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Caso Petrobras reforça necessidade 
de tirar compliance do papel

Em meio às investigações da Operação Lava Jato e às preocupações com os resultados da empresa, o anúncio da Petrobras de que começará a avaliar os programas de conformidade (ou compliance) de seus parceiros comerciais passou quase despercebido.

Mas a medida, se realmente implantada, pode representar um passo vital rumo à mudança dos hábitos empresariais das empresas brasileiras.

Em todo o mundo, grandes empresas estão sendo cada vez mais pressionadas a não só adotar práticas de negócios que seguem padrões éticos aceitáveis, mas também a garantir que seus fornecedores façam o mesmo. Tais padrões se referem não apenas à corrupção de agentes públicos, mas também a temas ligados aos direitos humanos, à preservação do meio ambiente e outros temas de grande relevância para a sociedade.

Princípios como a responsabilidade objetiva das empresas, implementada no Brasil pela recente Lei Anticorrupção, tornou mais difícil para uma organização argumentar que não sabia que um funcionário ou um fornecedore estava cometendo uma infração enquanto trabalhava com seu empregador ou cliente. Conceitos similares estão incluídos nas legislações de outros países como os Estados Unidos, Reino Unido e França e se espalham rapidamente pelo mundo.

“Muitas empresas brasileiras ainda não têm praticamente nada implementado na área de compliance”, disse Fabio Haddad, gerente executivo de Compliance da consultoria ICTS, especializada no tema. “Algumas têm apenas um código de ética, às vezes um canal de denúncias interno. Mas desde o começo da Operação Lava Jato, tem havido uma procura muito grande para realmente implantar um programa efetivo de compliance como a lei exige, e já há companhias trabalhando nisso.”

Argumento
Especialistas deixam claro que mesmo o melhor programa de compliance não tem como garantir que irregularidades não venham a acontecer. Mas eles são um argumento importante para a defesa de uma empresa em um eventual caso de corrupção, aumentando a chance de penas menos severas e de se firmar acordos de leniência com a Justiça.

Em um comunicado divulgado na sexta-feira, 31/7, a Petrobras anunciou que, a partir de agora, seus fornecedores “deverão prestar informações detalhadas sobre estrutura, finanças e mecanismos de compliance (conformidade) e combate à fraude e à corrupção, entre outros itens, sendo avaliadas pelo processo conhecido como Due Diligence de Integridade.”

“O objetivo é aumentar a segurança nas contratações de bens e serviços e mitigar riscos em relação às práticas de fraude e corrupção”, segue o comunicado. “A companhia vem implementando ações para que apenas os fornecedores que comprovarem adotar medidas de conformidade e integridade sejam mantidos no cadastro da Petrobras e possam participar de processos licitatórios.”

As medidas para monitorar a adequação de fornecedores incluem o direito, por parte da Petrobras, de realizar auditorias no interior de seus fornecedores. Como a Petrobras possui milhares de fornecedores, muitos deles empresas brasileiras, a medida pode ter um efeito multiplicador importante na economia.

E medidas similares estão sendo rapidamente adotadas por grupos empresariais multinacionais que trabalham com cadeias de suprimento globais. Um exemplo relevante para as empresas brasileiras é o setor automobilístico.

Eficiência
A produtividade é outro argumento que reforça os efeitos positivos do compliance.

Um relatório do USCBC, o conselho de negócios Estados Unidos-China, cita por exemplo o caso de uma empresa que, em 2007, realizou um detalhado trabalho de seleção de seus parceiros comerciais chineses com base na conformidade das empresas com o FCPA, a lei anticorrupção empresarial americana.

De 300 fornecedores, a empresa descobriu que apenas 70 podiam ser considerado conformes e cortou relações com os demais. O resultado foi um aumento de 17% de sua margem de lucro.

No papel
Os mais céticos podem argumentar que uma coisa é anunciar a intenção de implementar práticas de negócios éticas, e outras é fazê-lo de forma efetiva.

