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Interesse do gestor tem de ir além da apólice de seguro

Carl Leeman, presidente da Ifrima
Carl Leeman, presidente da Ifrima.

Capacidade de comunicação e vontade de aprender coisas novas são características essenciais do gestor de riscos na economia global, segundo um dos mais importantes representantes da profissão em todo o mundo.

Em entrevista exclusiva à Risco Seguro Brasil, Carl Leeman, presidente da Federação Internacional das Associações de Gestão de Riscos e de Seguros (Ifrima, na sigla em inglês), defende que um bom gestor de riscos tem de se interessar por assuntos que vão muito além da compra de apólices de seguro.

Ele ressalta que uma formação técnica em áreas como engenharia, finanças ou direito constitui um ponto de partida importante para quem quer ingressar em um setor em que há alta demanda por profissionais de alta qualificação, tanto no Brasil quanto no exterior.

Mas o gestor de risco de sucesso vai estar sempre expandindo seus conhecimentos na busca de novas ameaças ao desenvolvimento ou mesmo à sobrevivência da empresa.

“Os gestores de risco precisam ser especialistas em alguma coisa, e generalistas em todo o resto”, afirma Leeman, que também é CRO (chief risk officer) da multinacional de logística Katoen Natie. “Você não pode parar jamais de se educar.”

Adaptabilidade
Hoje em dia, gestores de risco de grupos multinacionais precisam estar atualizados com temas tão diferentes quanto os riscos cibernéticos, legislações ambientais e as condições sociais, políticas e econômicas dos países onde suas empresas operam.

Para Leeman, isso exige uma capacidade de adaptação muito grande por parte dos profissionais da área, e essa é uma tendência que já chegou a países emergentes como o Brasil. “No Brasil, as habilidades e talentos que se esperam dos gestores de risco não são diferentes do que acontece em outros países”, afirma.

“Em primeiro lugar está a habilidade de se comunicar de maneira efetiva. Você precisa ser capaz de conversar com todo mundo em sua empresa e de assegurar que a informação flua dentro da organização. Gestores de risco não podem simplesmente ficar sentados em um escritório lendo planilhas de cálculo e falando com seguradores. Visitar o chão de fábrica e educar as pessoas é um trabalho mais importante.”

Mas o gestor de risco não tem condições de ser um especialista em todas as áreas de uma grande companhia. No final das contas, ele é um facilitador que procura orientar e animar cada setor a cuidar seus próprios. Mas é necessário ao menos ter uma noção de quais são os temas envolvidos para interrogar outras áreas a respeito de suas preocupações.

“Outro aspecto importante é saber fazer as perguntas corretas,” Leeman disse. “Ao questionar como as coisas estão sendo feitas, o gestor de riscos às vezes consegue descobrir que elas não sendo feitas como deveriam.”

Confiança
Outra característica do bom gestor de risco é a capacidade de ganhar e manter a confiança de seus colegas de empresa.  “Você precisa tomar muito cuidado com a maneira como maneja a informação recebida”, aconselha o presidente da IFRIMA. “Caso contrário, ninguém vai lhe dizer mais nada no futuro.”

De acordo com Leeman,  houve um fortalecimento da gestão de risco em geral desde o início da crise global, em 2008. Ele acredita que hoje em dia muitas empresas, especialmente no setor financeiro, estão implementando sistemas de gestão de risco para cumprir regras de mercado implementadas após o colapso do banco Lehman Brothers — o que não deixa de ser um desdobramento positivo da crise.

“Mas é importante que isso seja feito com o objetivo de garantir o futuro da empresa, e não só para ser complacente por meio de um exercício de marcar o quadradinho”, ressalta.

Um dos principais desafios para o setor segue sendo a dificuldade de convencer os conselhos das corporações de que a gestão de riscos não cria só despesa, mas sim agrega valor para a empresa.

“Os conselhos hoje estão mais conscientes da importância da gestão de riscos. Mas com frequência essa conscientização só se observa dentro da sala de reuniões, nada acontece ou muda fora dela em termos de gestão de riscos”, avalia ele. “Aí as coisas ficam realmente complicadas na hora de fazer as mudanças e investimentos de que a empresa necessita. Alguns conselhos simplesmente não querem investir.”

