Cenário único de riscos impõe desafios complexos ao setor elétrico
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- Oscar Röcker Netto, em São Paulo
- 30 de agosto de 2016
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Sequência de crises, instabilidade regulatória e fatores operacionais afetam setor; comitê da ABGR se encontrou em São Paulo
Poucas áreas representam tantos desafios para os gestores de risco quanto o setor elétrico. Em 12 meses, ele saiu de um cenário de crise hídrica, que ameaçava apagões elétricos e racionamento de água, colocando o país em alerta, para uma situação de sobreoferta de energia, que impacta fortemente o caixa das empresas.
Crises que, embora sejam graves podem ser consideradas pontuais, no entanto, convivem com outras situações que parecem perenes e têm forte impacto: as frequentes decisões governamentais sobre a área e a instabilidade regulatória.
Características naturais da operação, por sua vez, completam o quadro e ajudam a dar contornos ainda mais complexos ao setor elétrico. Trata-se de uma área que reúne empresas de geração, distribuição, transmissão e comercialização de energia — cada qual com uma variedade considerável de particularidades, que normalmente envolvem milhões de consumidores, bilhões de reais em investimentos, miríade legal e regulatória, além de um sem-número de parceiros e fornecedores destinados a produzir e entregar um item básico para a sociedade: energia.
“O setor elétrico tem uma ‘magia do diferente’”, avalia Valéria Leite, gerente de seguros e riscos da AES Eletropaulo e membro do Comitê do Setor Elétrico da ABGR (Associação Brasileira de Gerência de Riscos). “A gente tem alguns fatores bem críticos. A atenção a todos esses riscos, que podem em algum momento mudar todo o negócio, é bem complexa”, completa ela, que organizou o 15ª encontro anual dos gestores de risco da área, realizado no final de agosto em São Paulo.
Não por acaso, a palavra “jaboticaba” apareceu em várias oportunidades durante as discussões do encontro — quase sempre para acentuar as características brasileiras, sem par no mundo elétrico, segundo os presentes, e também para reforçar a necessidade de análises e soluções personalizadas para as empresas que nele atuam.
“Somos afetados de todas as formas”, diz Marcia Ribeiro, coordenadora do comitê e especialista em seguros da Light. “Nós, os gestores de riscos, precisamos estar atentos ao histórico de casos do segmento em paralelo com a atualidade e assim trazer os melhores resultados para a empresa.”
Novos e velhos
Dentro desse quadro, os desafios que vêm sendo enfrentados pelos gestores de risco não são simples. Eles incluem riscos tradicionais e outros novos, que até há pouco tempo não representavam grandes problemas, mas que ganharam peso.
Segundo Ribeiro, um dos riscos mais preponderantes hoje para o setor é o financeiro, decorrente de situações que impactaram as empresas e elevaram os custos. “Nossas metas são financeiras”, diz a coordenadora.“Algumas empresas estão com alto nível de endividamento e nós, como área de risco, precisamos auxiliar, não só mitigando ou eliminando riscos, mas também cooperando com o time financeiro, trazendo garantias com melhores condições operacionalizadas pelo mercado segurador.”
“Precisamos maximizar o ganho, reduzir o custo com seguro, melhorar as proteções e buscar proteções com custos menores, atendendo as necessidades da empresa”, resume Carlos Alberto Oliveira Pinto, diretor regional (MG) da ABGR e membro do comitê.
Claudio Sales e Eduardo Monteiro, presidente e diretor executivo do Instituto Acende Brasil, reforçaram em recente artigo publicado no jornal Valor Econômico a preponderância dos problemas financeiros do setor, que segundo eles atravessa “um momento delicado”.
“As incertezas são grandes, mas as molas propulsoras do cenário desejado são remuneração adequada, credibilidade regulatória e confiança institucional”, apontaram. Para eles, sem isso, não se chegará a patamares sustentáveis de rentabilidade e “os investimentos não virão na velocidade desejada”.
