Reputação empresarial: muito risco e pouco seguro
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- Rodrigo Amaral
- 20 de novembro de 2015
- Sem categoria
Gerentes de risco de grandes empresas espanholas debatem tema que preocupa cada vez mais após o escândalo da Volkswagen
Em um dos mais populares programas culinários da TV espanhola, o chef Karlos Arguiñano instava seus milhões de fãs a enviar receitas tradicionais das suas regiões.
“Se você lembra de algum prato que a sua avó, sua mãe, o seu tio fazia, escreva-nos, nós pesquisaremos bem a receita e a faremos da forma mais parecida possível”, disse o cozinheiro em seu estilo simpático e bonachão, para logo adotar um tom mais sério:
“Aqui nós fazemos as coisas com muito carinho. Nós não somos a Volkswagen. Nós fazemos as coisas como se devem, sem trapaças.” (Clique aqui para ver o vídeo).
Este é um exemplo da dimensão que pode tomar a deterioração da imagem de uma empresa junto a opinião pública. Mas os gestores de riscos espanhóis não precisaram ver o nome da Volkswagen ser sacrificado em uma caldereta alicantina para dedicar atenção ao problema.
Dois dias antes que o ataque do cozinheiro fosse ao ar, os membros da Igrea, a associação de gestores de riscos das grandes empresas espanholas, se reuniram em Madri para seu encontro anual sobre tendências do mercado segurador — e os danos à reputação foram o principal prato do cardápio.
Se alguém esperava sair do debate tranquilizado, porém, teve uma decepção. Os participantes do encontro ouviram que as empresas estão não só cada vez mais expostas a um risco que pode corroer o seu valor de mercado em um curto espaço de tempo, como também dispõem de poucas alternativas para transferi-lo ao mercado de seguros.
Mudança
Especialistas afirmam que a importância do risco reputacional não para de crescer para as empresas, e na realidade é comum ver líderes empresariais correndo atrás do prejuízo quando as imagens corporativas estão sob ameaça.
Um exemplo se pôde observar nos últimos dias no Brasil. Após o rompimento das duas represas de contenção de rejeitos da Samarco em Mariana (MG), as duas multinacionais que detêm o controle da empresa, Vale e BHP Billiton, viram seus nomes constantemente associados à tragédia.
Ambas se apressaram em enviar seus CEOs globais para as áreas atingidas, levando a mensagem de que estavam fazendo todo o possível para ajudar as vítimas. Ao mesmo tempo, procuravam convencer a quem quisesse ouvir que a Samarco é uma firma independente e, por isso, suas empresas nada tinham a ver com o desastre. O que mostra um esforço quem sabe contraditório para contrabalançar o risco legal, por meio da negação de responsabilidade, com o risco reputacional, por meio de sinais de empatia com as vítimas.
Este tipo de preocupação está mais que justificada no atual ambiente de negócios em que atuam as empresas, de acordo com os participantes do seminário em Madri.
“Hoje em dia, tudo o que se faz, de bom ou de mal, tem um impacto na organização”, afirmou Ángel Alloza, CEO do Centre for Reputation Leadership, um think tank sobre reputação empresarial sediado em Madri, apesar do nome em inglês.
Em grande parte, isso se deve ao desenvolvimento das comunicações, incluindo as novas mídias sociais, que potencializam o poder de pressão dos variados stakeholders. “O poder passou das instituições e empresas para as pessoas”, disse Alloza. “Vai vencer quem souber se comunicar com os diversos grupos de interesse.”
Ele ainda observou que é o nome das empresas que está em jogo, e não mais os de seus produtos. Antigamente, se um produto tinha a reputação danificada, parte do problema se resolvia simplesmente tirando-o de circulação. Agora, segundo Alloza, tudo acaba convergindo para o nome das organizações.
“As empresas estão matando as marcas de produtos e concentrando todo o risco na marca corporativa”, afirmou.
Pouco seguro
Para as empresas que já estão lidando com o tema, uma alternativa para mitigar o impacto de um evento reputacional seria transferir parte do risco para o mercado de seguros.
O problema, porém, é que há poucas seguradoras oferecendo coberturas para o risco reputacional, e os limitem disponíveis não são os mais adequados para as necessidades de grandes compradores.
“Há poucos players que oferecem capacidade no mercado”, disse Augusto Pérez, o diretor de Riscos Asseguráveis da Telefónica. “É necessário que vários seguradores se juntem para oferecer a capacidade que as companhias precisam para cobrir os riscos de reputação.”
Resseguradores presentes no evento afirmaram que, em geral, as coberturas chegam a € 50 milhões, podendo passar um pouco desse limite se o cliente tiver um risco de muito boa qualidade. Por isso, para clientes de grande porte, não há alternativa à formação de um grupo para cobrir um risco cujas perdas podem chegar a valores várias vezes mais elevados.
“Não temos muitos dados disponíveis [sobre o risco de reputação], então é muito difícil alocar capacidade para ele”, disse Sebastian Lemke, um subscritor de Property Treaty na Munich Re.
Tipos de coberturas
Os especialistas presentes afirmaram que há dois tipos de coberturas hoje no mercado. Uma delas cobre os gastos de reação ao risco, como a contratação de consultores e equipes de comunicação.
Outra, porém, oferecida por empresas como a Munich Re, cobrem as perdas financeiras estimadas de um evento de reputação. Segundo Lemke, neste caso, cabe ao próprio comprador decidir como vai utilizar o dinheiro da indenização.
Pérez, por sua vez, observou que algumas coberturas já contratadas pelas empresas podem contemplar parte dos custos criados por um evento reputacional.
“Apólices D&O podem cobrir despesas ligadas à gestão da crise, como ações marketing e publicidade”, afirmou. “Coberturas de cyber ou erros e omissões podem incluir eventos como uma interrupção massiva de serviços, ou quebra de confidencialidade de dados pessoais, que estão muito ligados aos riscos de reputação.”
E com um pouco de conversa, as empresas podem conseguir acertar com seus subscritores que outras coberturas incluam medidas capazes de mitigar danos de reputação.
“É possível por exemplo tentar negociar com as seguradores compensações pré-estabelecidas para clientes afetados por eventos deste tipo, e que podem ser ativadas antes mesmo que os consumidores façam reclamações, ou que as autoridades mandem que indenizações sejam pagas”, observou Pérez. “Desta maneira, o segurado pode estar um passo à frente e indenizar seus clientes, reduzindo o risco de danos à sua reputação.”
O que estava claro para os debatedores, porém, é que o trabalho mais importante que se faz sobre o tema do risco reputacional é feito dentro de casa, por meio da conscientização dos funcionários da empresa e a implementação de medidas de gestão do risco.
“É provavelmente impossível transferir para o mercado de seguro os custos de algumas perdas ligadas à reputação,” disse Alloza.
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