Com base nas revelações da Operação Lava Jato, o histórico da Petrobras na área de compliance certamente não gera grande confiança. E várias das empresas envolvidas nas denúncias possuem seus próprios programas de compliance, códigos de ética e outras iniciativas que soam bastante bem, mas parecem mostrar pouca habilidade de impedir irregularidades.

Uma delas possui em seu site uma linha de denúncias para funcionários, fornecedores e clientes exporem atividades duvidosas. Um detalhado código de conduta de 14 páginas pode ser baixado do site por qualquer pessoa e inclui regras que devem reger as relações com agentes tanto públicos como privados.

O documento proíbe, entre outras coisas, “financiar, custear ou de qualquer forma patrocinar a prática de atos ilícitos”. Além disso, “(é) igualmente vedado o oferecimento de presentes, ou benefícios, inclusive o pagamento de viagens aos agentes públicos e privados ou a seus familiares, quando visem influenciar decisões.”

Outra das empresas mais citadas nas investigações afirma possuir um Código de Ética e Conduta baseados em 12 “princípios sólidos” que regem as atividades de seus funcionários com respeito a áreas como a relação como poder público, direitos humanos, meio-ambiente e outras.

A aparente dissonância entre o que se diz e o que se faz ilustra a dificuldade que existe em mudar velhos hábitos empresariais a fim de abraçar de verdade práticas cada vez mais exigidas pela sociedade e pela Justiça.

O papel da opinião pública fica claro no Brasil por meio da reação da sociedade às revelações da Lava Jato e outros escândalos empresariais. O dano de reputação sofrido pelas empresas citadas é um dos fatores que indicam que novas medidas de compliance, como as anunciadas pela Petrobras, desta vez de fato saiam do papel.

Vale lembrar que em lugares como os Estados Unidos ou a União Europeia algumas empresas envolvidas no passado em denúncias de corrupção agora são citadas como exemplos de vanguarda do setor de compliance.

Referências
Hoje também é difícil alegar que não há referências legais suficientes para auxiliar as empresas a implementar um plano de conformidade que satisfaça à Justiça. A Lei Anticorrupção e os decretos e portarias que os regulamentam detalham os 16 parâmetros que são utilizados para avaliar um programa de conformidade em um eventual processo judicial (clique aqui para saber mais).

Ressalte-se que o primeiro deles é o “comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa”.

Cenas de altos dirigentes de empresas, incluindo presidentes e proprietários, algemados e levados à cadeia por suspeitas de corrupção, indicam que cada vez mais se exigirá de líderes empresariais um comprometimento real com as boas práticas de negócios.

Afora o patrocínio formal do programa de compliance, código de ética e outros documentos de boas práticas, isso também exige que as mensagens mais amplas de diretores e presidentes a seus subordinadas estejam em linha com os princípios propagados, diz Richard Bistrong, consultor americano especializado na área.

Ele observou que pouco adianta implementar os programas se, ao mesmo tempo, a chefia exige dos funcionários que obtenham ganhos exorbitantes a qualquer preço, especialmente em mercados onde as práticas empresariais ainda são um tanto nebulosas.

O trabalho é portanto árduo, mas parece cada vez mais inevitável para empresas de maior porte. E o compliance na verdade tende a ser muito mais amplo do que a regulação da relação com os agentes públicos.

“Hoje, no Brasil, é a Lei Anticorrupção que está impulsionando o compliance”, afirmou Mauricio Reggio, diretor-sócio da ICTS. “Há outros crimes e irregularidades que também trazem punições às empresas, como por exemplo o trabalho escravo.”

Na Europa e Estados Unidos, grandes companhias e seus fornecedores estão sendo pressionadas a dedicar cada vez mais recursos a garantir a conformidade de suas atividades a temas éticos, ambientais, direitos humanos, responsabilidade social e várias outras áreas.




