Reforma de agências é chave para reduzir risco regulatório
- 1937 Visualizações
- Rodrigo Amaral
- 1 de novembro de 2016
- Sem categoria
Problemas em autarquias incluem indicações políticas, retenção de verbas, falta de autonomia e controle por ministérios
O risco regulatório é um dos grandes obstáculos à realização de investimentos privados em infraestrutura. Para reduzir este risco, o Brasil se equipou de um sistema de agências regulatórias que visa assegurar o bom funcionamento de áreas como a energia elétrica, as telecomunicações e os transportes.
Mas a falta de autonomia operacional e financeira, influências políticas, cortes orçamentários e escassez de transparência decisória, entre outros fatores, impedem que as agências realizem seu trabalho fiscalizador de maneira eficiente, de acordo com especialistas.
Reconhecendo este problema, o governo do presidente Michel Temer colocou a reforma das agências regulatórias no topo de suas prioridades no contexto do chamado PPI – o Programa de Parcerias de Investimento.
Um projeto de lei foi ressuscitado no Congresso e reescrito com o fim de contemplar algumas das mudanças pedidas pelo mercado, cuja confiança no sistema regulatório sofreu um sério revés durante o governo de Dilma Rousseff devido a episódios como a edição da MP 579, de 2012, que impôs reduções de preços no sistema elétrico e resultou em uma desorganização generalizada do setor.
O PLS 52/2013 foi aprovado em primeira instância pela Comissão Especial de Desenvolvimento Nacional do Senado em agosto e segue tramitação na Casa antes de seguir para a Câmara dos Deputados.
“A prioridade do governo é criar um ambiente de negócios estável para que os investidores tenham confiança de investir no país”, disse Marcelo Guaranys, subchefe de Análise e Acompanhamento de Políticas Governamentais da Casa Civil. “E nós vemos as agências regulatórias como entidades estatais que aumentam a estabilidade regulatória em seus respectivos setores.”
Desconfiança
As agências regulatórias foram criadas a partir dos anos 1990, como resultado do processo de privatização iniciado pelos governos Collor, Itamar e FHC.
Elas foram sendo criadas na medida em que empresas de setores como as telecomunicações e a energia elétrica eram passadas ao setor privado. Como resultado, cada agência possui sua própria lei de criação, e as regras de funcionamento para elas são heterogêneas.
Hoje há dez agências regulatórias no Brasil. Sete delas são da área de infraestrutura: a Aneel (energia elétrica), Anatel (telecomunicações), Anac (aviação civil), Antaq (transportes aquaviários), ANTT (transportes terrestres), ANP (petróleo) e ANA (águas).
Duas se dedicam ao setor de saúde: Anvisa (medicamentos e serviços de saúde) e ANS (planos de saúde). A décima agência, Ancine, cuida do cinema e outras artes audiovisuais. As agências são autarquias federais com regime jurídico especial e custeadas com recursos do Orçamento da União.
Desde sua criação, o papel das agências reguladoras foi motivo de debate entre os defensores de que elas tivessem um maior poder regulatório e autonomia para tomar decisões e entre aqueles que preferiam ver as agências mais subordinadas aos objetivos do Poder Executivo.
Durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, o fiel da balança pendeu para o segundo grupo, e as agências viram suas margens de atuação cada vez mais reduzidas.
“O PT não acredita em um modelo em que o Poder Executivo delega seus poderes para entidades autônomas”, disse o advogado Bruno Werneck, um especialista em concessões do escritório Mattos Filho, em São Paulo.
“A falta de autonomia real das agências foi um dos motivos porque o Brasil se tornou um mercado não atraente para os investidores em infraestrutura.”
O reflexo do desgaste das agências e outras medidas tomadas pelos governos petistas, segundo Werneck, foi o alto desinteresse mostrado pelos investidores por leilões de concessões realizados nos últimos anos.
Ferramentas de controle
As restrições à autonomia das agências tomaram várias formas, tanto no ponto-de-vista operacional quanto orçamentário.
Uma das maneiras com que o Executivo procurou controlá-las foi por meio da escolha de indicados políticos aos cargos de diretoria das agências. Foi assim que um ex-deputado do PCdoB, Harold Lima, acabou à frente da Agência Nacional de Petróleo (ANP), cargo que ocupou por oito anos, até 2011.
“Sob a influência dos políticos, as agências tiveram uma perda de sua autonomia funcional”, disse Werneck.
Outra maneira bastante utilizada era a de simplesmente não indicar os diretores quando as vagas se tornavam vagas. Desta maneira, muitas vezes as agências não dispunham do quórum necessário para tomar as decisões que lhes cabiam.
“Isso acontecia o tempo todo”, disse Guaranys, que foi diretor da Agência Nacional de Aviação Civil, Anac, por sete anos, cinco dos quais como diretor-geral.
Para reduzir o risco de ver gente desqualificada à frente das agências, o PLS 52/2013 instituiu critérios de escolha mais objetiva dos candidatos a diretor, incluindo experiência no mercado ou comprovada especialização acadêmica, no modelo da recentemente aprovada Lei das Empresas Estatais.
