Jurista defende seguro contra 'capitalismo de compadrio'
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- Oscar Röcker Netto, em Curitiba
- 14 de março de 2016
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Para Modesto Carvalhosa, performance bonds podem ajudar a romper 'relação nefasta' entre empreiteiras e governos que data dos anos 1940
O professor livre docente da Universidade de São Paulo, jurista e advogado Modesto Carvalhosa recorre a uma prática usada há mais de 120 anos nos Estados Unidos para colocar alguma luz na forma de diminuir a corrupção entre Estado e empresas privadas no Brasil: o performance bond, conhecido aqui como seguro garantia, mas que no Brasil tem características diferentes das do modelo americano.
“Temos de quebrar a interlocução direta entre empresários e agentes públicos no Brasil”, defendeu ele no II Fórum Transparência e Competitividade, realizado pela Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), na quinta-feira (10/3), em Curitiba. “Isso interromperia um ciclo [de corrupção] que se repete no Brasil a cada vinte anos. Hoje não temos regras para quebrar esta interlocução direta. E isso tem de ser quebrado.”
As relações pessoais criaram no país, diz o jurista, um “capitalismo de compadrio”, que contribui para uma “relação nefasta, que existe desde 1940” entre construtoras e governo. Ele afirma que a maioria das grandes construtoras brasileiras — e as envolvidas na Lava Jato — têm origem familiar, cujas relações com o Estado foram se perpetuando no tempo.
“O bisavô fundador da empresa já se relacionava com o governo para obter vantagens; e assim se criou uma vasta cultura”, afirmou. “A lei não interessa, nada interessa; o que vale são os laços de amizade.”
Carvalhosa entende que isso está tão arraigado no país que independe do partido que está no poder. Os laços vão sendo mantidos ou estabelecidos, de forma que se obtenha vantagem com o governo de plantão. E citou como exemplo o fato de integrantes da oposição aparecerem nas delações premiadas de executivos das empreiteiras. “Já estavam prevendo ganhos com eventual partido que possa substituir o atual.”
“Se não houver mudança estrutural, não se resolve o problema”, afirmou o jurista, que é autor de livros sobre Direito econômico e corrupção.
Como funciona
Segundo ele, o modelo de performance bond aplicado pelos norte-americanos faz com as seguradoras sejam fiscais ativas das obras públicas. Projetos que custam acima de US$ 100 mil são obrigados a contratar o seguro.
A seguradora precisa garantir o contrato, que a obra saia de acordo com o planejado, sob pena de ter de arcar com um sinistro. “Esse seguro beneficia o ente público”, afirma Carvalhosa. “A seguradora vai cobrar da construtora que não cumprir o contratado.”
Segundo ele, isso complementaria a fiscalização exercida pelos tribunais de contas e outros órgãos. Ele acredita que o trabalho de auditoria do Tribunal de Contas da União, “que é primoroso”, seria facilitado com a medida
Diferenças
O seguro garantia no Brasil, diz o professor, tem abrangência bem menor e não permite que as seguradoras fiscalizem as obras. Normalmente, o seguro abrange no máximo 10% do valor da obra.
“Se elas tiverem mais responsabilidade, vão ter interesse em fiscalizar”, disse ele a Risco Seguro Brasil. “O que interessa no performance bond [em relação à corrupção] é justamente a rigorosa fiscalização.”
Para aplicar o modelo no Brasil seria necessário inclui-lo na Lei 8.666 (das licitações), “que é uma lei excelente”. Além disso, Carvalhosa considera que também é preciso acabar com Regime de Obra Diferenciada. “Haveria uma reforma a ser feita por parte do Estado e das empresas.”
Para o jurista, ajudaria no processo o fato de o produto ser bem conhecido das construtoras. “Adivinhe quem conhece muito bem os performance bonds? Todas as empreiteiras enroladas com a Lava Jato. Quando elas operam nos Estados Unidos e outros países civilizados usam performance bond.”
Discordância do modelo
Advogado especializado em licitações de infraestrutura, Maurício Portugal Ribeiro vê restrições no uso dos performance bonds – ou seguro garantia total – nas licitações de obras públicas no Brasil.
Em artigo publicado no jornal Valor Econômico nesta terça-feira (15/3) ele diz que o modelo pode reduzir a competição e promover mais concentração de mercado. “A atração de empresas médias nacionais de infraestrutura, que era outra esperança par aoxigenar as licitações de grandes obras, tende a ser obstada pelas restrições financeiras que serão causadas pela própria exigência de contragarantias de valor integral”, escreveu ele no Valor.
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