Lei Anticorrupção brasileira é uma das mais avançadas do planeta
- 1464 Visualizações
- Oscar Röcker Netto
- 22 de junho de 2015
- Sem categoria
De acordo com advogado, legislação que introduziu responsabilidade de empresas por casos de propina assimila experiências de outros países
Aprovada em 2013, na esteira das manifestações populares ocorridas no país em junho, a Lei Anticorrupção (12.846/2013) entrou em vigor no Brasil no ano seguinte, estabelecendo responsabilidades para empresas e gestores, com punições criminais e multas que vão de 0,1% a 20% do faturamento bruto.
Isso não quer dizer, no entanto, que antes a corrupção estava liberada. Do ponto de vista criminal, atos ilícitos sempre foram passíveis de punição, mas a punição era limitada à pessoa física. Não havia lei que tratasse o assunto de maneira direta para empresas — o tema aparece de maneira subsidiária, por exemplo, na Lei das Licitações e na Lei de Improbidade Administrativa.
Para Salim Jorge Saud Neto, advogado e sócio na área societária, fusões e aquisições do escritório Mayer Brown, como é mais recente, a Lei Anticorrupção brasileira é uma evolução daquelas criadas ao redor do mundo em períodos anteriores. É até mais ampla do que a existente nos Estados Unidos e conta com uma dosimetria de multas “razoável”.
Ele destaca o peso que a lei conferiu aos programas de integridade nas companhias — não se trata de uma obrigação aplicá-los, mas em caso de processo a não existência deles joga contra a companhia.
Segundo o especialista, a lei vai além da corrupção propriamente dita, tratando também de sanções administrativas por atos contra a administração pública, de licitações e da questão de dificultar a investigação e fiscalização por parte dos órgãos públicos, além de estabelecer a responsabilidade objetiva — ou seja: não precisa ter culpa ou conhecimento dos fatos, mas se houver violação, a empresa pode ser punida.
São considerados atos lesivos: propor vantagem indevida, financiar ou subvencionar práticas ilícitas, ocultar ou simular reais interesses, fraudar licitação, manipular contrato para obtenção de aditamentos com órgãos públicos, dificultar atividades de investigação.
Mal na foto
Além das multas financeiras, a empresa condenada com base na Lei Anticorrupção sofre um considerável dano de reputação, uma vez que é obrigada a publicar sua condenação em jornal de grande circulação, em lugar bem visível no site da empresa, e afixar o fato em edital na sede.
Além disso, há possibilidade de apreensão de bens, suspensão parcial das atividades, dissolução compulsória da Pessoa Jurídica e proibição de receber incentivos e subsídios de órgãos públicos por cinco anos — o que inclui, por exemplo, empréstimos do BNDES.
“Imagine o que isso significa para uma empresa que depende dessas linhas de crédito”, afirma Saud.
As condenações corporativas podem ser acompanhadas de penas para pessoas físicas, uma vez comprovada a culpa dos administradores.
Punição
As sanções foram publicadas em decreto em março deste ano. Elas levam em conta o faturamento e a situação econômica da empresa, a continuidade dos atos, ciência e tolerância do corpo diretivo, reincidência, interrupção de serviços públicos e valores dos contratos.
Os atenuantes das sanções incluem: a não consumação do ato ilícito, o ressarcimento a órgão público lesado, colaboração com a investigação, comunicação espontânea do ilícito e acordos de leniência (que pode diminuir a multa em 2/3).
Entrando nos eixos
Saud ressalta o destaque especial aos programas de integridade empresarial previstos na lei. A responsabilidade da aplicação e da efetividade deste programa é dos gestores da empresa.
A lei estabelece 16 parâmetros que precisam ser cumpridos pelas empresas com faturamento acima de R$ 3,5 milhões por ano (com dispensa de alguns deles para pequenas e microempresas).
Na prática, eles servem de um guia prático sobre a linha ser seguida. E incluem:
– comprometimento da alta administração,
– padrões de conduta têm de ser aplicáveis a todos os funcionários e aos prestadores de serviço,
– controles internos,
– análise periódica dos riscos,
– registros contábeis precisos e transparentes,
– independência da estrutura responsável pelo programa de integridade,
– canais de denúncia,
– proteção aos denunciantes de boa fé,
– medidas disciplinares em caso de delação,
– procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades,
– obrigatoriedade para que terceirizados cumpram o programa,
– monitoramento contínuo do programa visando seu aperfeiçoamento,
– transparência no caso de doações a partidos políticos ou candidatos.
Corrupção geral
A lei foi criada para tentar combater um mal bastante arraigado no Brasil, mas o país está longe de ser uma exceção em desvios.
De acordo com a ONG Transparência Internacional, a maioria das nações padece do problema. Em 2014, antes que os mais escândalos fossem revelados, a nota do Brasil no ranking da Transparência foi de 43, o que se enquadra como sendo uma economia de corrupção média.
Histórico
A legislação anticorrupção mundial começou pelos Estados Unidos, em 1977, com a criação do FCPA (Foreign Corruption Pratices Act), que nasceu para punir empresas norte-americanas que participassem de atos de corrupção no exterior. “Se entendeu que para combater a corrupção dentro do país era necessário combatê-la também fora do país”, contextualiza Saud Neto.
A lei, no entanto, só foi pegar nos anos 1990, quando começou a ser aplicada para valer. E é ela que permite hoje que empresas estrangeiras, com alguma ligação com os Estados Unidos, também possam ser investigadas e punidas — o caso Fifa é o exemplo mais recente (Clique aqui para saber mais).
O tempo de maturação desse tipo de legislação é longo. A Inglaterra, por exemplo, só foi publicar sua própria lei, o UK Bribery Act, em 2010.
Além dos países de vanguarda na luta contra desvios, há pressão internacional por práticas honestas de negócios. Ela ocorre por meio de organismos internacionais como OEA (Organização dos Estados Americanos), OCDE (Organização para o Comércio e Desenvolvimento Econômico) e ONU (Organização das Nações Unidas), que dispõem de convenções específicas, muitas das quais o Brasil é signatário.
O princípio em jogo é que, se um país coíbe a corrupção, ele não pode ser penalizado, uma vez que outro país onde a corrupção é aceita pode levar vantagens competitivas, derivadas de ações condenáveis criminalmente.
- Brasil 97
- Compliance 66
- Gestão de Risco 200
- Legislação 17
- Mercado 247
- Mundo 102
- Opinião 25
- Resseguro 105
- Riscos emergentes 10
- Seguro 198