Lava Jato e crise estimulam melhoria da governança nas empresas

Robert Juenemann, conselheiro do IBGC.
Robert Juenemann, conselheiro do IBGC.

Os riscos ligados ao compliance estão ganhando força no Brasil, e algumas das empresas mais conhecidas do país estão investindo no reforço de estruturas especializadas em lidar com este tema.

Em julho, a gigante alimentícia JBS  anunciou a criação de uma diretoria de compliance que terá a missão de revisar o código de conduta da companhia, que tem 215 mil funcionários espalhados por 20 países.

Já o Magazine Luiza, peso-pesado do varejo, contratou uma consultoria para readequar seu manual de governança corporativa num prazo de 18 meses.

Por sua vez, o Grupo Sílvio Santos vai finalizar nas próximas semanas um processo de reorganização de sua governança corporativa, focado em preparar terreno para a substituição do comando da empresa, proprietária de marcas como o SBT e a Jequiti Cosméticos.

Longe de serem exemplos isolados, essas ações fazem parte de um movimento de melhoria do sistema de governança e compliance das empresas brasileiras, segundo avaliação de Robert Juenemann, conselheiro de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

“Existe, sim, uma preocupação maior das empresas em buscar mecanismos que façam com que haja aperfeiçoamento de gestão”, disse ele à Risco Seguro Brasil, analisando o mercado em geral.

Escândalo
Para o especialista, há duas razões principais por trás deste fenômeno: os escândalos ligados à Lava Jato e a crise econômica.

O conturbado momento atual do país estimula, portanto, um incremento numa área fundamental para o desenvolvimento das empresas. “O que se busca num sistema de governança é o aperfeiçoamento contínuo”, disse Juenemann.

As ações da Justiça Federal e do Ministério Público, expondo práticas discutíveis em algumas das principais companhias brasileiras, instigam as demais a buscar mais transparência em seus processos.

“Não porque estejam fazendo algo de errado, mas porque estão vendo como é importante ter canais de informação eficazes para a gestão”, afirmou o especialista. “O noticiário faz com que haja uma busca geral por mais transparência.”

O fraco desempenho da economia, por sua vez, afeta os resultados e força as companhias a buscar ganhos de competitividade — o que pode ser obtido com ajustes nos processos internos.

“Cada vez mais, quando há um crescimento menor, há uma busca de mercado entre os próprios concorrentes. As empresas estão procurando se capacitar, tanto em relação a causas externas quanto a internas”, disse Juenemann.

“Para isso o compliance acaba funcionando muito bem porque estabelece limites, parâmetros e competências. Além de toda a questão jurídica, de aderência à legislação, busca-se uma maior agilidade no processo de gestão. Para saber como ser mais competente, é preciso haver processos decisórios e entender quem é competente para fazer o quê.”

Consistência
Também é importar ressaltar que as empresas agora parecem estar se tornando mais conscientes do fato de que um sistema de compliance precisa funcionar para valer, e não só existir para cumprir requisitos de manuais de governança.

Para isso, segundo Juenemann, é importante que as iniciativas sejam consistentes e agreguem de fato valor. Caso contrário, diz, o próprio mercado se encarrega de “anular” ações pouco efetivas.

“O mercado não leva a sério uma governança que não seja percebida como real”, afirmou o especialista. “É mais provável que uma empresa com esse perfil venha a ter problemas que uma outra em que os conceitos estejam introjetados e que aja de acordo com eles.”

Introjetar conceitos numa corporação significa implementar uma cultura empresarial, o que é fundamental para limitar cada vez mais as zonas cinzentas que existem nos sistemas de governança em muitos setores.

Muitas das empresas envolvidas na Lava Jato, por exemplo, têm uma estrutura formal de governança e compliance, com manual de conduta, auditorias e outros elementos do controle. Mas nada disso impediu os desvios que estão embasando ações do Ministério Público contra elas.

