Caso Petrobras reforça necessidade de tirar compliance do papel
- 3637 Visualizações
- Rodrigo Amaral
- 7 de agosto de 2015
- Sem categoria
Empresa tenta se alinhar à tendência global. Exemplos internacionais mostram importância de ir além do tema corrupção.
Em meio às investigações da Operação Lava Jato e às preocupações com os resultados da empresa, o anúncio da Petrobras de que começará a avaliar os programas de conformidade (ou compliance) de seus parceiros comerciais passou quase despercebido.
Mas a medida, se realmente implantada, pode representar um passo vital rumo à mudança dos hábitos empresariais das empresas brasileiras.
Em todo o mundo, grandes empresas estão sendo cada vez mais pressionadas a não só adotar práticas de negócios que seguem padrões éticos aceitáveis, mas também a garantir que seus fornecedores façam o mesmo. Tais padrões se referem não apenas à corrupção de agentes públicos, mas também a temas ligados aos direitos humanos, à preservação do meio ambiente e outros temas de grande relevância para a sociedade.
Princípios como a responsabilidade objetiva das empresas, implementada no Brasil pela recente Lei Anticorrupção, tornou mais difícil para uma organização argumentar que não sabia que um funcionário ou um fornecedore estava cometendo uma infração enquanto trabalhava com seu empregador ou cliente. Conceitos similares estão incluídos nas legislações de outros países como os Estados Unidos, Reino Unido e França e se espalham rapidamente pelo mundo.
“Muitas empresas brasileiras ainda não têm praticamente nada implementado na área de compliance”, disse Fabio Haddad, gerente executivo de Compliance da consultoria ICTS, especializada no tema. “Algumas têm apenas um código de ética, às vezes um canal de denúncias interno. Mas desde o começo da Operação Lava Jato, tem havido uma procura muito grande para realmente implantar um programa efetivo de compliance como a lei exige, e já há companhias trabalhando nisso.”
Argumento
Especialistas deixam claro que mesmo o melhor programa de compliance não tem como garantir que irregularidades não venham a acontecer. Mas eles são um argumento importante para a defesa de uma empresa em um eventual caso de corrupção, aumentando a chance de penas menos severas e de se firmar acordos de leniência com a Justiça.
Em um comunicado divulgado na sexta-feira, 31/7, a Petrobras anunciou que, a partir de agora, seus fornecedores “deverão prestar informações detalhadas sobre estrutura, finanças e mecanismos de compliance (conformidade) e combate à fraude e à corrupção, entre outros itens, sendo avaliadas pelo processo conhecido como Due Diligence de Integridade.”
“O objetivo é aumentar a segurança nas contratações de bens e serviços e mitigar riscos em relação às práticas de fraude e corrupção”, segue o comunicado. “A companhia vem implementando ações para que apenas os fornecedores que comprovarem adotar medidas de conformidade e integridade sejam mantidos no cadastro da Petrobras e possam participar de processos licitatórios.”
As medidas para monitorar a adequação de fornecedores incluem o direito, por parte da Petrobras, de realizar auditorias no interior de seus fornecedores. Como a Petrobras possui milhares de fornecedores, muitos deles empresas brasileiras, a medida pode ter um efeito multiplicador importante na economia.
E medidas similares estão sendo rapidamente adotadas por grupos empresariais multinacionais que trabalham com cadeias de suprimento globais. Um exemplo relevante para as empresas brasileiras é o setor automobilístico.
Eficiência
A produtividade é outro argumento que reforça os efeitos positivos do compliance.
Um relatório do USCBC, o conselho de negócios Estados Unidos-China, cita por exemplo o caso de uma empresa que, em 2007, realizou um detalhado trabalho de seleção de seus parceiros comerciais chineses com base na conformidade das empresas com o FCPA, a lei anticorrupção empresarial americana.
De 300 fornecedores, a empresa descobriu que apenas 70 podiam ser considerado conformes e cortou relações com os demais. O resultado foi um aumento de 17% de sua margem de lucro.
No papel
Os mais céticos podem argumentar que uma coisa é anunciar a intenção de implementar práticas de negócios éticas, e outras é fazê-lo de forma efetiva.
