bruna, essa é justamente a principal dificuldade do negócio. “Muitas vezes as soluções não estão a mão no mercado”, diz ela. A solução, então, é aplicar alternativas, afirma: “Criamos, juntamente com o segurador, pequenas alterações estratégicas de redação que alteram o clausulado de forma positiva para o cliente, criamos produtos híbridos ou trazemos soluções de fora do Brasil”.
Elias reforça a importância da gestão de riscos da empresa neste processo, a partir da qual se define o escopo das coberturas. “Normalmente procuramos apresentar opções alternativas tanto de limites quanto de escopo, além de opções de retenção”, afirma.
As dificuldades do processo ficam claras num exemplo citado por Bruna. Uma apólice complexa trabalhada por sua empresa demorou um ano e meio para ser finalizada e ainda assim não ficou exatamente como o cliente queria.
Trata-se de uma obra pública cujo contrato padrão estabelece um limite para movimentação de terra que gere um sinistro. No caso, uma obra de metrô, esse volume de terra passível de movimentação era muito maior, dadas as condições de um trabalho em grande parte subterrâneo. A demora decorreu, entre outras coisas, dos ajustes necessários para ampliar o limite e atender o que o cliente precisaria ter coberto na apólice. “Seria muito melhor se ela fosse feita 100% com o [antigo] seguro singular”, diz Bruna.
Já fazem lá fora
Maior flexibilização para atender casos como esse ocorrem em mercados mais maduros, dizem os executivos. Bruna e Elias citam Europa e Estados Unidos como exemplos onde a prática de inovação nos seguros avançou de forma saudável para os interesses de empresas e clientes.
“Mercados com o Lloyd’s evoluem analisando os riscos vividos pela sociedade”, diz Bruna. “São menos engessados e permitem ajustar clausulados para demandas específicas de forma mais natural e sem tanta burocracia.”
Elias diz que a cultura de gestão de riscos desses países proporciona uma relação mais próxima das empresas com as seguradoras e resseguradoras.
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