“O ser humano é muito criativo. É preciso buscar não só maneiras de reduzir as áreas cinzentas, aquelas em que as pessoas podem ter dúvidas sobre como devem agir, mas também investir muito, especialmente no aspecto educacional”, disse Juenemann.

“Isso faz com que haja eliminação de dúvidas sobre determinadas situações. É preciso entender o conceito e os valores da empresa e as eventuais punições se houver descumprimento de alguma regra. Tem de ser algo natural.”




Lei Anticorrupção brasileira é uma das mais avançadas do planeta

Aprovada em 2013, na esteira das manifestações populares ocorridas no país em junho, a Lei Anticorrupção (12.846/2013) entrou em vigor no Brasil no ano seguinte, estabelecendo responsabilidades para empresas e gestores, com punições criminais e multas que vão de 0,1% a 20% do faturamento bruto.

Isso não quer dizer, no entanto, que antes a corrupção estava liberada. Do ponto de vista criminal, atos ilícitos sempre foram passíveis de punição, mas a punição era limitada à pessoa física. Não havia lei que tratasse o assunto de maneira direta para empresas — o tema aparece de maneira subsidiária, por exemplo, na Lei das Licitações e na Lei de Improbidade Administrativa.

Para Salim Jorge Saud Neto, advogado e sócio na área societária, fusões e aquisições do escritório Mayer Brown, como é mais recente, a Lei Anticorrupção brasileira é uma evolução daquelas criadas ao redor do mundo em períodos anteriores. É até mais ampla do que a existente nos Estados Unidos e conta com uma dosimetria de multas “razoável”.

Ele destaca o peso que a lei conferiu aos programas de integridade nas companhias — não se trata de uma obrigação aplicá-los, mas em caso de processo a não existência deles joga contra a companhia.

Segundo o especialista, a lei vai além da corrupção propriamente dita, tratando também de sanções administrativas por atos contra a administração pública, de licitações e da questão de dificultar a investigação e fiscalização por parte dos órgãos públicos, além de estabelecer a responsabilidade objetiva — ou seja: não precisa ter culpa ou conhecimento dos fatos, mas se houver violação, a empresa pode ser punida.

São considerados atos lesivos: propor vantagem indevida, financiar ou subvencionar práticas ilícitas, ocultar ou simular reais interesses, fraudar licitação, manipular contrato para obtenção de aditamentos com órgãos públicos, dificultar atividades de investigação.

Mal na foto
Além das multas financeiras, a empresa condenada com base na Lei Anticorrupção sofre um considerável dano de reputação, uma vez que é obrigada a publicar sua condenação em jornal de grande circulação, em lugar bem visível no site da empresa, e afixar o fato em edital na sede.

Além disso, há possibilidade de apreensão de bens, suspensão parcial das atividades, dissolução compulsória da Pessoa Jurídica e proibição de receber incentivos e subsídios de órgãos públicos por cinco anos — o que inclui, por exemplo, empréstimos do BNDES.

“Imagine o que isso significa para uma empresa que depende dessas linhas de crédito”, afirma Saud.

As condenações corporativas podem ser acompanhadas de penas para pessoas físicas, uma vez comprovada a culpa dos administradores.

Punição
As sanções foram publicadas em decreto em março deste ano. Elas levam em conta o faturamento e a situação econômica da empresa, a continuidade dos atos, ciência e tolerância do corpo diretivo, reincidência, interrupção de serviços públicos e valores dos contratos.

Os atenuantes das sanções incluem: a não consumação do ato ilícito, o ressarcimento a órgão público lesado, colaboração com a investigação, comunicação espontânea do ilícito e acordos de leniência (que pode diminuir a multa em 2/3).

Entrando nos eixos
Saud ressalta o destaque especial aos programas de integridade empresarial previstos na lei. A responsabilidade da aplicação e da efetividade deste programa é dos gestores da empresa.

A lei estabelece 16 parâmetros que precisam ser cumpridos pelas empresas com faturamento acima de R$ 3,5 milhões por ano (com dispensa de alguns deles para pequenas e microempresas).

