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PMEs ainda desconhecem a gestão de risco

Jonathas Abdou, da JMalucelli.
Jonathas Abdou, da JMalucelli.

Qual o principal obstáculo para a aplicação de processos de gestão de risco em pequenas e médias empresas no Brasil?

Para Jonathas Abdou, gerente da JMalucelli Controle de Riscos, uma consultoria de riscos que faz parte do grupo segurador sediado em Curitiba, o principal entrave é a falta de conhecimento sobre um setor ainda considerado “elitizado” por muitos pequenos e médios empresários.

“Fica difícil para quem nunca teve experiência de sinistros entender a importância da gestão de riscos”, disse ele em recente encontro realizado com cerca de 40 pequenos empresários paranaenses.

Abdou acredita que a saída passa pelo aprimoramento da comunicação entre as seguradoras (que vendem seguros corporativos), gestores e consultores de risco (que auxiliam na calibragem adequada a cada caso) e os clientes.

Além, claro, de um esforço dos empresários para implementar efetivamente as práticas de gestão de risco. “Antes de qualquer metodologia, é preciso ter uma pessoa responsável, que consiga transitar em todas as áreas da empresa e entender todos os riscos”, aconselha o especialista.

Há, portanto, um “trabalho de formiguinha” para os vários agentes do setor.

Provocação
Para empresas sem nenhum histórico na área, Abdou sugere passos iniciais bem simples. Pode ser, por exemplo, um bom levantamento dos riscos potenciais e possíveis soluções— trabalho que pode ser feito pela própria equipe interna da empresa. “Começa aí, com uma provocação,” disse o especialista. A partir daí, a técnica pode ser aperfeiçoada, recorrendo-se quando for o caso a ajuda especializada.

Ações simples têm o mérito de driblar um obstáculo sempre presente no setor, principalmente em tempos de economia complicada: o fantasma de novos custos financeiros.

Daí o eco favorável na plateia presente, que relatou casos do dia-a-dia. O dono de uma marmoraria, por exemplo, disse ter dificuldades para fazer seu pessoal usar os equipamentos de segurança. Já um operador de contêineres no Porto de Paranaguá contou que sofre para controlar o tráfego de pessoas externas numa área de trabalho potencialmente perigosa.

Tratam-se de dois exemplos nos quais o “olho do dono” já colocou a gestão de risco no radar da empresa. “Risco não gerenciado pode gerar perdas e danos”, lembrou Abdou.

Em casos com esses, ao ser aplicado o primeiro passo sugerido pelo gerente, o resultado é um mapa de risco inicial — ainda básico, mas que já ajuda a balizar os caminhos a serem seguidos para diminuir os riscos, sejam eles financeiros, operacionais, estratégicos ou acidentais.

Para o desenvolvimento deste processo a cartilha básica do gerenciamento de risco aponta alguns caminhos clássicos: 1) tolera-se o possível dano; 2) trata-se dele (melhorando equipamentos, por exemplo); 3) transfere-o (por meio de seguro); ou 4) “elimina-o” (por meio, por exemplo, de controles periódicos e estruturados; com a ressalva de que risco zero não existe em nenhuma atividade).

Conhecimento

Adriano Valente, consultor.
Adriano Valente, consultor.

De acordo com o consultor de risco Adriano Valente Rocha, quanto maior o conhecimento sobre riscos, maior a propensão das empresas de começar a lidar com eles de forma mais profissional.

“Ninguém vira empreendedor para ter uma empresa amadora”, disse Rocha, que organizou o encontro em Curitiba. Ele reforçou um ponto sensível para todos os empresários: “A gestão de riscos, se bem aplicada, melhora o resultado [financeiro] da empresa”.

Está aí uma das principais razões por que a gestão de risco é uma área com forte expansão em grandes empresas. Mais complexas e bem estruturadas, cada vez mais elas aplicam ou reforçam no seu dia-a-dia sistemas de controle contra danos potenciais ao seu desenvolvimento. “Está todo mundo vendo que é por aí”, disse Abdou.




Internacionalização exige gestão de riscos integrada

Andrea Almeida, diretora de Riscos Corporativos da Vale.
Andrea Almeida, diretora da Vale.

A gestão de riscos teve um desenvolvimento acelerado na última década no Brasil graças ao processo de internacionalização das empresas brasileiras e pode ganhar um novo impulso com casos de corrupção como o escândalo da Petrobras.

Essa é a visão de Andrea Almeida, diretora de Gestão de Risco Corporativo da Vale, terceira maior mineradora do mundo. Para ela, o perfil de risco das empresas brasileiras está mudando na medida em que elas se integram cada vez mais na economia global.