O projeto também estabelece períodos mínimos de quarentena para que um político possa ser indicado a uma diretoria, e determina prazos mais rígidos para que cada um dos envolvidos (a Presidência da República, o Senado e as próprias diretorias das agências) façam a sua parte nos processos de seleção de diretores.
Ainda assim, para que as coisas funcionem, é preciso que os envolvidos ajam de uma forma responsável. “As melhoras na seleção dos diretores só virão com uma maior maturidade política”, disse o economista Luis Carlos Delorme Prado, do Instituto de Economia da UFRJ.
Outra medida prevista no projeto é a definição de um prazo de cinco anos para o mandato dos diretores. Hoje cada agência tem suas próprias regras sobre os mandatos, com algumas permitindo reeleição dos diretores.
Autonomia orçamentária
O controle do Executivo também toma a forma da retenção de recursos do Orçamento que deveriam ser destinados às agências.
Os governos têm um hábito de “contingenciar” o dinheiro das agências, ou seja, adiar o seu repasse como parte de medidas para equilibrar os números do Orçamento da União.
O fim do contingenciamento é uma demanda não só das agências, mas também de participantes dos mercados regulados que gostariam de ver estas entidades trabalhando de maneira mais eficiente.
Além disso, boa parte do dinheiro não repassado é coletado pelas próprias agências como taxas cobradas das empresas reguladas e que, segundo alguns analistas, teriam o objetivo de custear o seu funcionamento.
De acordo com um estudo da Fundação Getulio Vargas, as taxas cobradas pela Aneel e pela Anatel, por exemplo, seriam suficientes para garantir o seu funcionamento com sobras.
Nesse aspecto, porém, é provável que as agências não vejam suas reivindicações atendidas pelo PLS 52/2013. Segundo Guaranys, a posição do governo é a de que o contingenciamento de despesas é uma ferramenta de gestão orçamentária à qual todas as entidades estatais estão sujeitas, e isso não deve mudar.
Enganchadas aos ministérios
Mas um problema enfrentado pelas agências que pode ser eliminado é a sua presente subordinação aos ministérios.
Hoje em dia, ainda que as agências tenham uma independência formal do ponto-de-vista funcional, a liberação de seu dinheiro depende dos ministérios responsáveis pelas áreas que elas regulam. Por exemplo, no caso da Anac, o Ministério dos Transportes.
Os ministérios também precisam aprovar alguns tipos de despesas como viagens para o exterior e a contratação de novos funcionários, o que lhes dá um poder de influência significativo sobre as autarquias.
O PLS 52/2013 e uma outra medida que está sendo implementada pelo governo mudam esta situação ao subordinar os recursos das agências diretamente ao Ministério do Planejamento, que é o responsável pela execução do Orçamento da União.
Além disso, as agências devem ganhar maior independência para decidir a respeito dos seus gastos operacionais.
Controle social
Uma preocupação dos críticos do sistema de agências é que seus diretores não são eleitos pelo voto direto, mas ainda assim podem ter o poder de tomar decisões vitais para o futuro da economia.
Para que a sociedade pudesse exercer controle sobre as atividades das entidades, versões anteriores do PLS 52/213 que vinham tramitando desde 2004 no Congresso previam a assinatura de contratos de gestão entre as agências e os ministérios estabelecendo exatamente quais seriam as atividades desenvolvidas por elas em períodos determinados de tempo.
A ideia, encampada pelos governos petistas, encontrou oposição no mercado, já que implicaria mais uma ferramenta de restrição à autonomia das agências.
Segundo Guaranys, a mais recente versão do PLS 52/2013 não traz esta medida, mas institui outras formas de assegurar que as atividades das agências terão a transparência necessária.
Por este novo modelo, as agências terão que elaborar planos estratégicos de quatro anos e de um ano de duração, explicando quais devem ser suas atividades nestes períodos.
Os planos deverão ser tornados públicos nos websites das agências e apresentados ao Congresso, ao Executivo e ao Tribunal de Contas da União.
Uma vez ao ano, os diretores-gerais devem prestar contas ao Senado. Mas não se prevê a necessidade de que nem os planos estratégicos nem as prestações de contas sejam aprovados pelo governo.
Além disso, o projeto também determina que as agências tenham um ouvidor para receber as reclamações e queixas dos usuários de seus serviços. Estes seriam as empresas e profissionais regulados pela agência, e não os usuários dos serviços prestados, por exemplo, pelas empresas de energia elétrica fiscalizadas pela Aneel.
Uma das reclamações das empresas afetadas pelas ações das agências é que, nos últimos anos, elas estavam sendo instadas a se tornar órgãos de defesa dos consumidores, ao invés de verdadeiros reguladores dos mercados em questão.
- Brasil 97
- Compliance 66
- Gestão de Risco 200
- Legislação 17
- Mercado 247
- Mundo 102
- Opinião 25
- Resseguro 105
- Riscos emergentes 10
- Seguro 198