Na prática, eles servem de um guia prático sobre a linha ser seguida. E incluem:

– comprometimento da alta administração,
– padrões de conduta têm de ser aplicáveis a todos os funcionários e aos prestadores de serviço,
– controles internos,
– análise periódica dos riscos,
– registros contábeis precisos e transparentes,
– independência da estrutura responsável pelo programa de integridade,
– canais de denúncia,
– proteção aos denunciantes de boa fé,
– medidas disciplinares em caso de delação,
– procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades,
– obrigatoriedade para que terceirizados cumpram o programa,
– monitoramento contínuo do programa visando seu aperfeiçoamento,
– transparência no caso de doações a partidos políticos ou candidatos.

Corrupção geral
A lei foi criada para tentar combater um mal bastante arraigado no Brasil, mas o país está longe de ser uma exceção em desvios.

De acordo com a ONG Transparência Internacional, a maioria das nações padece do problema.  Em 2014, antes que os mais escândalos fossem revelados, a nota do Brasil no ranking da Transparência foi de 43, o que se enquadra como sendo uma economia de corrupção média.

Histórico
A legislação anticorrupção mundial começou pelos Estados Unidos, em 1977, com a criação do FCPA (Foreign Corruption Pratices Act), que nasceu para punir empresas norte-americanas que participassem de atos de corrupção no exterior. “Se entendeu que para combater a corrupção dentro do país era necessário combatê-la também fora do país”, contextualiza Saud Neto.

A lei, no entanto, só foi pegar nos anos 1990, quando começou a ser aplicada para valer. E é ela que permite hoje que empresas estrangeiras, com alguma ligação com os Estados Unidos, também possam ser investigadas e punidas — o caso Fifa é o exemplo mais recente (Clique aqui para saber mais).

O tempo de maturação desse tipo de legislação é longo. A Inglaterra, por exemplo, só foi publicar sua própria lei, o UK Bribery Act, em 2010.

Além dos países de vanguarda na luta contra desvios, há pressão internacional por práticas honestas de negócios. Ela ocorre por meio de organismos internacionais como OEA (Organização dos Estados Americanos), OCDE (Organização para o Comércio e Desenvolvimento Econômico) e ONU (Organização das Nações Unidas), que dispõem de convenções específicas, muitas das quais o Brasil é signatário.

O princípio em jogo é que, se um país coíbe a corrupção, ele não pode ser penalizado, uma vez que outro país onde a corrupção é aceita pode levar vantagens competitivas, derivadas de ações condenáveis criminalmente.




Lei Anticorrupção eleva risco para administradores de empresas

A Operação Lava Jato e a Lei Anticorrupção, que entrou em vigor no Brasil em 2014, impõem mudanças no modo de trabalho para os administradores brasileiros, na avaliação de especialistas reunidos em um seminário sobre o tema em São Paulo.

De acordo com os experts, espera-se dos administradores hoje em dia uma série de ações para lidar com o tema. Eles devem saber claramente de suas responsabilidades, conhecer, analisar e controlar bem os riscos e dividir as responsabilidades.

O quadro que aponta mudanças na forma de gestão é formado por um lado pelos processos criminais decorrentes de desvios de recursos na realização de negócios.

Por outro, a Lei Anticorrupção estabelece multas de até 20% do faturamento das empresas, com o risco adicional de responsabilização pessoal de administradores.

O risco para os administradores foi exemplificado pelas prisões dos líderes de algumas das maiores construtoras do país, culminando com o encarceramento preventivo dos presidentes da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e da Andrade Gutiérrez, Otávio Azevedo, no dia 19 de junho.

Já os danos potenciais de um enquadramento pela Lei Anticorrupção podem ser fatais para uma companhia, observou Salim Jorge Saud Neto, advogado e sócio na área societária, fusões e aquisições do escritório Mayer Brown, que participou do evento  promovido pela FenSeg.