Lista longa
Sempre prioridade em qualquer atividade produtiva, os riscos financeiros estão bem acompanhados no setor elétrico por outros igualmente marcantes para as empresas.
De acordo com Valéria Leite, a AES trabalha hoje com quatro nichos principais de riscos: financeiro, regulatório, legal e reputacional/de imagem.
Este último, diz ela, é resultado de outro que ganhou força no setor nos últimos tempos, principalmente por causa da crise hídrica: os riscos climáticos.
“Não estávamos muito acostumados a isso; a interferência climática não era tão forte como tem sido nos últimos anos”, afirma ela. “As empresas estão tendo de se adaptar. Não era uma tendência, mas hoje está ocorrendo no Brasil também.”
Segundo Leite, problemas como a falta de chuva ou queda de energia decorrente de efeitos climáticos estão prejudicando cada vez mais a imagem e a reputação das empresas do setor — daí esses itens estarem hoje na ordem do dia.
“A crise hídrica reforçou a tendência de começarmos a ver o risco climático como crítico, a exemplo do que ocorre em outros países. Temos a percepção [dos danos] de vendaval, tufão, tsunami, tremor, mas não tem a cultura de como lidar com eles”, avalia a gestora.
O risco hidrológico, por exemplo, foi alçado à linha de frente no mapa de riscos “porque a geração nos últimos três anos teve bastante perda dentro de um mecanismo que em tese era muito seguro”, diz Leite. “O investidor chegou com uma possibilidade de porcentual de perda pequeno e de repente encontra um patamar maior. A falta de cultura do risco climático fazia a gente não enxergar isso como um risco prioritário para o investidor.”
De acordo com ela, este tipo de situação se transforma em oportunidade de reforçar a importância da cultura de gerenciamento de riscos nas organizações.
“Muita coisa vai pela dor”, completa Marcia Ribeiro, sobre o aprendizado trazido pela crise hídrica. “Ainda há dificuldades de entender que gestão de riscos é investimento; é mais seguro investir na prevenção para evitar problemas.”
Além disso, as duas especialistas apontam que também houve nos últimos anos um forte aumento da judicialização de questões do setor elétrico — muito em decorrência de disputas contratuais entre governo e empresas.
Manutenção do negócio
Para a gerente executiva de Riscos Globais da Mapfre, Franciele Freitas, o complexo cenário em que atua o gestor de risco no setor elétrico gera um “grande desafio”, o de desenvolver o trabalho em meio a cortes de custo, inflação, instabilidade econômica e política, resposicionamento das empresas, entre outros fatores.
Ela diz, no entanto, que o “quebra cabeça se encaixa” na medida em que se entende que bom gerenciamento dos riscos operacionais é um fator primordial para as organizações. “É o que o mantém a empresa sólida e dá continuidade ao negócio”, afirma.
Para ela, o trabalho desenvolvido no setor elétrico mostra o desenvolvimento da gestão de riscos. Segundo Freitas, um banco de dados formado pela Mapfre com informações de 300 empresas aponta que o setor é o que apresenta o maior índice de conformidade em relação aos riscos inspecionados.
“Em muitos momentos, a gestão de riscos pode ser considerada um jogo de sorte e azar, mas quanto mais se aprofundam os estudos e as informações mais se vê que não é necessariamente isso; trata-se de prevenção, eficiência, mensuração e priorização”, diz Freitas. “Temos de ter isso no DNA de gestão de riscos e mostrar aos nossos executivos.”
Discutir a relação
Com um leque amplo de assuntos, os gestores de risco da área vêm se empenhando em manter acesa a discussão com vistas a multiplicar a adoção de melhores práticas no setor. O fato de eles se reunirem anualmente há 15 anos para debater os assuntos em busca do desenvolvimento da gestão — prática pouco disseminada em outras áreas de riscos — foi realçado por mais de um palestrante no evento este ano — que incluiu, além dos gestores, representantes do mercado segurador e consultores.
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