“É mais barato andar na linha”, diz presidente do Coaf
- 1058 Visualizações
- Oscar Röcker Netto, em São Paulo
- 4 de outubro de 2016
- Sem categoria
Antonio Gustavo Rodrigues propõe reinterpretação da Lei de Gérson para mudar cultura de negócios e diz que no longo prazo o que vale é a integridade
O processo de implementação e melhoria de boas práticas está em ascenção nas empresas, mas ainda há um bom caminho para mudar a cultura de fazer negócios no Brasil.
Segundo especialistas, alguns aspectos importantes estão influenciando positivamente o processo que se desenvolve no Brasil: a lei, que quando aplicada tem um grande poder de convencimento, e o caixa, que implica num antigo clichê de que a dor financeira muitas vezes traz um grande aprendizado.
“É mais barato andar na linha”, resume o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Antonio Gustavo Rodrigues. Essa é uma ideia, no entanto, que de acordo com ele ainda precisa ser incorporada aos hábitos empresariais no país.
No momento atual, o preço a pagar pode ser dimensionado por algumas manchetes recentes da Operação Lava Jato, cujos acordos de leniência envolveram valores na casa do bilhão de reais — o que está sendo negociado com a Odebrecht especula-se que chegue a R$ 6 bilhões em devolução de dinheiro obtido por propina.
A Lei Anticorrupção, por sua vez, prevê multas de até 20% do faturamento para empresas condenadas.
Rodrigues, contudo, lembra também de valores intangíveis que saem chamuscados quando casos de más práticas vêm à tona. É o caso da reputação, por exemplo, que abalada os envolvidos nas operações da Polícia Federal — normalmente bastante midiáticas.
Além dos casos mais vistosos, situações de dia a dia também reforçam a necessidade de ações mais ativas por parte das empresas no desenvolvimento de medidas anticorrupção.
De acordo com o relatório de atividades de 2015 do Coaf, por exemplo, o órgão produziu 4.304 Relatórios de Inteligência Financeira, relacionados a cerca de 140 mil pessoas físicas e jurídicas e que consolidaram outras 140 mil comunicações de operações financeiras que chegaram ao conselho no ano passado.
Protegidos por lei, esses relatórios são elaborados para abastecer investigações de pessoas e empresas por parte das autoridades. Originam-se em comunicados feitos ao órgão que podem denotar algum desvio.
O Coaf é uma Unidade de Inteligência Financeira ligada ao Ministério da Fazenda cujo objetivo é combater a lavagem de dinheiro (e também o financiamento ao terrorismo). No ano passado, o trabalho do órgão contribuiu no bloqueio de R$ 55,9 milhões em contas ou aplicações financeiras de pessoas físicas ou jurídicas suspeitas. No ano anterior, o valor foi significativamente maior, R$ 484 milhões, e em 2013, R$ 928 milhões.
Até meados de 2015, o conselho havia abastecido a Polícia Federal com cerca de 8,9 mil comunicados de movimentações financeiras atípicas relativas à Operação Lava Jato, ocorridas desde 2011, que movimentaram cerca de R$ 50 bilhões.
“O cerco está se fechando”, avalia Roberto Livianu, promotor de Justiça e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção. Para ele, aplicar programas efetivos de integridade não diz respeito apenas à lei, mas é uma questão cada vez mais forte de diferencial competitivo.
Observando que no Brasil há leis que pegam e outras que não pegam, ele considera a Lei Anticorrupção e a Operação Lava Jato são divisores de águas no processo de mudança cultural relacionada à corrupção. E acredita elas têm grandes chances de representar uma guinada efetiva rumo a uma cultura mais forte de integridade.
Ele defende que a Lava Jato inaugurou um novo modelo de investigação cooperada no Brasil e que isso daqui para a frente deve se espalhar para os estados da federação. “A operação estabeleceu um novo patamar investigativo”, afirma. “As empresas [que fizerem desvios] não terão vida fácil.”