“Uma multa de 20% pode destruir uma empresa”, disse ele. “É preciso ter essa preocupação, sobretudo quando se lida com órgãos públicos, quando a empresa pode se expor a grandes prejuízos.”

Exposições mais claras
Gustavo Galrão, supervisor de linhas financeiras da Argo Seguros, avalia que a Lei Anticorrupção contribui muito para que os administradores saibam exatamente a que tipo de situações estão expostos.

“Ela serve com um guia para as empresas”, disse ele. “É um incentivo para evitar fraudes internas. Tem a ver não só com o amadurecimento do mercado, mas com o amadurecimento da democracia e do jeito de fazer negócios.”

Num ambiente de responsabilidades e punições em alta, o coordenador da comissão Anticorrupção e Compliance do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, Giovanni Paolo Falcetta, considera fundamental que os administradores dividam as responsabilidades dentro da empresa.

Em casos em que o assunto gera controvérsia interna, argumenta ele, é preciso que todos saibam os riscos envolvidos e estejam cientes das ações a serem tomadas. “Faça com que a companhia entenda quais são os riscos.”

Sucessão e D&O
Muitas vezes, uma crise faz com que administradores sejam substituídos. A Lei Anticorrupção pode impactar tanto em quem assumiu o posto quanto em quem o deixou.

Para Falcetta, a primeira ação para quem assume o cargo é simples: “Não senta nessa cadeira sem um bom seguro D&O”. Só depois é que se deve tentar destrinchar o problema. 

Segundo ele, o primeiro passo é cessar imediatamente qualquer desvio; o segundo é remediá-lo — o que em alguns casos pode significar processo judicial contra administradores antigos.

“A dúvida que se tem no dia-a-dia, hoje, é se é preciso procurar imediatamente a autoridade pública, ou tentar resolver (o problema) dentro de casa”, diz ele. “É preciso pesar: quão grave foi o ato? O que aconteceu e quanto eu consigo remediar dentro de casa. Se isso não é possível, é preciso questionar a possibilidade da delação espontânea.”

Galrão lembrou que cenário recente contribuiu para o aumento de sinistralidade na linha de seguros D&O e também das reservas que as seguradoras das seguradoras para essa linha, num movimento que antecipa o aumento de pagamentos decorrentes da situação atual de várias companhias. (Clique aqui para saber mais.)




Caso Petrobras impõe compliance a cadeia produtiva, diz especialista

A cada novo capítulo, os desdobramentos da Operação Lava Jato se tornam mais e mais imprevisíveis seja no campo político ou no empresarial.

Uma coisa, no entanto, não deverá passar batida pelo maior escândalo de corrupção já revelado no país: o jeito de fazer negócios. “Não tenho dúvida que a Petrobras vai sair deste turbilhão com um programa de compliance muito, muito, muito bom”, afirmou Giovanni Paolo Falcetta, coordenador da Comissão Anticorrupção e de Compliance do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial.

Se de fato isso acontecer, as consequências serão sentidas muito além dos escritórios, plataformas e refinarias operados pela maior empresa do Brasil. “A cadeia de fornecedores vai ter de se adaptar,” disse Falcetta durante um seminário sobre Lei Anticorrupção promovido em São Paulo pela FenSeg. A Petrobras trabalha com cerca de 20 mil fornecedores do Brasil e do exterior.

Passos concretos neste sentido já estão sendo desenhados. Até sexta-feira, dia 26 de junho, a companhia deve apresentar a seu conselho de administração as primeiras sugestões para reestruturar a governança corporativa. A ideia, por enquanto, é dar mais responsabilidade para os gerentes e tirar algum poder de diretorias (leia mais).

“Os acontecimentos recentes já mudaram a forma de fazer negócios no Brasil. Não há dúvida. O apetite de risco das empresas mudou”, avaliou Falcetta. “O quanto mudou e o quanto vai permanecer, vamos descobrir no futuro.”