“A gerência de riscos tem se desenvolvido muito entre as grandes empresas brasileiras nos últimos anos”, diz Almeida em entrevista exclusiva à Risco Seguro Brasil. “Várias companhias que são listadas [em bolsa] lá fora tiveram o incentivo de se adaptar a normativas internacionais, como a lei Sarbanes-Oxley nos Estados Unidos, que exigem que a gerência de riscos seja implementada de uma forma mais efetiva.”

A Vale é um exemplo ilustrativo deste processo. As atividades internacionais da empresa cresceram de forma acelerada nas últimas duas décadas. Uma das consequências dessa evolução foi a constatação de que é preciso integrar as atividades de gerência de riscos para reduzir as exposições enfrentadas pela companhia em seus vários mercados.

Por um lado, há risco de caráter legal, já que regras dos mercados de capitais em diversos países têm posto cada vez mais ênfase na gestão de riscos e na responsabilização dos dirigentes em caso de problemas causados por atividades empresariais.

Mas as empresas brasileiras globalizadas também enfrentam no exterior uma série de riscos que não são parte de seu dia-a-dia no mercado local. Um caso típico é o dos terremotos e furacões que frequentemente atingem partes da América Latina e os Estados Unidos. Outro exemplo é o terrorismo.

“Na medida em que as empresas se expandem no exterior, elas enfrentam uma série de novos desafios que fazem com que a gestão integrada de riscos tenha muito sentido”, afirma Almeida.

Histórico
A área de gestão de riscos da Vale está integrada em uma unidade independente desde 2004, ano em que Almeida assumiu a diretoria, que se reporta diretamente ao CFO (Chief Financial Officer) da empresa. Outros grupos que tiveram seu processo de globalização acelerado nos anos 2000 vivem um fenômeno semelhante, e, segundo ela, empresas de menor porte também começam a prestar mais atenção ao tema.

O progresso da gerência de riscos às vezes é resultado de acidentes sofridos pelas empresas. Algumas perdas de grande porte incentivaram empresas a levar o tema mais a sério. Foi o caso do uso de derivativos para fins especulativos em 2008, que rendeu ações de responsabilidade contra dirigentes de grandes empresas brasileiras. E um novo impulso deve ser dado pelo escândalo da Petrobras, que está ressaltando a importância da gestão de riscos e de compliance no setor produtivo.

“A Lei Anticorrupção e a perspectiva de que empresas podem perder bilhões de reais devido a casos de corrupção podem motivar a implementação de sistemas de gerência de riscos mais parrudas”,  diz Almeida. “Mas para evitar eventos como o que a Petrobras está sofrendo é necessário também ter um canal de denúncias eficiente, além de uma estrutura por trás deste canal que funcione de forma eficiente.”

Muitas empresas enfrentam falta de capacidade para desenvolver uma área de gestão de riscos digna do nome. Mas, segundo Almeida, hoje já é possível encontrar no Brasil tecnologia e conhecimento para implementar um programa com as características corretas. Dez anos atrás, os mercados internacionais eram virtualmente a única fonte de informação para os profissionais do setor. No caso da Vale, a experiência na Austrália foi muito produtiva. Forte em mineração, o país já tinha uma gestão de risco bastante avançada quando a empresa chegou por lá.

Desafios
Almeida ressalta porém que o setor continua enfrentando uma série de desafios no Brasil. Um deles é a conscientização dos conselhos de direção, que, assim como em outras partes do mundo, nem sempre colocam a gestão dos riscos corporativos entre as suas prioridades — situação que aos poucos está mudando no país.

“Cada vez mais os conselheiros estão entendendo que eles têm uma responsabilidade pelo que acontece de negativo dentro da empresa. E isso tem aumentado o interesse pela gestão de riscos”, afirma ela. “O desafio é definir como o gestor de riscos deve apresentar o seu caso ao conselho de administração. Entidades como o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) estão procurando orientar os conselheiros a compreender melhor o tema e até a fazer as perguntas certas ao gerente de risco. Mas é complicado explicar de forma resumida os resultados das análises que o gerente de risco faz.”

Outro desafio comum com o de mercados avançados, ainda que mais evidente no Brasil, é a dificuldade de encontrar as pessoas certas para trabalhar em uma área extremamente abrangente e que exige conhecimentos técnicos em várias disciplinas.

“É difícil encontrar profissionais adequados para as necessidades de cada empresa. Por isso nós treinamos os nossos gestores de riscos in house,” conta Almeida. “Nós buscamos, por exemplo, profissionais com doutorado que possuem uma forte base técnica a partir da qual é possível desenvolver as habilidades de que a empresa necessita. É uma estratégia que tem tido muito sucesso.”