Reinterpretando Gérson
Mudanças culturais, entretanto, não acontecem de uma hora para outra, concordam os dois especialistas, que participaram de evento de compliance e controles internos promovido pela CNseg, a confederação do setor, no fim de setembro
No sempre espinhoso caminho de mudar a forma como pessoas e corporações agem, o presidente do Coaf chegou a propor uma reinterpretação da Lei de Gérson, o famoso bordão criado na década de 1970 (para uma propaganda do cigarro Vila Rica) utilizado persistentemente por malandros de todos os naipes como justificativa supostamente simpática a desvios éticos ou legais: “É preciso levar vantagem em tudo, certo?”, dizia o craque da seleção.
Desafortunadamente, a frase parece ter impregnado boa parte do inconsciente coletivo da população num sentido negativo.
Para Rodrigues, no entanto, a Lei de Gérson embute um conceito enganoso e que, mesmo que funcione, só vale para o curto prazo. “Levar vantagem não é dar um golpe hoje e ganhar 200 no lugar de 100”, defende ele. “Esperto é quem ganha 500 fazendo a coisa certa”, afirmou à plateia da CNseg.
Ele não evocou a música, mas “Galileu da Galileia”, de Jorge Benjor, serviria à perfeição de trilha sonora do argumento que defendeu: “Se malandro soubesse como é bom ser honesto, seria honesto só de malandragem”.
Rodrigues entende que trambicagens não dão samba na vida real e prejudicam o bom desenvolvimento da economia. Segundo ele, o trabalho do Coaf serve justamente para preservar as empresas daqueles que “trabalham contra o mercado”.
Livianu, por sua vez, aponta que muitas empresas mantinham práticas erradas devido ao modelo habitual de negócios e de Justiça no país. Segundo ele, a existência de um departamento formal para gerenciar o pagamento de propinas da Odebrecht, relevado pela Lava Jato, por exemplo, é “prova da certeza de impunidade”.
Mas acredita que este quadro está mudando. “Havia uma visão geral de que impunidade era uma regra absoluta; de quem detém poder nunca era alcançado pela lei”, disse ele à Risco Seguro Brasil. “A ideia de igualdade de todos perante a lei, que era algo meio de ficção, começa a se tornar algo mais real.”
Além disso, ele lembra que a Lei Anticorrupção aborda de forma clara a necessidade de as empresas disporem de programas de compliance, o que reforça ainda mais a necessidade deste setor nas estruturas corporativas.
“O grande esforço é ir construindo a mudança”, diz o presidente do Coaf. “Às vezes, falta só um pequeno ‘click’ para as pessoas cumprirem o compliance.”
A tarefa certamente não é fácil, avalia. O trabalho na área de lavagem de dinheiro “não é banal”. Uma das principais dificuldades é a própria legislação do setor. “Eu leio e releio as leis e não entendendo nada”, brincou ele para durante o encontro da CNseg.
Pressão diária
De qualquer forma, as empresas estão cada vez mais pressionadas não só a se estruturar como também a prestar informações que possam indicar desvios e abastecer eventuais investigações.
No caso dos bancos, por exemplo, todos os depósitos com valores acima de R$ 10 mil precisam ter os depositantes identificados; e o Coaf deve ser comunicado de movimentações acima de R$ 30 mil.
Concessionárias de automóveis, por sua vez, têm de reportar compras de veículo pagas em dinheiro vivo (acima de R$ 30 mil). Esse tipo de obrigação não existia até 2013.
Lojas ou mesmo pessoas físicas que vendam “bens de luxo” com valor acima de R$ 10 mil precisam manter um cadastro do cliente por cinco anos. Além disso, o Coaf estabelece que independentemente do valor, operações que o vendedor acredite serem suspeitas devem ser comunicadas ao órgão.
- Brasil 97
- Compliance 66
- Gestão de Risco 200
- Legislação 17
- Mercado 247
- Mundo 102
- Opinião 25
- Resseguro 105
- Riscos emergentes 10
- Seguro 198