O evento foi realizado um dia antes de os presidentes das construtoras Odebrecht e da Andrade Gutierrez terem sido presos no âmbito das investigações da Lava Jato — um fato novo que agravou ainda mais a crise decorrente das investigações.

De acordo com o processo da Lava Jato, desvios faziam parte do dia-a-dia de vários negócios da Petrobras. Um novo sistema de governança e compliance, mais efetivo e transparente, faz parte de um pacote de mudanças que o mercado entende como necessárias para a empresa reagir à crise atual, que tem forte impacto na economia como um todo. (Clique aqui para saber mais).

“Tem de olhar o programa de compliance como uma vantagem competitiva das empresas”, disse Falcetta, sobre o impacto no mercado em geral. “Se [o programa] rodar bem, com riscos diminuídos e decisões tomadas com base em informações, a empresa sai muito na frente.”
Para ele, a vantagem competitiva está diretamente ligada ao retorno comercial que o sistema traz para a empresa.

Um exemplo buscado fora do Brasil é ilustrativo dessa argumentação. Falcetta disse que uma grande rede varejista investigada pelo governo norte-americano gasta US$ 600 mil por dia em ações internas para melhorar suas práticas e se adaptar à lei. “Eles estão discutindo como fazer para melhorar a imagem da empresa, e não como vender mais produtos”, disse o especialista.




Caso Fifa ilustra alcance global do risco de corrupção

No maior escândalo do futebol mundial, a sigla que começa com a letra “F” a que as empresas devem prestar muita atenção não é “Fifa”. Muito mais relevante para os gestores de riscos corporativos, ainda que bem menos conhecida, é “FCPA”.

O acrônimo remete ao “Foreign Corrupt Practices Act”, ou Lei de Práticas Corruptas no Exterior, utilizada pelas autoridades americanas para processar empresas corruptas em praticamente qualquer parte do mundo.

São as regras da FCPA que permitiram ao Departamento de Justiça (DoJ) e à receita americana (IRS) abrir os casos contra José Maria Marin e outros suspeitos de corrupção na maior entidade do futebol mundial, cuja sede fica na Suíça. A lei estabelece que as autoridades têm poder de investigar fora dos Estados Unidos atos de corrupção cometidos por qualquer empresa que tenha algum vínculo com o país.

Considerando que os norte-americanos são o centro das finanças globais e o maior mercado do mundo para uma infinidade de produtos, a chance de que alguma companhia de relevância não se enquadre em tal critério é virtualmente nula.

As ações de sua empresa são negociadas na Bolsa de Nova York? Cuidado com o FCPA.

Sua empresa tem uma conta offshore no estado de Delaware, um paraíso fiscal? As autoridades americanas podem se interessar por vocês.

A companhia tem um agente comercial nos Estados Unidos? E um outro que trabalha num país distante se envolve em um caso de corrupção graúdo? Então ela está ao alcance da Justiça americana, anabolizada pelo FCPA.

Poder universal
Críticos dizem que a jurisdição praticamente universal criada pelo FCPA faz com que o poder americano seja utilizado para fins comerciais. É uma acusação comumente levantada, por exemplo, por empresas francesas, que em vários mercados internacionais se encontram em competição acirrada com rivais americanas.

Uma evidência disto seria o fato de que das dez maiores condenações realizadas com base no FCPA até hoje, apenas duas envolvem empresas dos Estados Unidos. Os críticos também observam que lobbies empresariais possuem um grande poder de influência em Washington, especialmente durante o ciclo eleitoral, e que assim podem pressionar pela abertura de casos que os beneficiam indiretamente.

Além disso, as autoridades dos Estados Unidos têm mostrado tendência a priorizar casos com potencial midiático, que valorizam a imagem dos investigadores responsáveis — como o escândalo na Fifa é exemplo. Mais de um crítico notou nos últimos dias que não é rara a migração de oficiais do DoJ ou do IRS para escritórios de advocacia em Nova York ou Washington em troca de salários milionários.