Com base nas revelações da Operação Lava Jato, o histórico da Petrobras na área de compliance certamente não gera grande confiança. E várias das empresas envolvidas nas denúncias possuem seus próprios programas de compliance, códigos de ética e outras iniciativas que soam bastante bem, mas parecem mostrar pouca habilidade de impedir irregularidades.
Uma delas possui em seu site uma linha de denúncias para funcionários, fornecedores e clientes exporem atividades duvidosas. Um detalhado código de conduta de 14 páginas pode ser baixado do site por qualquer pessoa e inclui regras que devem reger as relações com agentes tanto públicos como privados.
O documento proíbe, entre outras coisas, “financiar, custear ou de qualquer forma patrocinar a prática de atos ilícitos”. Além disso, “(é) igualmente vedado o oferecimento de presentes, ou benefícios, inclusive o pagamento de viagens aos agentes públicos e privados ou a seus familiares, quando visem influenciar decisões.”
Outra das empresas mais citadas nas investigações afirma possuir um Código de Ética e Conduta baseados em 12 “princípios sólidos” que regem as atividades de seus funcionários com respeito a áreas como a relação como poder público, direitos humanos, meio-ambiente e outras.
A aparente dissonância entre o que se diz e o que se faz ilustra a dificuldade que existe em mudar velhos hábitos empresariais a fim de abraçar de verdade práticas cada vez mais exigidas pela sociedade e pela Justiça.
O papel da opinião pública fica claro no Brasil por meio da reação da sociedade às revelações da Lava Jato e outros escândalos empresariais. O dano de reputação sofrido pelas empresas citadas é um dos fatores que indicam que novas medidas de compliance, como as anunciadas pela Petrobras, desta vez de fato saiam do papel.
Vale lembrar que em lugares como os Estados Unidos ou a União Europeia algumas empresas envolvidas no passado em denúncias de corrupção agora são citadas como exemplos de vanguarda do setor de compliance.
Referências
Hoje também é difícil alegar que não há referências legais suficientes para auxiliar as empresas a implementar um plano de conformidade que satisfaça à Justiça. A Lei Anticorrupção e os decretos e portarias que os regulamentam detalham os 16 parâmetros que são utilizados para avaliar um programa de conformidade em um eventual processo judicial (clique aqui para saber mais).
Ressalte-se que o primeiro deles é o “comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa”.
Cenas de altos dirigentes de empresas, incluindo presidentes e proprietários, algemados e levados à cadeia por suspeitas de corrupção, indicam que cada vez mais se exigirá de líderes empresariais um comprometimento real com as boas práticas de negócios.
Afora o patrocínio formal do programa de compliance, código de ética e outros documentos de boas práticas, isso também exige que as mensagens mais amplas de diretores e presidentes a seus subordinadas estejam em linha com os princípios propagados, diz Richard Bistrong, consultor americano especializado na área.
Ele observou que pouco adianta implementar os programas se, ao mesmo tempo, a chefia exige dos funcionários que obtenham ganhos exorbitantes a qualquer preço, especialmente em mercados onde as práticas empresariais ainda são um tanto nebulosas.
O trabalho é portanto árduo, mas parece cada vez mais inevitável para empresas de maior porte. E o compliance na verdade tende a ser muito mais amplo do que a regulação da relação com os agentes públicos.
“Hoje, no Brasil, é a Lei Anticorrupção que está impulsionando o compliance”, afirmou Mauricio Reggio, diretor-sócio da ICTS. “Há outros crimes e irregularidades que também trazem punições às empresas, como por exemplo o trabalho escravo.”
Na Europa e Estados Unidos, grandes companhias e seus fornecedores estão sendo pressionadas a dedicar cada vez mais recursos a garantir a conformidade de suas atividades a temas éticos, ambientais, direitos humanos, responsabilidade social e várias outras áreas.
- Brasil 97
- Compliance 66
- Gestão de Risco 200
- Legislação 17
- Mercado 247
- Mundo 102
- Opinião 25
- Resseguro 105
- Riscos emergentes 10
- Seguro 198