Corrupção como modelo de negócio: maneiras de identificar
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- Rodrigo Amaral
- 29 de abril de 2016
- Sem categoria
Especialista lista características que ajudam a identificar se empresa foi tomada por cultura que valoriza as más práticas para ganhar dinheiro
O coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, disse nesta semana que a Odebrecht adotou a corrupção como um “modelo de negócio” por meio da criação de uma área que funcionava como um verdadeiro departamento de propinas.
A declaração foi feita quase ao mesmo tempo em que a Controladoria Geral da União (CGU) declarou inidônea a outra empreiteira, a Mendes Júnior, o que impedirá a empresa de participar de licitações públicas no futuro.
Desdobramentos como esses, impensáveis há poucos anos, mostram que, se de fato a corrupção foi um modelo de negócios viável no Brasil, a situação está mudando, e muitas empresas terão que repensar suas estratégias de crescimento, sob pena de acabar desaparecendo.
Mas como se pode detectar quão profundas são as práticas corruptas numa empresa, a ponto de ela não funcionar sem molhar a mão de alguém? Trata-se de um tema que preocupa profissionais de compliance e acadêmicos de todo o mundo.
Para ajudar a entender melhor a cultura corporativa ligada à corrupção, Alison Taylor, da ONG global Business for Social Responsability (BSR), elaborou uma lista de características de empresas corruptas compilada em um paper publicado pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Ela se baseou em trabalhos acadêmicos e entrevistas com profissionais da área e sua intenção foi ressaltar sinais de alerta que muitas vezes escapam aos departamentos de compliance.
“Essas características não garantem a existência de corrupção no interior de uma organização, mas elas indicam condições em que a corrupção se desenvolve”, afirma Taylor no estudo.
Leia abaixo quais são as características.
O fetiche do crescimento
“Muitos entrevistados afirmaram que as empresas que enfatizam de maneira avassaladora o crescimento do negócio são mais vulneráveis às más condutas”, escreve Taylor.
A situação é potencializada quando também prevalece na empresa a visão de que os “fins justificam os meios”.
Quando isso acontece, os funcionários são pressionados atingir metas de faturamento superiores às do mercado, e técnicas de motivação que enfatizam demasiadamente a “necessidade de vencer” tendem a colapsar os limites éticos dos empregados.
Taylor cita a obsessão da Volkswagen em dominar o mercado de automóveis a diesel nos Estados Unidos como um exemplo desse tipo de comportamento.
Cegueira seletiva e desculpas plausíveis
Essa é uma característica muito relacionada com o papel da alta liderança na disseminação da cultura de corrupção. Líderes arrogantes, complacentes e pouco transparentes fomentam más práticas na empresa.
“Líderes que impõem metas irrealistas baseadas em conceitos opacos e ao mesmo tempo permanecem alheios a temas ligados às operações da vanguarda do negócio podem encorajar atividades corruptas de modo implícito, ao mesmo tempo que mantêm uma possibilidade plausível de negar conhecimento,” escreve Taylor.
De acordo com um exemplo citado pela autora, se seu CEO lhe faz lembrar do ex-presidente da Fifa Sepp Blatter, é melhor botar as barbas de molho.
Sistemas complexos de comunicação
Empresas que possuem operações espalhadas em diversas localidades diferentes com frequência possuem sistemas de comunicação que diluem as responsabilidades por decisões.
Isso porque a necessidade de delegar decisões a vários graus da hierarquia muitas vezes não é acompanhada por um sistema de responsabilização – o que em inglês se chama accountability, um conceito para o qual nem mesmo existe uma boa tradução para o português.
Quando há problemas, portanto, fica fácil para um empregado jogar a culpa em outro, que passa a bola para o próximo na lista e assim por diante. A maior preocupação acaba sendo a de preencher a papelada burocrática de forma que nenhuma responsabilidade lhe possa ser atribuída.
Taylor cita especialistas segundo os quais uma das melhores maneiras para crescer na hierarquia de uma empresa é justamente evitar dar más notícias para os superiores.
Muita pressão e grandes recompensas
“Empresas que pressionam seus empregados a atingir altas metas de vendas por meio de prêmios e penalidades que ignoram considerações éticas são mais vulneráveis à corrupção”, pondera Taylor. “Muitas empresas que enfrentam hoje acusações de pagamento de propina, como a GlaxoSmithKline na China, utilizaram esquemas de remuneração baseadas em vendas que deixaram de levar em conta as condições do mercado local.”
Isso porque a solução mais “eficiente” encontrada para atingir as metas de vendas com frequência é subornar clientes.
A autora também nota que, em muitas empresas, equipes que conseguem resultados estelares muitas vezes se tornam intocáveis, e a alta liderança prefere não saber como é que esse sucesso é obtido.
Urgência e necessidade que minam os valores da empresa
Funcionários corruptos muitas vezes argumentam que, se não aceitarem se envolver em irregularidades, a empresa pode ir para o brejo, destruindo empregos e arruinando seus funcionários.
É um falso sentido de urgência e necessidade utilizado para racionalizar decisões desonestas, já que proporciona uma desculpa para ignorar os sistemas de compliance, de acordo com a autora.
Ela cita executivos da Siemens que, quando a empresa se viu envolvida em um dos maiores escândalos de corrupção corporativa já apurados, argumentaram: “Pensamos que tínhamos que fazê-lo. Caso contrário, arruinaríamos a empresa”.
Linguagem e processos sociais que legitimizam a corrupção
Uma forma de minar os sistemas de compliance e legitimizar más práticas é utilizar uma linguagem “divertida” que ridiculariza uns e glamouriza outros.
A autora cita, por exemplo, que, na consultoria de engenharia SNC Lavalin, os pagamentos de propina eram referidos pela sigla PCC, referente a Project Consulting Cost, ou custo de consultoria de projeto.
A energética Enron gastou milhões de dólares em propinas na Índia, nos anos 1990, sob a insígnia de fundos para “educar os indianos”.
Em um caso de corrupção na Nigéria, propinas eram descritas como “arranjos culturais”.
No setor bancário anglo-saxão, treinamentos em compliance são comumente referidos como “sheep dipping”, ou “mergulhar a ovelha”, em referência a uma técnica utilizada por fazendeiros para dar uma limpada rápida nos ovinos.
O extraordinário Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht certamente ganhará lugar de destaque nesta lista em um futuro próximo.
Clique aqui para ler o estudo em inglês.
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