Propinas e multas
Com esses elementos em mente, vale a pena prestar atenção na quinta maior multa já aplicada sob a égide do FCPA.

Dois anos atrás, a francesa Total aceitou pagar US$ 398 milhões de multa para encerrar um caso em que era acusada de pagar propinas a membro do governo do Irã a fim de ter acesso a campos de exploração de gás e petróleo.

Alguém consegue citar o nome de outra empresa de renome mundial que atua no setor de petróleo, possui interesses nos Estados Unidos e está envolvida em um caso de corrupção em país emergente, onde o pagamento de propinas mostrou-se generalizado?

Acertou quem pensou na Petrobras.

Desdobramento da Petrobras
Especialistas americanos em investigações feitas sob o FCPA disseram à Risco Seguro Brasil que ficarão muito surpresos se as autoridades americanas não abrirem seu próprio processo sobre o escândalo da petrolífera brasileira.

É bem provável, afirmaram eles, que informações já estejam fluindo entre órgãos dos dois países. Questionado sobre isso, o Ministério Público Federal brasileiro não se pronunciou. Mas caso os norte-americanos fiquem satisfeitos com os resultados do trabalho feito pelo MPF do Brasil, podem utilizar as evidências para acelerar seus próprios processos.

As consequências nesse caso poderiam ser gigantescas não só para a Petrobras, mas também para outras empresas e executivos envolvidos na Operação Lava-Jato.

E o gestor de risco?
O que esses casos trazem de conclusões para os gestores de risco brasileiros? O mais evidente deles é que  o risco de uma empresa enfrentar processos devastadores por causa de corrupção é hoje muito maior do que era antigamente.

Afora todo o potencial de danos domésticos revelados pela Operação Lava-Jato, as investigações nos Estados Unidos podem resultar em multas imensas (a Siemens alemã, por exemplo, já pagou uma de US$ 800 milhões), suspensão de atividades, prisão de executivos e confisco de bens, tanto da companhia quanto de seus diretores.

E esse pode ser o impacto apenas com as ações dos Estados Unidos. Outros países importantes para os negócios globais, como o Reino Unido, têm suas próprias versões do FCPA. Alguns acabaram de adotar leis similares. Um exemplo: o Brasil. A Lei Anticorrupção recentemente editada pelo governo também atribuiu uma forma de jurisdição universal às investigações.

Além disso, uma organização pode ter sua reputação seriamente abalada e encontrar dificuldades para trabalhar com parceiros comerciais confiáveis no futuro.  Também pode ser julgada com base no FCPA mesmo que não tenha pago propina diretamente. Ela poderá ser enquadrada caso, por exemplo, faça parte de um grupo de empresas que ganhou uma licitação pública em uma concorrência “azeitada” por um de seus sócios no negócio.

Fuga de patrocinadores
A provável fuga de patrocinadores da Fifa ilustra bem os riscos. Como a Nike vai lidar com o fato de estar diretamente associada à entidade, que agora aparece ostensivamente na mídia ligada a corrupção? Ainda que a marca esportiva não seja citada nos processos do DoJ e do IRS, este ponto já está evidência, como mostra o “desaparecimento” dos patrocinadores do tradicional painel de publicidade durante coletiva do atual presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, na sexta (29/5).

O argumento de que sem pagar propina não se viabiliza negócios no Brasil também perde força. Especialistas dizem que o benefício a curto prazo deste tipo de prática é anulado pelo alto risco de sumiço sumário ou de grande enfraquecimento de uma empresa – o que seria o maior desserviço possível para seus acionistas.

Como observou recentemente a este repórter o especialista francês Gilles Hilary, da escola de negócio Insead, de Paris: “Se o modelo de negócio da empresa se baseia no pagamento de propinas, ela tem um problema sério nas mãos”.