 




Cadeia de suprimentos liga Brasil a riscos complexos

Julia Graham, presidente da Ferma.
Julia Graham, presidente da Ferma.

O mundo hoje tem mais riscos que dez anos atrás, e um constante processo de mudança vai continuar criando desafios cada vez mais complicados para as organizações. A avaliação é da líder da maior associação pan-nacional de gestão de riscos.

A presidente da Federação Europeia das Associações de Gestão de Risco (Ferma), Julia Graham, disse à Risco Seguro Brasil que as pressões criadas por cadeias de suprimento globalizadas colocam as empresas brasileiras e de outros países emergentes diretamente neste cenário de riscos mais complexos.

“Nós vivemos hoje em um mundo com mais riscos, que se move mais rapidamente e que está mais interconectado”,  afirmou Graham. “E continuamos enfrentando tempos econômicos desafiantes. É o novo normal. Trata-se de um mundo que cria muitos mais desafios.”

Graham preside uma organização que está no centro dos esforços para disseminar a gestão de riscos na Europa e no mundo. Criada em 1974, a Ferma reúne 22 associações nacionais do setor, incluindo representações de países onde a área está bastante madura, como França, Inglaterra e Alemanha, mas também de economias emergentes como Eslováquia, Polônia e Turquia. A entidade também aceita  participação de membros individuais e conta com 4.200 empresas, organizações governamentais e não-governamentais em seus quadros.

Bem informados
Uma das prioridades da instituição é manter seus associados a par das muitas mudanças regulatórias realizadas pela União Europeia e que atingem de alguma maneira as atividades empresariais. Um exemplo de antiga bandeira empunhada pela federação foi a defesa dos direitos dos compradores de seguro durante o longo processo de discussão da diretriz Solvência II, que regula o mercado segurador.

Outro exemplo é a integração nas leis dos 27 países membros de regras que aumentam a responsabilidade das empresas pelas atividades de seus parceiros comerciais. Cada vez mais, as empresas europeias se tornam responsáveis por qualquer desrespeito aos direitos humanos ou danos ambientes causados por seus provedores, mesmo quando eles estão localizados em países que não fazem parte da União Europeia.

A gestão das responsabilidades dentro de cadeias de suprimentos globalizada é justamente uma das formas pelas quais a gestão de riscos está se espalhando pelo mundo. “Você pode terceirizar os serviços e a produção, mas você não pode terceirizar a responsabilidade”, disse Graham, que também é a CRO (chief risk officer) da DLA Piper, uma empresa internacional de advocacia com sede em Londres.

“Se uma empresa está produzindo bens e serviços no Brasil e sua sede está na França, na Itália ou na Espanha, a responsabilidade viaja junto com a empresa matriz,” continuou a presidente da Ferma.

Ela observou que os desafios são potencializados pela constante evolução dos riscos enfrentados pelas empresas globais.

“Dez anos atrás, o mundo do gestor de risco tinha mais relação com a estrutura física [das empresas], com temas como incêndio, e tinha um foco grande nos seguros,” afirmou Graham. “Mas hoje está muito mais ligado à possibilidade de ajudar as organizações a ganhar consciência a respeito dos grandes temas, a lidar com culturas diferentes. Com frequência, a compra de seguros continua sendo a decisão correta, mas no caso de vários riscos o papel do gestor é muito mais profundo do que isso.”

Certificação profissional
A capacitação de profissionais capazes de assumir posições de liderança em uma atividade tão complexa é portanto uma das preocupações da federação. Nos últimos anos, a entidade desenvolveu um processo de certificação de gestores de risco que tem o objetivo de prover os profissionais da área com um atestado que comprove suas qualificações para trabalhar na área. A primeira rodada de certificados deve ser entregue ainda no segundo semestre deste ano.

O documento vai atestar que o profissional está qualificado para trabalhar como gestor de risco nos países representados na Ferma, mas Graham acredita que essa comprovação também será bem recebida por empregadores de outras partes do mundo.

“Há um interesse muito ativo no mundo pelo tema da certificação”, disse ela. “Tenho certeza que no Brasil e no restante da América Latina a certificação também vai ser calorosamente recebida.”